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Reinaldo Azevedo

Vacina há de ser compulsória; projeto de lei prevê punição a recalcitrantes

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/10/2020 07h12

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há um projeto de lei na Câmara estabelecendo punições para quem deixar de tomar a vacina contra a Covid-19 — quando houver uma. Será que alguém pode ser punido por não se vacinar? Será que o governo está obrigado a oferecer a vacina? Vamos ver.

Tão logo haja uma, não há dúvida de que será o Supremo a dar a palavra final sobre sua obrigatoriedade ou não, embora, é bom deixar claro, a Lei 13.979, sancionada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, já preveja a vacinação compulsória na Alínea d do Inciso III do Parágrafo 3º.

O PTB recorreu ao tribunal com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra esse dispositivo da lei. Do outro lado, cinco partidos políticos — PCdoB, PSOL, PT, PSB e Cidadania — apelaram a uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) para que o governo federal seja obrigado a comprar a Coronavac — caso, claro!, ela esteja disponível, e a população, sem vacinação.

A ação procede. Jair Bolsonaro anulou protocolo de intenções assinado entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan para adquirir 46 milhões de doses. Chegou a dizer que o governo não as compraria ainda que a Coronavac fosse liberada pela Anvisa.

Cabe uma ADPF? Sim. Preceitos fundamentais estabelecidos pela Constituição estariam sendo ignorados se Bolsonaro cumprisse a sua promessa. A Saúde é direito dos cidadãos e dever do Estado, a quem cabe oferecer a assistência e adotar ações preventivas — como a vacinação — para garantir o bem-estar na população nessa área. Mais: a Carta também prevê o trabalho integrado entre os sistemas de saúde municipais, estaduais e federais.

Essas garantias estão nos Artigo 6º, 196, 197 e 198 da Constituição. Não há a menor possibilidade de a vacinação compulsória ser declarada inconstitucional — caso, claro!, se respeite o que está na Carta. É bom lembrar que o ECA (Lei 8.069) já prevê no Artigo 14 a imunização compulsória de crianças.

MAS OBRIGAR COMO?
É evidente que agentes do Estado não vão invadir casas, com a vacina em punho, para imunizar à força. Também não se vai sair por ruas, ônibus, trens e metrôs com uma seringa vingadora. As coisas não se dão assim.

O voto, por exemplo, é obrigatório, lembram-se? Quem não o exerce tem de se justificar ou fica sujeito a restrições de direito impostas pela Lei 4.737 — o Código Eleitoral.

Projeto de lei apresentado pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG) prevê que se aplique àqueles que se negarem a tomar a vacina contra a Covid-19 as mesmas sanções previstas no Artigo 7º, Parágrafo 1º, Incisos I a VII a referida lei. Além de pagar multa, a pessoa que não tomasse vacina seria impedida de:
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;

II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;

III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;

IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;

V - obter passaporte ou carteira de identidade;

VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;

VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Todos sabem que defendo a obrigatoriedade da vacina. A questão de saúde pública está acima do direito individual da recusa.

A obrigatoriedade, é evidente, não consiste em aplicar a vacina na porrada, mas em aplicar sanção ou perda de direitos a quem não cumprir a determinação. É isso o que prevê o projeto do deputado.

Novas dificuldades para o recalcitrante têm de se acrescentar a essas. Pode-se instituir o carimbo nos passaportes que já existem. Instituições públicas e espaços privados devem ter a autorização para exigir dos frequentadores atestado de vacinação se assim houverem por bem. O mesmo deve valer para táxis e aplicativos.

No caso do transporte público, a exigência seria inexequível, mas plenamente possível para ônibus executivos ou de viagens longas.

Também é preciso prever os casos, sempre excepcionais, em que pessoas precisam ser dispensadas da vacina. Certamente haverá ocorrências de saúde incompatíveis com a droga. Justificar a ausência à votação — ESTA, SIM, NÃO DEVERIA SER OBRIGATÓRIA!!! — é fácil. No caso da dispensa médica da vacina, seria preciso ser muito rigoroso.

O coronavírus está cobrando um preço altíssimo da população mundial — do Brasil em particular, que está em segundo lugar no mundo em número de mortos, perdendo para os EUA apenas, que, não obstante, contam com menos ocorrências fatais por 100 mil habitantes.

O flagelo da doença e da morte está aí, com seus sortilégios na economia. Os esforços para chegar a uma imunização segura são gigantescos, e seu custo, elevadíssimo.

Não se pode impor a ninguém a autoproteção. Tampouco se pode fazer uma lei que proíba as pessoas de pôr em risco a própria vida ou mesmo de encerrá-la. Mas a ninguém é reservado o direito de arriscar a vida alheia.

Por isso o Estado tem de oferecer a vacina, e o indivíduo tem de tomá-la. Obrigatoriamente.

A vacina é uma autoproteção que também protege o outro.