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Reinaldo Azevedo

Voto de Lewandowski é impecável e deve triunfar. Outra derrota de Bolsonaro

Ricardo Lewandowski e Jair Bolsonaro: o ministro fez a coisa certa, e isso só pode significar que o presidente da República não gostou. O chefe do Executivo é obcecado pelo erro - Carlos Moura/;STF;  Carolina Antunes/PR
Ricardo Lewandowski e Jair Bolsonaro: o ministro fez a coisa certa, e isso só pode significar que o presidente da República não gostou. O chefe do Executivo é obcecado pelo erro Imagem: Carlos Moura/;STF; Carolina Antunes/PR

Colunista do UOL

17/12/2020 06h18Atualizada em 17/12/2020 14h06

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Impecável o voto do ministro Ricardo Lewandowski, relator no Supremo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.586 e 6.587.

A primeira foi impetrada pelo PDT e pede que o tribunal faça uma interpretação conforme a Constituição da Lei 13.979, que prevê a vacinação obrigatória, de maneira a estabelecer que cabe aos Estados e Municípios determinar essa obrigatoriedade, adotando outras medidas profiláticas no combate à pandemia, desde que amparadas em evidências científicas.

Já a outra ADI, a 6.587, é de autoria do PTB de Roberto Jefferson e pleiteia justamente o contrário. Apelando ao que entende ser "liberdade individual", o partido pede que seja declarado inconstitucional o mesmo trecho da Lei 13.979, sancionada pelo próprio Jair Bolsonaro, note-se.

Ainda que com argumentações opostas, as duas ações tratam do mesmo assunto, daí que o ministro tenha proferido um voto que responde às duas petições.

Em síntese, afirma o ministro Lewandowski:
1: a vacinação obrigatória está de acordo com os valores consagrados pela Constituição brasileira e já está presente em nossa legislação em outros diplomas legais;
2: a obrigatoriedade da vacina não implica imunização forçada, o que agrediria direitos fundamentais;
3: o Estado pode, sim, impor sanções àqueles que, sem razão justificada, decidirem não tomar a vacina;
4: Estados e municípios podem, no âmbito de sua competência, tomar medidas em favor da obrigatoriedade da vacina.

Uma nota antes que continue. A Procuradoria Geral da República, cujo titular é Augusto Aras, diz em seu parecer que nada há de inconstitucional na obrigatoriedade da vacina. Avalia que, diante de eventual inação do governo federal, os estados-membros da federação podem impor a obrigatoriedade, mas não os municípios.

Já a Advocacia Geral da União, cujo titular é José Levi do Amaral, não decepciona aqueles que apostam que vai defender a tese errada. Para ele, a inexistência de vacinas registradas na Anvisa torna prematuro o debate sobre a obrigatoriedade. Não chega a ser um voto, mas uma tolice.

Afinal, não se discute a inconstitucionalidade ou não da droga A ou B. Trata-se do chamado "controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade". Debate-se uma tese, não um caso concreto. Doutor Levi deveria ter partido da hipótese de que a vacina já existe. Água morro abaixo, fogo morro acima e advogado geral quando disposto a praticar genuflexão ao Executivo, bem..,, ninguém segura. Levi, aliás, tem sido uma péssima surpresa para os que apostavam na sua independência intelectual. Adiante.

Escreve Lewandowski que, 'Sob o ângulo estritamente constitucional, a previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima", desde que observadas algumas condições.

Sobre a competência de Estados e municípios, diz:
"O compartilhamento de competências entre os entes federados na área da saúde, por óbvio, não exime a União de exercer aquilo que a doutrina denomina de "competência de cooperação".

O próprio ministro sintetiza em seu voto como deve se dar a obrigatoriedade não forçada da vacinação. Prestem atenção:
"A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e
(I) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes,
(II) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes,
(IIIi) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas;
(IV) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e
(V) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente".

Ah, sim: o ministro lembra:
"No Brasil, o marco legal da vacinação obrigatória foi institucionalizado pela Lei 6.259/1975, regulamentada pelo Decreto 78.231/1976, diplomas normativos que detalharam a forma como o Programa Nacional de Imunizações seria implementado no País. Dentre outras disposições, o Regulamento estabeleceu que é 'dever de todo o cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória".

Há mais: a Portaria 594 do Ministério da Saúde define como se dá a obrigatoriedade da vacina no Artigo 5º. O atestado de imunização é exigido para:
- pagamento de salário-família:
- matrícula em creche, pré-escola e demais anos escolares;
- recebimento de benefícios sociais;
- admissão no trabalho em órgãos públicos e privados.

Havendo prescrição legal, essas e outras sanções podem ser impostas a quem se negar a tomar a vacina sem uma justificativa médica.

Você quer ver bolsomínion disputando a tapa um lugar da fila de vacinação? Basta que as empresas aéreas passem a exigir o atestado de vacinação para entrar num avião. Ou será que um valentão ou uma valentona reivindicam o direito de jogar o patógeno no sistema de ar-condicionado da aeronave?

Todo mundo tem o direito de se matar, embora eu ache que não deva. Mas não tem o direito de tentar matar os outros.