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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Copa América: Supremo pode e deve pôr fim à farra homicida dos celerados

Ricardo Lewandowski, do Supremo: ministro é relator da ADPF no âmbito da qual PT pede suspensão imediata de negociações para a Copa América - Nelson Jr/STF
Ricardo Lewandowski, do Supremo: ministro é relator da ADPF no âmbito da qual PT pede suspensão imediata de negociações para a Copa América Imagem: Nelson Jr/STF

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O PT recorreu ao Supremo, no âmbito da ADPF 756, cujo relator é o ministro Ricardo Lewandowski, com um pedido de liminar para que se suspendam imediatamente as tratativas para que o Brasil seja sede da Copa América. O nome técnico do instrumento é "Tutela Provisória de Urgência em Caráter Incidental". Essa ADPF é aquela impetrada pelo partido, junto com PCdoB e outros, que pediu que o governo fosse obrigado a apresentar um plano nacional de vacinação contra a covid-19.

Será que o pedido é cabível?

Vamos ver. A primeira tentação seria dizer que não. Afinal, a Conmebol e a CBF são entidades privadas. Ainda que os estádios em que se realizaria a disputa sejam, em regra, públicos — alguns sob gestão privada —, estes poderiam ser alugados pelos promotores do evento.

Assim, a realização da competição teria de se adequar às normas vigentes nos Estados e municípios e pronto. Bem, assim seria se assim fosse. Mas não é. O governo federal resolveu se meter no caso. Alejandro Domínguez, o principal dirigente da entidade, negociou diretamente com Jair Bolsonaro, que acionou seus ministros.

Se faltasse evidência de que o Planalto comanda a estupidez, há a entrevista concedida pelo general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, que veio a público para assegurar, por exemplo, que, caso se realize o evento no país, será sem público, discorrendo, inclusive, sobre quais seriam as regras de vacinação.

Bem, cessa o que a antiga musa canta. Então estamos, sim, diante de uma decisão que passa pelo governo federal — até porque é preciso mobilizar de Estado, em várias esferas, para garantir a segurança da competição e dos competidores. Ponto final. E, agora, somos devolvidos à Constituição.

Dispõe o Artigo 6º da Constituição:
"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Isso lhe pareceu genérico demais?

Pois não. Então vamos ao que é bem específico. Reza o Artigo 196:
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

A Constituição impõe ao governo que execute políticas sociais e econômicas que visem "à redução do risco de doença". E, como é unânime entre especialistas respeitados — há vagabundos por aí que falam pelas lentes da ideologia, não da ciência —, a realização da Copa América no país aumentaria esse risco, em vez de reduzir.

Não se trata mais de um negócio entre privados, que poderia ser executado com a eventual adequação às normas dos Estados e das cidades. Nesse caso, os sensatos teriam de recorrer à Justiça comum com, por exemplo, ações populares para tentar impedir a realização dos jogos.

Mas Jair Bolsonaro e seus ministros transformaram, sim, a questão num caso de cumprimento ou descumprimento da Constituição.

Que o ministro Ricardo Lewandowski, de imediato, conceda uma liminar suspendendo a farra e que o Supremo faça a coisa certa. A realização da Copa América no país é só um capítulo do negacionismo, que já matou 463 mil pessoas.

Pior: busca-se trazer a competição para cá num momento em que a curva de contaminação e de mortes voltou a subir, com uma taxa de imunização — a aplicação das duas doses — inferior a 11%.

Um abuso, um acinte e um agressão a direitos fundamentais dos brasileiros.

Liminar neles, ministro Lewandowski!

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, 463 mil pessoas morreram de covid-19 no Brasil, e não 563 mil. O texto foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL