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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Novo ministro indica que Bolsonaro ainda vê Meio Ambiente como adversário

Joaquim Álvaro Pereira Leite, novo ministro do Meio Ambiente, e Jair Bolsonaro. Tudo indica que nada muda. Mas talvez com mais discrição - Reprodução
Joaquim Álvaro Pereira Leite, novo ministro do Meio Ambiente, e Jair Bolsonaro. Tudo indica que nada muda. Mas talvez com mais discrição Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/06/2021 06h33

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A escolha do novo ministro do Meio Ambiente parece indicar que pouca coisa muda na Pasta, num sinal de que o presidente Jair Bolsonaro não entendeu, até agora, que haverá sempre, e tem de haver, uma saudável tensão entre a preservação e a produção. Vale dizer: o país precisa dos dólares e da comida do agronegócio, e este tem de estar atento às exigências ambientais. As pastas não se anulam, mas se informam mutuamente. E isso não é mera retórica.

Joaquim Álvaro Pereira Leite, secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do Ministério do Meio Ambiente e agora guinado à titularidade da pasta, tem um histórico, inclusive familiar, ligado à cafeicultura. Sua família, diga-se, mantém uma longa disputa judicial com indígenas por causa de uma área na divisa da cidade de São Paulo com Osasco. Durante 23 anos, foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira.

Tudo caminha para que a tensão continue. O presidente não abre mão da subordinação do Meio Ambiente à Agricultura, o que é um erro grosseiro de política pública. A escolha pode agradar aos setores mais atrasados do ruralismo, mas só serve para criar tensões para o agronegócio de ponta, hoje comprometido com o desmatamento zero. As grandes empresas da área, como a JBS, fazem isso às próprias expensas. Enquanto Bolsonaro mistura alhos com bugalhos, os grandes do setor buscam eles próprios assegurar que seus fornecedores de carne, por exemplo, não atuam em áreas de desmatamento ilegal.

A reportagem sobre os embates dos indígenas com a família do novo ministro, em São Paulo, foi publicada pela BBC Brasil. O ministério enviou uma nota à reportagem:
"O Ministério do Meio Ambiente informa que o processo de disputa de posse em questão é tratado no âmbito do espólio da família paterna do ministro Joaquim Leite, que nunca teve atuação direta ou indireta no assunto."

Não descarto que seja verdade, não é? Mas ele é herdeiro. E não cumpre, no caso, dar uma de Julieta falando com Romeu: "Despreza o pai, despoja-te do nome..." A questão é mais simples, menos dramática: existem especialistas em Meio Ambiente, o que o novo ministro não é, que têm uma agenda técnica, não ideológica.

Ocorre que a de Bolsonaro é ideológica. E aí está o busílis. Seu governo vê em cada ambientalista um inimigo, um comunista disfarçado de clorofila. E compra brigas que, de resto, só servem para difamar o Brasil no mundo, sem trazer nenhum proveito para o agronegócio.

O país ganhou um Código Florestal robusto, consequente, que concilia produção e preservação. Foi aprovado depois de embates bastante duros com as alas mais radicais do ambientalismo, algumas delas, à época, bem pouco preocupadas com o setor produtivo. Mas se chegou a um texto que contemplou as necessidades do meio ambiente, do agronegócio e da agricultura familiar. A sua aplicação em nada ameaça os interesses do Brasil. Muito pelo contrário.

No governo Bolsonaro, o código passou a ser ignorado, e a pasta se transformou em território do lobby de madeireiros e garimpeiros ilegais — tendo, inclusive, as terras indígenas como uma espécie de nova fronteira a ser ocupada.

Isso vai mudar com alguém habituado a ver o mundo pelos olhos da Sociedade Rural Brasileira? E não! Nada tenho em particular contra a SRB, desde que seus próceres estejam militando onde devem: na agricultura e na pecuária. O Meio Ambiente é outro domínio e tem outras prioridades. Mas Bolsonaro, no fundo, insiste naquela que era sua tese original, todos devem se lembrar: durante a campanha eleitoral e no começo do governo, ele queria a área como uma mera secretaria do Ministério da Agricultura.

A pressão foi grande, e ele, na aparência, recuou. De fato, manteve e mantém a subordinação. De certo modo, a coisa ficou até pior porque o Ministério tem lá sua autonomia. Até Tereza Cristina, a titular da Agricultura, já teve de corrigir besteiras de Salles. Afinal, na condição de ministro, ele passou a ter seus próprios interlocutores. E não parece que todos fossem pessoas muito boas, como revelam as relações, para ser genérico, promíscuas com os madeireiros — que apresentavam a ele as suas demandas, não a Tereza Cristina.

A diferença entre Joaquim Álvaro Pereira Leite e Ricardo Salles, em princípio, está no fato de que em agricultura, ao menos, o novo ministro sabe a diferença entre um alho e um bugalho, já que vem da setor rural. Salles aprendeu em livro de ilustrações.