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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O "Cristo Morto" já saçarica no hospital, Ou: intestino, cérebro e Luiz Fux

Bolsonaro em visita a outra paciente do Vila Nova Star. Ambos estão sem proteção. Está de acordo com os protocolos do hospital? Quais são? - Michelle Bolsonaro/Instagram
Bolsonaro em visita a outra paciente do Vila Nova Star. Ambos estão sem proteção. Está de acordo com os protocolos do hospital? Quais são? Imagem: Michelle Bolsonaro/Instagram

Colunista do UOL

15/07/2021 22h02

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Num dia, as milícias digitais oferecem o corpo mórbido do presidente como metáfora do Cristo Morto. No outro, ele já aparece saçaricando no hospital, visitando uma paciente — ambos sem máscara, note-se, o que me parece, com a devida vênia, falar um tanto sobre o que pode e o que não pode no até vocabularmente estrelado hospital Vila Nova Star quando se é presidente da República.

Não estou pondo em dúvida a indisposição sentida pelo presidente em razão da alegada obstrução intestinal, mas apontei ainda ontem no programa "O É da Coisa" que a expressão "cirurgia de emergência" estava ganhando um novo sentido. Li hoje em algum lugar que a "cirurgia de emergência" tinha sido adiada... Que memória teremos destes dias loucos, inclusive da medicina, ou de parte dela? Os historiadores e os escafandristas, como naquela música de Chico, dirão... Adiante.

Já é fato púbico, revelado pelo próprio Bolsonaro, que ele tem de fazer outra intervenção cirúrgica. Como não foi desmentido por seu médico à época nem agora, suponho, então, que o procedimento está por se fazer. Deve ter havido uma boa razão para não ser agora. Não se costuma recorrer a procedimentos dessa natureza quando há uma inflamação grave, por exemplo. Pode ter sido o caso, sei lá. Mas, se não se fez a cirurgia agora, então quando? Ainda voltarei ao ponto.

FATOS EXÓGENOS
Já escrevi aqui e já afirmei algumas vezes que o bolsonarismo está em busca do que chamei de "fatos exógenos" que possam interferir no pleito de 2022 caso o presidente permaneça no cargo até lá -- ainda é o mais provável. Em 2018, houve ao menos dois: a condenação sem provas do favorito (Lula) por um juiz incompetente e suspeito e justamente a facada desferida por Adélio Bispo de Oliveira naquele que estava em segundo lugar.

O impedimento do favorito e o martírio farsesco de quem vinha bem atrás, mas em segundo, estão na raiz do resultado de 2018. E o que se tem aí são desdobramentos daquelas deformações. Por mais que Bolsonaro conte com alguns instrumentos para tentar reverter curvas de opinião, a coisa, convenham, não é fácil. O depoimento do tal Cristiano Carvalho à CPI nesta quinta indica que sortilégios estão por vir sobre o Ministério da Saúde. Nem os governistas conseguiram encontrar um discurso para justificar as barbaridades, com evidências fáticas, que ele contava ali.

Assim, é preciso cuidar dos tais "fatos exógenos". A peça de resistência de Bolsonaro tem sido o ataque às instituições e o incitamento a um golpe de Estado. Para tanto, a exemplo do lobo que quer engolir o cordeiro, ele precisa de uma farsa que justifique a pregação disruptiva. Então vem essa conversa de voto impresso e a mentira estúpida de que tem prova de que as eleições de 2014 foram fraudadas. A tal "prova" não passa de conjecturas de um lunático conhecido, cuja tese já foi desmoralizada. Vale dizer: ele não tem nada.

Notem: essa história de voto impresso não é uma obsessão em si. Trata-se apenas de um instrumento ou de uma frente de deslegitimação da eleição. Não fosse isso, seria outra coisa. E será outra coisa se lhe derem o voto impresso. Como se pôde perceber por esses três últimos dias, vão tentar ressuscitar a conversa mole de que um complô de esquerdistas quis matar o presidente e de que ele quase deu a sua vida para salvar, como o próprio disse, "os nossos valores". É bem mais difícil de colar desta vez.

EMERGÊNCIA QUANDO? OU: "ENTENDEU, FUX?"
Assim, parece que, se a emergência -- no sentido de dicionário -- não se impuser antes, uma boa data para Bolsonaro entrar no bisturi seria ali pelo mês de setembro do ano que vem, antes das eleições, quando, então, veículos de comunicação, bancos e entidades da sociedade civil promovem debates entre os candidatos. A figura do mártir pode ser acionada a qualquer tempo. Em 2018, Bolsonaro concedeu entrevistas no leito de hospital, disparou reacionarismos entre gemidos, e seus adversários foram econômicos na resposta porque, afinal, não pegava bem ser duro com uma vítima. Enquanto isso, seus milicianos digitais disparavam barbaridades.

Sem pudor, o presidente reincidiu na prática. Aquele que estava prestes a participar da patética "Reunião entre os Poderes" patrocinada por Luiz Fux, que ocorreria nesta quarta, teve de passar por internação de emergência — o que lhe rendeu a foto na cola do Cristo Morto e o Insta-testamento na cola de Getúlio Vargas. O alvo principal: as esquerdas.

Nesta quinta, já saçaricante pelos corredores -- desrespeitando o que, suponho, seja protocolo do hospital (ou não é?) --, aquele que participaria da "Reunião entre os Três Poderes" voltou a atacar a CPI na sua conta no Twitter. Lá se lê:
"No circo da CPI Renan, Omar e Saltitante estão mais para três otários que três patetas".

Aos demais convivas da reunião que não houve — Luiz Fux, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira —, pergunto: são essas palavras aceitáveis para se referir a uma instância do Parlamento brasileiro?

Seja lá o que presidente tenha nas cavidades abdominais, detestável mesmo, para a política, é o que ele tem na cabeça. Com a hipótese razoável de que as respectivas matérias não se distingam.