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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Faria, neoextremista de direita, quer ser vice. Lembra da Dilma, Bolsonaro?

Fábio Faria, o neoconvertido ao extremismo de direita, e sua grande obra. Em 2014, era dilmista e lulista. Apagou as mensagens, mas não conseguiu apagar a imprensa. Cuidado, Bolsonaro! - Cléverson Oliveira/Mcom/; Reprodução
Fábio Faria, o neoconvertido ao extremismo de direita, e sua grande obra. Em 2014, era dilmista e lulista. Apagou as mensagens, mas não conseguiu apagar a imprensa. Cuidado, Bolsonaro! Imagem: Cléverson Oliveira/Mcom/; Reprodução

Colunista do UOL

29/07/2021 05h09

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Antes de a palavra "narrativa" entrar na moda e integrar o léxico da extrema direita brucutu — que nem sabe do que está falando; não parece que Carlucho seja exatamente um estudioso das ciências da linguagem —, os delinquentes intelectuais, políticos e morais recorriam com frequência à palavra "contexto". A maior barbaridade, a coisa mais estúpida, o ataque mais covarde, tudo, enfim, poderia ser resolvido com uma desculpa: "Tal coisa foi tirada do contexto".

Não que isso seja impossível. É. Pode-se picotar uma fala para lhe atribuir sentido inverso ao pretendido pelo emissor. Não é um caso de contexto, mas de mentira mesmo. As milícias bolsonaristas fazem isso com frequência. Por que essas considerações iniciais?

A Secom resolveu homenagear o "Dia do Agricultor" com uma foto extraída de um banco de imagens que mostra um homem portando uma arma. Vinha acompanhada do seguinte texto:
"Hoje homenageamos os agricultores brasileiros, trabalhadores que não pararam durante a crise da Covid-19 e garantiram a comida na mesa de milhões de pessoas no Brasil e ao redor do mundo".

A imagem foi retirada do ar depois de protestos vindos, inclusive, do agronegócio. Marcello Brito, presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), por exemplo, escreveu:
"Esse post não representa os agricultores brasileiros. Não andamos com armas no ombro, mas com o suor de quem trabalha honestamente de sol a sol. Essa publicação envergonha o setor, as mulheres e homens do campo e o Brasil. Absurdo".

Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência, também se manifestou:
"Pelo amor de Deus, onde o governo Bolsonaro quer chegar? Veja que foto absurda postaram, hoje, supostamente para homenagear o Dia do Agricultor. É a simbologia do ódio e da morte em todos os espaços. Basta!"

FANÁTICO PELA MORTE
Ciro foi ao ponto. Esse é um governo fanático pela morte. O Brasil ainda abriga conflitos agrários: entre proprietários, grileiros e sem-terra e entre esses todos e índios. Em vez, então, de o governo celebrar a produtividade do campo, prefere estimular o conflito. Ao enunciar que a resolução das demandas se dá à bala, nega as funções primordiais do Estado: evitar o confronto, fazer Justiça, buscar o consenso.

E qual foi a desculpa que veio lá das paragens de Fábio Faria, hoje uma das vozes mais estridentes do que o governo Bolsonaro tem de pior? Leio no Painel da Folha:
"A Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom/MCom) alterou uma imagem da série de publicações em homenagem ao Dia do Agricultor. A imagem utilizada anteriormente, em referência à segurança no campo, deu margem a interpretações fora do contexto".

Desafio Faria, o especialista em agricultura, a dizer por que Marcello Brito, que representa o agronegócio, está errado. Este senhor, que se grudou a Lula e a Dilma, em 2014, para eleger Robinson, o pai, governador do Rio Grande do Norte — o que, infelizmente para o povo do Estado, conseguiu — resolveu se fazer ideólogo e porta-voz das catacumbas do bolsonarismo.

NEGACIONISMO OBTUSO
Além da óbvia apologia da violência, a mensagem também é estupidamente negacionista, tentando opor o trabalho no campo àquilo que ocorreu nas grandes cidades em matéria de distanciamento, como se não fossem realidades absolutamente distintas. Caminhamos para 560 mil mortos mesmo com as medidas adotadas -- ainda que mal executadas em razão, em grande parte, da sabotagem do governo federal.

Ao tentar explicar o contexto, Faria produziu esta pérola:
"O Governo Federal reafirma a importância dos trabalhadores rurais, categoria que não parou durante a pandemia e que assegurou a produção de alimentos. O governo continuará adotando medidas que proporcionem mais tranquilidade e segurança em respeito ao agricultor e à sua família".

Se o "não parar" virou uma categoria moral, então agridem essa moralidade "fariana" todos os que aderiram a alguma forma de distanciamento. Podemos imaginar quantos seriam os mortos se o Brasil tivesse seguido, então, as recomendações de Bolsonaro e Faria — que, como fica óbvio, defendiam que se levasse uma vida normal. Afinal, "todo mundo morre um dia".

O governo que o sr. Faria integra não conseguiu fornecer nem oxigênio a todos os brasileiros que dele precisavam. Ah, a terra dos sonhos de Faria! A indústria da morte bateria recordes ainda mais vistosos de produtividade.

FOME
Se Faria quiser explicar o que significa "garantir comida ao redor do mundo", à vontade. O que se sabe é que a fome campeia "ao redor do Brasil", para ficar na língua falada pelo ministro. E os que com fome não estão pagam muito mais caro pela comida, com uma inflação pornográfica.

A demanda mundial vai bem, as exportações de commodities agrícolas idem, mas os brasileiros pobres — esses seres que insistem em atrapalhar as fantasias do rapaz — estão com fome. Temos o mais baixo consumo de carne em 25 anos. Há produtos que tiveram uma majoração de preço de 50%.

O SBT poderia lançar o quadro "Quem quer feijão?". Ou oferecer cestas básicas na "Porta da Esperança". Ou premiar com um bife as "colegas de trabalho" que acertarem perguntas no "Show do Bifão".

CELERADOS
O agronegócio brasileiro já enfrenta ondas de desconfiança em razão da política ambiental delinquente de Ricardo Salles, o defenestrado. Tereza Cristina, ministra da Agricultura, está "ao redor do mundo" tentando demonstrar que o Brasil respeita as regras. Faz o seu trabalho. É uma pena, no entanto, que sua pasta não tenha resposta para a inflação de alimentos que não seja o dar de ombros. A ideia de Paulo Guedes é distribuir sobras de restaurantes "para mendigos".

Uma postagem como aquela piora tudo.

Trata-se de um governo particularmente incompetente. E essa incompetência é extremada por seu delirante reacionarismo.

Não há contexto que possa amenizar isso.

A mensagem é criminosa mesmo.

QUER SER VICE DE BOLSONARO
Faria entrou na corrida para o posto de vice de Bolsonaro. Está de mudança para o PP. Apagou das redes sociais os elogios que fazia a Lula. Mas não consegue apagar as imagens nem as notícias publicadas pela imprensa.

Na condição, agora, de extremista de direita, chegou a criticar as personalidades públicas do Brasil que lamentaram a marca de 500 mil mortos. Achava que todos deveriam seguir seu padrão moral: não lamentar.

Vice? Será mesmo? Bolsonaro é bronco, mas não é muito burro. Deve se perguntar — ou, então, Carlucho pergunta em seu lugar: "Por que esse ex-puxa saco de Lula se tornou mais bolsonarista do que eu?" Não é possível que o Tico e o Teco não se conectem para responder: "ambição".

Faria pediu o apoio de Dilma e Lula para a eleição do pai em 2014, como evidenciam as fotos, e se tornou um militante do impeachment dois anos depois.

E aí o Tico e o Teco se perguntam de novo: "Quem trai uma vez está propenso a não trair nunca mais ou a trair sempre"?

Convenham: Bolsonaro não confia nem mesmo em um vice fiel.

Vai que se reeleja... Convenham: nessa hipótese, só o impeachment continuaria a contemplá-lo.