Topo

Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Fux acerta ao cortar papo com Bolsonaro; este quer golpe, não conversa

O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, durante pronunciamento em que anuncia ter desistido da reunião entre os Três Poderes: Bolsonaro não tem compromisso com a própria palavra - Reprodução/TV Justiça
O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, durante pronunciamento em que anuncia ter desistido da reunião entre os Três Poderes: Bolsonaro não tem compromisso com a própria palavra Imagem: Reprodução/TV Justiça

Colunista do UOL

05/08/2021 22h18

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, faz a coisa certa e põe fim àquela tolice e inutilidade que era o tal encontro entre Poderes. Anunciou-o nesta quinta com um bom discurso. Eu e Fux não frequentamos a mesma enfermaria, como costumo dizer. Quando acerta, no entanto, elogio. E isso vale para qualquer um. Elogiaria até Jair Bolsonaro se acertasse um dia. Na verdade, vá lá, aconteceu uma única vez: quando não vetou o correto pacote anticrime da Câmara. Que coisa, né? Houve um acerto solitário: quando deixou de fazer algo... Voltemos.

Escrevi aqui dois duros textos opondo-me ao "encontro entre Poderes" que fora sugerido por Fux no esforço de conter o golpismo de Jair Bolsonaro. Um deles, na manhã de 13 de julho, tem o seguinte título: "Encontro entre Poderes de Fux pisca para golpistas e agride a Constituição". O outro, no dia seguinte, carrega um pouco mais na ironia: "Fux e a ilusão de Bolsonaro como tchutchuca da democracia e do Pai Nosso".

Não há conversa possível com quem despreza os fundamentos da democracia. Afinal, tal pessoa será convencida exatamente do quê aos 66 anos, 28 deles passados na Câmara a anunciar, pronunciar e defender tudo o que há de mais asqueroso, violento e imundo? Mais: vive cercado de outros que pensam coisas idênticas e, creiam, ainda piores às vezes. Bolsonaro representa a vertente fascistoide da política, tendência hoje saliente em várias democracias mundo afora, razão por que tem o apoio entusiasmado da escória da Internet que se identifica com o neofascismo e com o neonazismo. Essa gente sabe muito bem o que quer.

Líderes populistas como ele conseguem criar, vamos dizer assim, uma versão meio apalhaçada do regime de horror que defendem e acabam seduzindo uma parcela considerável de incautos. O núcleo duro da militância, no entanto, conhece muito bem o nome do que pratica. Sendo assim, dialogar sobre o quê?

Afirmou Fux:
"O pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes. Como afirmei em pronunciamento. por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual. O Supremo Tribunal Federal, de forma coesa, segue ao lado da população brasileira em defesa do estado democrático de direito e das instituições republicanas e se manterá firme em sua missão de julgar com independência e imparcialidade, sempre observando as leis e a Constituição".

Aplausos ao ministro pela decisão e pela fala. E que fique claro, por óbvio: quem falta com a palavra é o chefe do Executivo; é o senhor Jair Bolsonaro. Aliás, não cumpre nem aquela que deu ao presidente do Supremo, prometendo moderação, nem a que empenhou junto a seus pares do centrão, a saber: Arthur Lira, presidente da Câmara, e Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil. Ao contrário: nesta quinta, voltou a fazer ataques boçais aos ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso, repetindo a conversa golpista, plena de mentiras, do pronunciamento transmitido pela Jovem Pan na quarta.

OS FUNDAMENTOS
Escrevi no primeiro texto a que aludo acima:
"Então um presidente da República faz as graves acusações que fez a membros da Corte; diz aos quatro ventos que dispõe de provas sobre fraude nas urnas eleitorais, o que é mentira; afirma em sua live, em tom de desdém, estar 'cagando para a CPI' -- afinal, uma instância do Poder Legislativo -- e é chamado para uma "reunião entre os Três Poderes" para 'estabelecer balizas'? Essa reunião não faz o menor sentido (...). Não pode haver nem diálogo nem dialogismo, senhor ministro, com golpistas. Os Três Poderes têm em mãos os fundamentos nos quais se assentam. Haver essa conversa, caso aconteça, sem que o presidente tenha se desculpado com os ministros do Supremo e com a CPI é um escracho."

E que se note: Fux nem impôs como condição que houvesse o pedido de desculpas. Cobrou apenas que cessassem os ataques, com o que Bolsonaro se comprometeu — sem, obviamente, cumprir a palavra.

Escrevi no segundo texto:
"Acho que a Carta está sendo agredida ao se estabelecer um diálogo, em suposta igualdade de condições, entre um contumaz fraudador da ordem -- Bolsonaro -- e os representantes dos outros dois Poderes. Goste-se ou não da atuação de Fux, Pacheco e Lira, seguem as regras do jogo -- exceto quando se omitem. (...) 'Ah, Reinaldo, então você quer o impasse?' Que impasse? Que triunfe a lei. Em qualquer caso. Se Bolsonaro pode mesmo dar o golpe com que ameaça o país, então não será se subordinando a seus desígnios que o dito-cujo não será dado pela simples e óbvia razão de que, então, já terá sido dado."

CONCLUO
Agora as coisas estão nos eixos nesse particular. O presidente Jair Bolsonaro segue no seu esforço de intimidar o Supremo, de intimidar as instituições. Se acha que consegue dar o golpe, dizer o quê? Não será evitado se o Supremo abrir mão de ser o Supremo, porque, nesse caso, o golpe já terá sido dado, certo?

Entendam: se, do ponto de vista do tribunal, é inaceitável o rompimento involuntário — contra, obviamente, a sua vontade —, que voluntário não seja. Ou aí se teria a sujeição abjeta, que é aquela que conta com a concordância de quem está sendo oprimido: a sujeição voluntária.

Bolsonaro nem quer voto impresso nem quer diálogo. Ele quer golpe.

E, pois, é preciso resistir.