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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Defensores da 3ª via ainda não descobriram o caminho da lógica elementar

Protesto contra o presidente Jair Bolsonaro toma a Avenida Paulista no dia 2 de outubro de 2021. Frente Ampla ainda não aconteceu. Será que vai? - Andre Penner/AP
Protesto contra o presidente Jair Bolsonaro toma a Avenida Paulista no dia 2 de outubro de 2021. Frente Ampla ainda não aconteceu. Será que vai? Imagem: Andre Penner/AP

Colunista do UOL

04/10/2021 06h43

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Quem leu com um mínimo de atenção um artigo que escrevi aqui na sexta à tarde percebeu que eu não esperava mesmo que as manifestações de sábado fossem gigantescas. Afirmei que a repulsa a Jair Bolsonaro no país é muito maior do que qualquer protesto pode expressar. Parcelas consideráveis dos que execram o presidente não costumam participar de atos dessa natureza. Os muito pobres não têm dinheiro nem para isso.

Assim como o 7 de Setembro massivo e golpista não traduz o tamanho do apoio ao ogro, os eventos algo tímidos do dia 2 também não dão a noção do tamanho do repúdio. E, claro!, essa não é a única dificuldade para organizar uma manifestação compatível com a rejeição ao governo e ao presidente.

Quando algumas vozes das esquerdas resolveram dizer quem tinha e quem não tinha legitimidade para pedir o impeachment de Bolsonaro, reagi aqui com dureza. Ninguém pode se arvorar em fiscal da legitimidade alheia para defender isso ou aquilo. Até porque, ponderei e pondero, se os que mudam de opinião e votos não forem bem-vindos, Bolsonaro se elege outra vez. Assim, é evidente que esse tipo de patrulha é detestável e jamais contará com o meu endosso. Além de tudo, trata-se de uma burrice, que é sempre a pior forma de reacionarismo. Adiante.

Mas também é preciso fazer aqui algumas considerações sobre aqueles que anseiam um lugar como adversário de Bolsonaro em 2022 e não querem se juntar ao PT. É evidente que a pretensão é legítima. Em muitos aspectos, é mesmo necessária. Mas então é preciso chegar ao "é da coisa".

ATAQUES A CIRO
Os ataques a Ciro Gomes no ato de sábado foram truculentos e tolos. A reação negativa a seu discurso foi grande, mas as ameaças de agressão juntaram não mais do que meia-dúzia de gatos pingados. Inaceitáveis, sim! Mas onde estavam os militantes do PDT e de partidos ditos de centro ou da direita democrática? Eis o busílis... Uma espécie de paralaxe analítica toma conta do discurso de políticos, empresários, candidatos e teóricos da tal terceira via. E isso, por certo, dificulta o surgimento e um terceiro nome.

Ciro foi vaiado por esquerdistas — e é muito provável que a maioria dos que o hostilizaram vá votar em Lula em 2022. Vamos lá: o pré-candidato do PDT não tem economizado nas críticas ao PT e ao ex-presidente. Inflamado com a reação negativa à sua fala, chegou a dizer que repudiava tanto o fascismo verde-amarelo como o vermelho.

Digam-me cá: é razoável esperar que uma plateia esmagadoramente de esquerda aplauda um político que tem dito cobras e lagartos do seu candidato? E notem que nem vou entrar no mérito das críticas.

"Ah, Reinaldo, mas o ato do dia 2 de outubro era em favor do impeachment, contra Bolsonaro, e até se fez a indicação para que as pessoas fossem de verde-amarelo". É verdade! Mas onde estavam as pessoas de verde-amarelo? Se os centristas e direitistas democráticos não veem com bons olhos uma manifestação liderada pelas esquerdas, por que não aderiram, então, em massa à do dia 12 de setembro, que tinha o MBL como principal organizador?

Só um tonto vai achar que estou dizendo um "Bem-feito!" para Ciro. De modo nenhum! O que se viu é burro e incivilizado. Mas garanto que ele próprio não se surpreendeu. Se a prioridade é mesmo a união contra Bolsonaro, ela não pode valer só num ato de protesto, diante de um público esmagadoramente de esquerda. Tem de ser coisa de todas as horas. Ciro sabe muito bem que Lula não está lhe devolvendo nem 10% das "gentilezas" com que ele brinda o futuro adversário. Pragmático como é, suponho que o petista esteja de olho no eleitorado do pedetista num eventual segundo turno, caso este não chegue à etapa final.

O "TERCEIRO-VIISMO"
As dificuldades do PT com Ciro se dão no campo das esquerdas. Dizer que o pedetista vocaliza "teses da direita", como se lê aqui e ali, é pura delinquência ideológica. Mas aquele descasamento entre os fatos e a leitura dos mesmos se revela com mais clareza quando se ouve e se lê o que dizem postulantes e entusiastas da tal terceira via.

Bem, de saída, insiste-se na falácia da necessidade de rompimento da "polarização" entre Bolsonaro e Lula. Já escrevi uma coluna na Folha a respeito. Polo é polo, não é metáfora. Se um deles é a extrema direita — e o presidente que temos é de extrema direita —, então o seu opositor tem de ser de extrema esquerda. Respondam: Lula é esse cara?

Numa entrevista ao Globo, o empresário Pedro Passos, da Natura, saiu-se com uma construção engenhosa. Afirmou:
"Devemos lutar por uma alternativa que saia da polarização entre o que é inaceitável, a reeleição de Bolsonaro, e o que é indesejável, a reeleição do Lula. Por razões diferentes: um (Bolsonaro) porque não é democrata, é perigoso, não tem programa, não tem empatia com a população. O outro (Lula) porque traz uma agenda velha, de atraso, de intervenção econômica."

Embora a entrevista de Passos pareça quase um "Tratado das Luzes" se comparada com o que costuma produzir a quase totalidade da elite brasileira, trata-se de um raciocínio falacioso.

Inexiste "polarização" entre o "inaceitável" e o "indesejável" pela simples, óbvia e inquestionável razão de que o "indesejável" não é o extremo oposto do "inaceitável". O outro polo do "inaceitável" é o "aceitável". E, dentro desse terreno, articulam-se, então, os desejos. Claramente, o seu desejo não coincide com os do que defendem a eleição de Lula.

Mas então observem: não se pode esperar a articulação de uma frente ampla — como sempre defendi — sem que fique claro que o "inaceitável" é "inaceitável. E ponto. Os desejos que fiquem para depois.

Não parece razoável que os defensores de uma terceira via usem o nome de Lula como parte da equação "nem-nem" e depois esperem que o PT e as esquerdas, nas manifestações de protesto — em que são maioria —, aplaudam aqueles que, muitas vezes, os tomam como "bolsonaristas" do outro lado.

Na entrevista, Passos afirma:
"Os elementos para um impeachment estão aí, as evidências de crimes de responsabilidade estão presentes. Do ponto de vista jurídico, não teria dúvida. Do ponto de vista político, é uma avaliação difícil. Há uma base de deputados e senadores que tiram vantagem da situação e negociam com o governo para a manutenção do status quo. A alternativa a isso é ter o povo na rua [protestando]. Precisaria ter uma frente ampla, e isso não é provável porque a situação das pesquisas (eleitorais) é relativamente confortável para o PT."

Ainda que de modo sofisticado, porque está muito longe de ser burro, Passos faz eco a uma delinquência política de certos setores do bolsonarismo arrependido, que apontam a existência de um tal "bolsopetismo" — que é só uma expressão inventada pelo "morismo" militante.

"Confortável para o PT?" Ora, Passos! As manifestações de sábado não foram lá portentosas, pelos motivos que já elenquei, mas cabe perguntar: quem respondeu por, vamos ver, uns 90% das pessoas que estavam nas ruas pedindo o impeachment? Foram as esquerdas, não? E a força mobilizadora principal foi o PT, certo?

É curiosa essa conversa de que os petistas não querem o impeachment porque Lula preferiria disputar com Bolsonaro. Vamos ver:
- nas pesquisas de intenção de voto, o adversário do ex-presidente que atinge o maior percentual é o atual presidente;
- o que mais o PT teria de fazer além de aderir às manifestações e convocar a militância? Isso aconteceu;
- onde estavam as outras forças que se opõem a Bolsonaro?

Tem-se a impressão, às vezes, de que, se o PT quisesse, o impeachment aconteceria. Não! A exemplo de Passos, eu também defendo que uma frente ampla se organize para depor o presidente pela via legal do impeachment. Mas não se pode pregar a tal "Frente" de dia para sabotá-la à noite com tolices como "polarização", "bolsopetismo" e "nem Bolsonaro nem Lula". Seria como cobrar que o PT empregasse seu eleitorado como massa de manobra contra seus próprios interesses.

UM ERRO QUE REMONTA A 2018
Embora eu conteste a lógica de Passos, vou adotar o seu vocabulário, mas com uma correção lógica: há uma diferença brutal de grau, não é?, entre o "inaceitável" e o "indesejável".

Se as elites brasileiras a tivessem levado em consideração em 2018, poderiam até ter entortado o nariz para Fernando Haddad, dizendo: "Embora indesejável — não é nosso desejo —, o outro é inaceitável para o país". Não foi o que fizeram, né?

Há outra questão relevante: todos os candidatos a candidato da Terceira Via — com a exceção de Ciro, que escolheu não escolher — fizeram uma aliança eleitoral com Bolsonaro em 2018. Ou não? E agora dizem ser Lula a preferir disputar o segundo turno com o atual presidente?

Um bom princípio para uma frente ampla é a honestidade intelectual. Seria mais razoável admitir a verdade: Lula venceria hoje todos os postulantes, e Bolsonaro perderia para quase todos. O diabo, nessa equação da Frente Ampla, que não fecha, é que a tal terceira via acha que é Lula quem a impede de vencer Bolsonaro. Mas aí seria preciso brigar, então, com o eleitorado.

Ademais, é bom lembrar que, mesmo na cadeia, o petista liderava as pesquisas em 2018. E, mesmo encarcerado, colocou um seu ungido no segundo turno. Não pôde disputar com Bolsonaro em razão de uma condenação decidida por um juiz incompetente e suspeito, que depois virou ministro... E também este quer ser terceira via.

Continuo a defender a Frente Ampla. Mas com fatos. Não com fantasias.