Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lambança de Lira para aprovar PEC cria mais instabilidade do que certezas

Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência. Ficou no ar até a ameaça de renúncia a essa condição se parlamentares do partido não mudarem seu voto - Evaristo Sá/AFP
Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência. Ficou no ar até a ameaça de renúncia a essa condição se parlamentares do partido não mudarem seu voto Imagem: Evaristo Sá/AFP

Colunista do UOL

05/11/2021 06h57

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Ainda bem que eu não sou investidor, né? Também não dou conselhos nesta área. Escrevi ontem de manhã aqui que os mercados tenderiam a reagir bem nesta quinta à aprovação da PEC dos Precatórios em primeira votação na Câmara, ocorrida na madrugada, ainda que o resultado tenha sido bem apertado: apenas 312 votos. Por que a reação poderia ser positiva? Os tais "mercados" temiam mais o Plano B de Bolsonaro — a eventual extensão do auxílio emergencial, sem que se soubesse como se faria — do que a estrovenga conhecida: a PEC. Esta já havia sido precificada.

É claro que acho o texto um despropósito, já expus os motivos. Também já critiquei isso que insistem em chamar de "teto de gastos", que já foi pelos ares faz tempo. Mas entendo quando os tais mercados preferem uma regra — ainda que seja mudada quase no fim do jogo — a regra nenhuma. Na quarta, conheciam-se as dificuldades, mas se apostava na aprovação do texto.

A Bolsa, então, andou de lado, com variação positiva de 0,06%, e o dólar teve uma queda considerável: 1,42%. Esse resultado, insista-se, não traduzia a expectativa de que o texto seria rejeitado. Por isso, a aprovação da PEC representava, ao menos aos olhos dos mercados, um sinal de estabilidade.

Faço essas observações porque andei lendo que a forte queda na Bolsa nesta quinta (de 2,09%) — na contramão da minha expectativa — era uma reação negativa à aprovação da PEC do fura-teto. Com a devida vênia, esse preço já tinha sido cobrado há tempos. O dólar teve alta de 0,29%. Não! A reação negativa não teve a ver com a aprovação da proposta. Traduziu, isto sim, o risco de que ela venha a ser rejeitada pela própria Câmara em segunda votação. Porque aí, sim, virá o "Plano B", que ninguém ainda sabe o que é. O incerto sempre custa mais.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recorreu a tantas patranhas para aprovar o troço que se começou a apostar ali pelo meio do dia que o arranjo seria insustentável. Acho pouco provável que o Supremo se meta na economia interna da Casa, mas o fato é que Lira resolveu instituir a votação sem regras. Houvesse parlamentar em voo tripulado para a Lua, e o doutor teria aceitado seu voto.

E, como se viu, a resultado abriu uma crise no PDT, que contribuiu com nada menos de 15 votos para a proposta do governo. Ciro Gomes resolveu dar um tempo na sua campanha eleitoral, e há uma forte pressão no partido para que aqueles deputados mudem de posição. Lira dizia ontem que o placar era sustentável e dava a entender que irá buscar o voto de parlamentares que se ausentaram na primeira jornada para se proteger de eventuais defecções.

É evidente que o mercado não morre de amores pela PEC, mas, insisto, prefere a dita-cuja ao sabe-se-lá-o-que-seja. Porque algo virá na hipótese de haver a rejeição. E, como resta evidente, inexiste modo de o presidente cumprir o prometido — a elevação para R$ 400 do ganho médio do Bolsona Família (dito "Auxílio Brasil") sem furar o teto. Sim, claro!, a PEC dos Precatórios já é um estratagema fura-teto, mas, insista-se, suas regras são conhecidas.

A verdade é que Bolsonaro tem um discurso para explicar a sua escolha, que tornou público ontem: na sua versão, ele está se esforçando para aumentar o valor do Bolsa Família, e aqueles que votaram contra a medida ou se ausentaram estariam prejudicando os pobres.

A parte da oposição que ficou contra o texto -- O PT não deu nenhum voto para a PEC, a exemplo de PCdoB e PSOL --, também tem a sua explicação. Nelson Barbosa a expôs em artigo publicado na Folha. Além de o calote nos precatórios criar uma bomba fiscal para o futuro, diz ele:
"34 milhões de pessoas receberam o auxílio emergencial, de R$ 300/mês. De agora em diante [se a PEC passar], essas pessoas poderão contar com o Auxílio Brasil (novo nome do Bolsa Família) de R$ 400/mês. Se o valor aumentou, qual é a chiadeira da oposição? Simples, como o governo prevê atender 17 milhões de pessoas no Auxílio Brasil, os 17 milhões restantes perderão transferência de renda a partir deste mês (estimativas mais pessimistas chegam ao potencial de 22 milhões de desassistidos)."

E, como se sabe, os oposicionistas querem a revisão do teto de gastos. Mais: a PEC dos precatórios, como ficou evidente, aumenta o volume de recursos das chamadas "emendas do relator".

Se o PDT não está disposto a aderir ao discurso de Bolsonaro, e não parece que Ciro esteja, vai dizer o quê? No PSB, as defecções são menores, mas o partido não tem um nome disposto a encarar a corrida eleitoral. Também o PSDB ficou numa situação difícil. A adesão majoritária à proposta do governo nem honra o seu passado de apego à disciplina fiscal nem denuncia as artimanhas do arranjo. E a legenda pretende ser protagonista da eleição.

Numa disputa eleitoral, é importante ter um discurso. Bolsonaro e o PT têm o seu respectivo. O que querem, afinal, esses outros postulantes?