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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lu, Alckmin, Lula e Rosângela na foto. E aquela tese burra da "polarização"

Colunista do UOL

20/12/2021 07h24Atualizada em 21/12/2021 13h52

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A imprensa precisa ficar mais atenta aos novos tempos e aos símbolos. A foto acima, de Ricardo Stuckert, que trabalha com Lula, está em todo canto. Veem-se ao centro dois ex e dois possíveis futuros. Hein? Ali estão o ex-governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É grande a chance de que venham a ser, respectivamente, futuros vice-presidente e presidente da República. O cochilo dos coleguinhas não está na publicação, mas na não identificação das pessoas que aparecem ao lado de cada um: à esquerda, Lu Alckmin, mulher do ex-tucano; à direita, Rosângela da Silva, mulher do líder petista. Agora a coisa realmente ficou séria. Eles se encontraram neste domingo no concorridíssimo jantar promovido pelo Prerrogativas, grupo que reúne advogados com viés progressista, empenhados na defesa do devido processo legal, na churrascaria Figueira Rubaiyat.

Essa plástica e essa coreografia são do agrado dos dois políticos. As respectivas mulheres de Alckmin e Lula não são meras coadjuvantes e por isso têm de ser identificadas. Expressam também um conteúdo político. Adversários históricos, os dois conversam faz algum tempo. Para um país com fraturas múltiplas — algumas expostas, como a fome que se vê vasculhando o lixo nas grandes cidades —, há uma enorme demanda por entendimento, por serenidade, por diálogo. Como se sabe, somos um país viciado em duas coisas: em confronto e na conversa mole do pacto. A cada pouco, alguém tira essa ideia do arquivo morto. E nunca fica claro do que se está falando.

A dupla Lula e Alckmin na mesma foto, compondo ou não uma chapa, simboliza a necessidade de um entendimento para, ao menos, o equacionamento das nossas urgências. Infelizmente, o tipo de liberalismo que se produz em Banânia cobra aplausos para o superávit do setor público — e é claro que, em si, não é coisa ruim —, mas considera que o alastramento da miséria, com todas as suas consequências nefastas, é uma espécie de fruto caído da árvore dos acontecimentos. As duas mulheres na foto em que os políticos aparecem juntos não são ornamentos. Estão ali para simbolizar um compromisso maior do que um mero arranjo para ganhar eleição. É como se dissessem: "Estamos nos comprometendo pessoalmente, com testemunho familiar".

Caso Alckmin venha mesmo a concorrer como vice de Lula, nem creio que atraia para a chapa tantos votos assim. A eventual aliança não é eleitoreira. Afinal, há pesquisas de institutos sérios que apontam que o petista venceria hoje no primeiro turno, mesmo sem ter um vice definido. A importância não está aí, já escrevi e disse algumas vezes. O diálogo diz que é possível haver o consenso civilizatório da governabilidade e do progresso social. E, claro, haverá, sim, divergências. Ou alguém acha que será fácil recolocar o país na rota do progresso social e reconstruir o que bolsonarismo destrói todos os dias, de forma deliberada?

A eleição não é amanhã, eu sei. O fato é que, hoje, o que se discute nos meios políticos — exceção feita aos ambientes fanatizados — é se Lula vai vencer a eleição no primeiro turno ou no segundo — obviamente não conto aqui com eventos de exceção. Faz dois anos e oito meses que Sergio Moro mandou o ex-presidente para a cadeia. Há um ano e um mês ele deixava a prisão, depois que o Supremo decidiu fazer valer o que está na Constituição sobre o trânsito em julgado. E há apenas oito meses Lula se tornava elegível, indo, então, para o topo das pesquisas para de lá não sair. Ao contrário: só cresceu. É claro que isso também traduz um juízo da maioria sobre a Lava Jato, não é mesmo?

Faltassem outros elementos a justificar moralmente a candidatura de Lula — e existem às pencas —, há um primeiro que é insuperável, irrespondível, acachapante, que berra por si mesmo: Sergio Moro, o juiz que o condenou sem provas, arranca a toga que lhe servia de máscara e disputa ele próprio a eleição. O ex-juizeco, mais do que ex-presidente, evidencia o caráter político da Lava Jato.

EXTREMISTA?
Os adversários do petista tentaram caracterizá-lo como um dos "polos" da disputa, besteira em que insistiu o colunismo morista, que contamina a imprensa bem mais do que H3N2 -- e com graves sequelas intelectuais e éticas. E teve início essa conversa torta de combate aos extremismos, como se Lula fosse um sectário de esquerda que estivesse tentando voltar para secretar seu rancor. O diálogo com Alckmin desmoraliza essa leitura.

Com a devida vênia, se há gente falando a linguagem da vingança não é Lula — e olhem que não lhe faltam motivos. Vejo, isto, sim, Bolsonaro tentando se vingar da humanidade e, a rigor, de tudo o que respira e ainda não foi queimado. Também Moro e seus fanáticos querem aproveitar a eleição para reeditar a Lava Jato, num esforço para que o hospício bolsonarista se converta de novo numa delegacia de polícia. Ocorre que nós precisamos de um país em que se volte a falar de política.

Candidatos à chamada "terceira via", especialmente os com viés à direita (Moro é de extrema direita), ainda não perceberam isso. Já a postulação de Ciro Gomes (PDT) parece-me ter, sim, a marca do progresso social, mas me pergunto se não deveria ser outro o mandatário de turno para que sua pregação fizesse mais sentido a muitos, arrebanhando mais gente.

Infelizmente — porque isto nunca é bom —, Bolsonaro força uma, digamos, "pegada" que é plebiscitária. Vira um dizer "sim", "não" ou "tanto faz" ao horror. A pregação de Ciro certamente teria mais apelo se a direita democrática estivesse no poder ou mesmo o PT. Se querem saber do que falo, vejam o presidente da República sabotando a vacinação das crianças, seja espalhando "fake news" sobre o tema, seja buscando criar empecilhos burocráticos para a imunização. Está em curso no país também uma mobilização contra a barbárie.

Note-se, ademais, que Lula liderou as pesquisas em 2018 enquanto seu nome foi testado, mesmo estando na cadeia. Bolsonaro só passou para a dianteira quando o TSE declarou a inelegibilidade do petista. Em três semanas, operou uma tal transferência de votos para o quase desconhecido Fernando Haddad — em escala nacional — que o levou ao segundo turno.

O desempenho de Lula nas pesquisas em 2021 carrega parte importante do eleitorado que teve sua vontade cassada na eleição passada por uma condenação sem provas, levada a efeito por um juiz incompetente e parcial. Tão parcial que, quatro anos depois, pode ser adversário daquele a quem mandou prender. Mais: sentia especial prazer em tratar no tribunal o seu alvo de estimação com ironia e truculência disfarçados de rigor técnico.

O espaço para a linguagem da vingança, convenham, é gigantesco. Em vez de ocupá-lo, Lula dialoga com Alckmin, com direito a uma foto familiar. Enquanto isso, as várias direitas, incluindo a extrema, de Jair Bolsonaro, insiste em demonizar o PT. Olho o conjunto da obra e me pergunto: "Isso é, ao menos, inteligente?"

A resposta, obviamente, é "não".
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PS: Bolsonaro é chegadito a uma "família tradicional", como dizem por lá, nas catacumbas, embora ele mesmo não seja o melhor exemplo de ortodoxia, mas vá lá. Olhem ali: Lula com Rosângela, Alckmin com Lu. Tudo tradicionalíssimo. E, mesmo assim, garanto que o ogro detestou.