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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bagunça no PSDB e no morismo traduz erro conceitual, arrogância e alienação

Reprodução/Dreamstime
Imagem: Reprodução/Dreamstime

Colunista do UOL

01/04/2022 17h06

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Amigos queridos, de boa-fé, afirmam que, às vezes, sou excessivamente formalista, cobrando sempre que cada ato ou decisão espelhem um conceito, uma escolha racional e objetiva, depois de avaliados potenciais custos e benefícios de determinadas escolhas. E alertam que a política nem sempre é assim. Nesse caso, posições de princípio, com frequência, cedem ao pragmatismo, de sorte que o indeterminado tem mais peso no mundo real do que eu gostaria.

Entendo a crítica e acho que, às vezes, têm mesmo razão. Mas reitero a validade geral dos meus pressupostos. Olho a barafunda em que se meteram tucanos e moristas na disputa eleitoral e constato os efeitos desastrosos que pode ter um erro conceitual — isto é, uma leitura torta ou deficiente da realidade.

Começo por aquele que, em novembro e dezembro, foi tratado por setores majoritários da imprensa como o furacão da política, que viria para destronar Jair Bolsonaro do segundo turno para empreender, então, a luta contra Lula, que já tinha sido, literalmente, a sua caça, conforme revelaram diálogos da Vaza Jato e da Operação Spoofing. Sergio Moro, de quem falo, tratou o ex-presidente, desde o início da Lava Jato, como um alvo a ser abatido. Os que, na política, eram críticos ao PT ou, no debate público eram conhecidos por combater a metafísica do partido — e eu combatia — acharam que valia a pena condescender com ilegalidades desde que a ação estivesse a serviço de um suposto bem.

Como sabem, jamais compartilhei dessa visão absurda, autoritária e, no limite, condescendente com tiranias virtuosas. Consegui o prodígio de ser odiado, durante um bom tempo, por petistas e lavajatistas ao mesmo tempo. Não me importo. Tenho o meu apreço aos conceitos. Não me vergo a correntes de opinião. Moro significava, identifiquei desde sempre, a destruição da política ela mesma, não de seus vícios. Já em 2016, Deltan Dallagnol me atacava nos seus papinhos indecorosos com o juiz incompetente e suspeito, numa urdidura que resultou em ilegalidades.

Nascia ali a fantasia de que o "Reinaldo antipetista" — um reducionismo estúpido — preparava a sua passagem para o "Reinaldo petista", outro reducionismo estúpido. Sem contar, não é?, que me forço a fazer uma nota à margem: indispus-me com o PT nos seus 13 anos de poder e, por alguma razão misteriosa, teria resolvido aderir à causa quando o partido caiu em desgraça. Acho até lisonjeira a ilação porque a canalha costuma fazer, é evidente, o contrário: adere a quem está no poder. Fim da nota. Sigamos.

Os que, no colunismo, resolveram se comportar como "cheerleaders" do pré-candidato Moro endossavam seu comportamento desastroso — para o Estado de direito — como juiz e seu desabrido oportunismo ao aceitar o cargo de ministro da Justiça, rompendo depois com Bolsonaro por razões personalistas, indo trabalhar na Alvarez & Marsal em troca de alguns milhões, numa escolha desavergonhada, aí na esfera mesmo da formação de patrimônio. Volto ao começo: a que princípio, a que fundamento, a que escolha de economia política atendia essa triste figura?

Agora, Moro migra do Podemos para o União Brasil — sua "conja" se filiou aos dois partidos no espaço de dois dias — sem nem um aviso prévio, segundo a direção do partido. Nem o domicílio eleitoral do casal é verdadeiro, uma vez que afirmam à Justiça Eleitoral o que é publicamente mentiroso: eles não moram em São Paulo. Ele anunciou, "nesse momento", a renúncia à candidatura à Presidência, mas seus militantes na Internet dizem que também isso é mentira: estaria apenas esperando a hora certa para dar uma espécie de bote no processo político. Ainda que alguns capas-pretas do partido digam que ele não disputará a Presidência, o ex-juiz, ex-ministro e ex-consultor está por ali... Quem sabe...

Um neomorista, ex-bolsonarista e ex-tucano como Xico Graziano atira pesado no Twitter contra o Podemos, que acusa de ter sabotado a candidatura de Moro, assegurando que o recuo do seu herói é mera tática. No perfil do senador Álvaro Dias, aparece a acusação de que Graziano estaria recebendo salário do partido. Este responde negando o pagamento e apelando à tintura no cabelo do senador como evidência de sua falsidade. O político paranaense amansa e diz que sua conta foi invadida. Fico a me perguntar: quem, neste vasto mundo, ocuparia seu tempo tentando invadir a conta de Dias no Twitter e para atacar Graziano? A mensagem no perfil do senador respondia a um petardo do neomorista fanático que parece endereçado a Renata Abreu, presidente do Podemos. Lá se lê a seguinte delicadeza: "Uma velhaca da política, dona de partido fisiológico, se finge de vítima para esconder sua picaretagem. Pura bandidagem para atacar um herói nacional".

Eis o caldo de cultura em que se desenvolve a candidatura de Moro, o salvador do colunismo que costuma ter ataque de pelancas.

BAGUNÇA NO PSDB
No PSDB, como se nota, o ex-governador João Doria teve de ameaçar o partido com uma bomba de fragmentação para ver se consegue fazer valer o resultado das prévias. Atenção! O partido se orgulhava, até outro dia, de ser a único a recorrer a esse expediente. É mesmo do balacobaco!

Na terça, Bruno Araújo, presidente da legenda, não assegurava que o candidato seria Doria. Na quinta, diante do risco de implosão, afirmou o contrário. Nesta sexta, volta a chamar de legítima a postulação de Eduardo Leite, que ficou no PSDB depois ter entrado com um pé e meio do PSD...

Doria apelou à única arma que tinha, convenham. E era uma reação. Mas seus adversários plantam na imprensa que ele teria recorrido a uma "chantagem". Vou ao Houaiss: "1: pressão exercida sobre alguém para obter dinheiro ou favores mediante ameaças de revelação de fatos criminosos ou escandalosos (verídicos ou não)"; 2: crime de extorsão por esse meio".

Convenham: o pré-candidato tucano estava apenas cobrando que o partido seguisse o resultado do meio que escolheu para chegar ao indicado e usava como instrumento um direito sempre natural: o da renúncia — no caso, à candidatura. A única coisa que cheira a ilegalidade, ainda que no estrito ambiente do PSDB, é a postulação de Leite.

VOLTANDO AO COMEÇO
Meus amigos estão certos quando dizem que exagero ao exigir que cada ato atenda a um conceito; que cada ação concreta guarde uma conexão com um juízo abstrato de validade e certificação da realidade; quando tendo a desqualificar, de imediato, o puro pragmatismo. Preciso ser mais tolerante, na esfera da política, com o indeterminado e com as fraquezas humanas.

Mas reivindico a higidez do meu método quando cobro que os operadores da política prestem um pouco mais de atenção aos fatos, à história, à sociologia. Sabem por que Moro, o PSDB e outros tantos estão perdidos? Porque, desde o início da corrida, resolveram atuar como se as escolhas de 70% do eleitorado padecessem de uma inata ilegitimidade. Por mais que o bolsonarismo me cause horror — e acho que o Brasil precisa superar esse desastre em nome do pacto civilizatório —, o fato é que seus eleitores existem. Não são uma mera construção mental.

Os milhões que vão votar no PT, em Lula, não o fazem apenas porque ainda não descobriram "a verdade" — que também não se diz qual é — que os postulantes à terceira via afirmam existir. Como alimentaram a quimera da dupla negação — "nem-nem" —, esqueceram-se de dizer quem são. Milhões de pessoas precisam ser convencidas a mudar de ideia. E precisam de motivos para isso. Não podem ser tratadas como idiotas. Mas olhem como agem os que se apresentam para falar em seu nome!

Desde a origem, há um erro essencial de leitura. Desde a origem, o conceito está errado. Desde a origem, a ideia que orienta as postulações está torta.

E isso abre caminho para toda sorte de desatinos. Nessa toada, é claro que não dará certo. E, se desse, daria muito errado!