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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No Findomundistão, pacote dos combustíveis prevê outra PEC fura-teto

Bolsonaro chamou ministros e os respectivos presidentes do Senado e da Câmara para anunciar conjunto de medidas que buscam reduzir preço de combustíveis. Na boca da urna - Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Bolsonaro chamou ministros e os respectivos presidentes do Senado e da Câmara para anunciar conjunto de medidas que buscam reduzir preço de combustíveis. Na boca da urna Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Colunista do UOL

07/06/2022 06h49

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Quer ver o copo meio cheio? Jair Bolsonaro poderia ter feito coisa muito pior e decretado o estado de calamidade. O troço teria de passar pelo Congresso, parte considerável dele alimentada a orçamento secreto e pix orçamentário. Corresponderia a acelerar a marcha para o Fundimundistão. Sim, estamos caminhando pra lá. Vai depender do que aconteça em outubro. Não se enganem: no governo e no centrão havia gente querendo jogar pesado. Bolsonaro acabou se contentando com o tal plano para reduzir o preço dos combustíveis: um pacote impressionante de cafajestagem econômica. Que fique claro: o presidente vai impor perda de receita aos Estados — e, pois, aos municípios — e arrombar o teto já arrombado.

Não deixa de ser curioso que salta-pocinhas se incomodem com um documento do PT que defende o fim do teto. Fica parecendo que ele existe hoje. O governo que aí está anunciou nesta segunda que vai fazer coisas ainda piores: pretende maquiar o rombo com uma lei. Vocês não contavam com a astúcia de Chapolin Colorado. Vamos por partes.

Bolsonaro diz que pretende zerar PIS e Cofins também da gasolina e do etanol, a exemplo do que já acontece com diesel e gás, e a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). Mas condicionou a mudança, segundo se entendeu, à aprovação pelo Senado do Projeto de Lei Complementar que tabela em 17% o ICMS de combustíveis, transporte público, energia e serviços de telecomunicações. É evidente que isso levará a uma redução da arrecadação dos Estados e, por consequência, dos municípios, que recebem uma parcela do imposto. Com isso, o presidente transfere, mais uma vez, o ônus da ruindade da sua gestão para os governadores.

Ruindade por quê? Porque Bolsonaro não tem plano nenhum e está agindo na base do desespero, buscando reverter o que, por ora ao menos, dizem as urnas. Nesta segunda, armou uma patuscada para anunciar o seu pacote, numa longa mesa com ministros, ladeado pelos respectivos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que demoraram uns 10 minutos para chegar, ficando um Bolsonaro à espera, meio perplexo. Mas chegaram.

Muitos Estados, reitere-se, cobram um ICMS acima de 17%. Assim, tabelamento implica redução de receita, o que significa, na prática, menos recursos para saúde, educação e segurança pública. Também a zeladoria das cidades vai sofrer porque os repasses serão menores.

Bolsonaro fez ainda uma outra proposta: se os Estados zerarem a alíquota de ICMS de diesel e gás, o governo federal compensa a perda de arrecadação: até o limite, bem entendido, de 17%, que é a alíquota do tabelamento. Compreenderam? A perda de Estados e municípios está absolutamente garantida pela simples aprovação do projeto de lei complementar.

Atenção! As reduções dos impostos federais e o ressarcimento de ICMS caso os Estados queiram baixar de 17% para a zero — se o Projeto de Lei Complementar for aprovado — valem até o fim do ano. O que se tornará permanente, aí sim, é o tabelamento do imposto, coisa que, entendo, é inconstitucional na forma como está. Mas nem vou entrar agora nesse particular. E depois de dezembro? Bem, Bolsonaro saberá em outubro se terá ganhado ou perdido. Se reeleito, não precisa mais manter os benefícios. Se outro sentar naquela cadeira, que se vire. Desde 1º de janeiro de 2019, este senhor decidiu governar pelo caos.

QUANTO VAI CUSTAR? ESTOURANDO O TETO
Quanto vai custar? Ninguém sabe direito. Indagado, Paulo Guedes deu uma resposta fabulosa: entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões. Um governo que faz um plano que pode custar "x" ou "2x" expõe a sua ruindade de maneira irrespondível. Especialmente porque a quatro meses da eleição e a seis do fim do mandato.

Cálculos iniciais apontam que, até o fim do ano, a suspensão de PIS e Cofins sobre gasolina e etanol custaria R$ 12 bilhões; a da CIDE, mais R$ 1,5 bilhão, e o ressarcimento aos Estados no caso de se zerar ICMS de diesel e gás, outros R$ 25 bilhões. Quase R$ 39 bilhões. E o próprio Guedes deu o limite de R$ 50 bilhões.

Mas isso não manda o teto de gastos pelos ares de novo? Pois é... Aí vem a astúcia de Chapolin Colorado: haverá uma nova PEC para desmoralizar o dito-cujo. Ela simplesmente tiraria da contabilidade as despesas com o pacote eleitoral dos combustíveis. Uma megapedalada na boca da urna.

EXISTE O DINHEIRO?
Mesmo furando o teto, existe o dinheiro para compensar os Estados caso zerem o ICMS? A resposta é "não". Guedes diz contar com receitas extraordinárias, inclusive as oriundas da privatização da Eletrobras. Vejam que outro exemplo fabuloso de governança: usar recursos da privatização para sustentar o esforço do presidente para se reeleger.

Imaginem se cada governante que chega decidir passar nos cobres um ativo público para despesas de custeio ou para subsidiar combustíveis ou qualquer outra atividade...

Bolsonaro e Guedes tiveram quase quatro anos para criar uma política para o diesel e o gás — ou para os combustíveis. E nada fizeram. A quatro meses das eleições, resolveram armar essa patuscada na esperança de uma reviravolta nas urnas. Se vai acontecer, não sei. Mas eis aí a disposição sem limites para a desordem.

COMBUSTÍVEL NÃO AUMENTA MAIS?
Ainda que, com essas isenções, o consumidor possa pagar um pouco menos, não se descarte nova elevação caso a Petrobras mantenha a sua política de preços. Vai depender do barril do petróleo no mercado internacional e do câmbio. Bolsonaro, no entanto, terá em breve um novo presidente da Petrobras. Há no ar um cheiro de tabelamento informal na refinaria até ao menos a eleição. Parece ser parte do vale-tudo.

Todo tagarela ontem e fingindo que estamos no melhor dos mundos, Guedes negou que o truque proposto seja uma forma de subsídio e se jactou de que o governo está aproveitando um bom momento da economia (!!!) para reduzir impostos e para atender aos pobres. Vá lá: redução do preço do diesel e do gás ainda tem função social. Abrir mão de arrecadação própria e impor perdas aos Estados e municípios para baixar o valor da gasolina e do etanol corresponde a tirar recursos de escolas, por exemplo, para transferir a quem tem carro. Esse governo é viciado em tirar de quem não tem para dar a quem tem.

A propósito: por que não fazer com a comida dos pobres o que ele faz com a gasolina e o etanol?

Bolsonaro é incorrigível. Qualquer golpe serve. Inclusive o dos combustíveis.