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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Datafolha é horrível para Bolsonaro, mas evidencia resiliência da sua turma

Folha/Datafolha
Imagem: Folha/Datafolha

Colunista do UOL

24/06/2022 06h32

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A pesquisa Datafolha trouxe uma única boa notícia para Jair Bolsonaro (PL): os números poderiam ser muito piores. Mesmo com todo o horror que tomou conta do Brasil nos quase 30 dias que o separam do levantamento anterior, o presidente conservou seus índices. As variações se deram na margem de erro. Com 47% dos votos, o petista Luiz Inácio Lula da Silva venceria no primeiro turno se a eleição fosse hoje. Variou um ponto percentual em relação ao mês passado (48%). O atual presidente, que tinha 27%, aparece agora com 28%. Com margem de erro de dois pontos para mais ou para menos, tudo segue na mesma.

Não mudou o status das demais candidaturas. Ciro Gomes (PDT) oscilou de 7% para 8%; André Janones (Avante) manteve os 2%. Também conservaram seus respectivos índices Pablo Marçal (PROS) e Vera Lúcia (PSTU), ambos com 1%. Simone Tebet (MDB) obteve um resultado particularmente ruim: os 2% do mês passado agora aparecem como 1%. Nada de novo aconteceu no segundo turno: o ex-presidente vence o atual por 57% a 34% (58% a 33% há um mês). Ciro também bateria Bolsonaro: 51% a 37% (antes, 52% a 36%).

DUALIDADE CONSOLIDADA
Se o resultado é ruim para Bolsonaro, com a ressalva de que poderia ser pior (já chego lá), é verdadeiramente péssimo para Ciro e Simone, que anseiam quebrar a dualidade Lula-Bolsonaro. Os outros não contam. O PSTU disputa para manter o aparelho ideológico; o tal Marçal está farejando o mercado político. É mais seguro do que expor incautos às intempéries e sempre se pode recuar para disputar uma vaga na Câmara. Janones tem uma reeleição garantida para deputado. Não parece fazer muito sentido jogá-la fora numa causa perdida, mas isso é lá com ele. É jovem e se prepara para outros carnavais.

Ciro é veterano das disputas e tem expressado a crença de que pode quebrar a dualidade. Conta com um capital eleitoral pessoal maior do que o de seu partido. Onde quer que esteja, sempre será Ciro. Simone, um nome respeitável da política, fala hoje como pré-candidata de duas legendas. O noticiário lhe dispensou um espaço generoso nas últimas três semanas. Compreende-se: é articulada, diz coisa com coisa — goste-se ou não de sua postulação — e é uma parlamentar influente. É bem provável que tenha mais espaço na chamada "grande imprensa" do que Ciro, por exemplo. Consolidou-se como candidata do MDB, ao menos por enquanto, e conseguiu o apoio do PSDB. Até agora, o eleitorado não compareceu.

Em agosto começa o horário eleitoral. Especula-se que, desta feita, possa ter mais importância do que em pleitos passados. Quando se observam alguns cortes da pesquisa, é difícil acreditar que as coisas possam mudar em favor de um nome que quebre a "dualidade", já que polarização não é: o polo da extrema-direita disputa a eleição, mas inexiste o polo da extrema esquerda. Querem ver?

No Nordeste, que representa 27% do eleitorado, Lula esmaga Bolsonaro por 58% a 19%. No primeiro turno! Os demais postulantes praticamente inexistem. No Sudeste, com 42,6% do total de votantes, o ex-presidente bate o atual por 43% a 29%. Entre os que recebem até dois salários mínimos — a maioria dos brasileiros —, o petista vence o atual mandatário por 56% a 22%. Fica difícil até de imaginar que extraordinários eventos poderiam sobrevir para transferir uma formidável massa de eleitores para Ciro e Simone.

Mais: sucessivos levantamentos apontando a inviabilidade dessas postulações tendem a levar a deserções. Ainda que as máquinas partidárias mantenham as candidaturas, aliados nos Estados e os eleitores tomam suas próprias decisões. Quando se olham os dados do levantamento espontâneo, tem-se a impressão de que parte do eleitorado já tenta fazer o segundo turno no primeiro, mesmo sem campanha para isso: Lula oscilou de 38% para 37%, e Bolsonaro, de 22% para 25%. Vale dizer: 72% dos que responderam à pesquisa fizeram a sua escolha sem que lhes fosse oferecido o cardápio de nomes.

PODERIA SER PIOR
Os números de Jair Bolsonaro são muito ruins, mas seus aliados tinham motivos para esperar coisa ainda pior. Nesse intervalo de quase 30 dias entre um levantamento e outro, o governo foi empurrado para as cordas por uma série de eventos, inclusive a tragédia ocorrida no Vale do Javari, com o assassinadt de Bruno Araújo e Dom Phillips. As mortes vêm à esteira do desmonte de políticas ambientais, assistenciais e do amparo a populações indígenas. Não fosse a incúria, declarações infelizes de agentes do poder, inclusive de Bolsonaro, buscaram transferir a culpa para as vítimas.

A Petrobras reajustou os combustíveis, e teve início a guerra santa conclamada por Bolsonaro e Arthur Lira contra a empresa. O governo fez passar no Congresso medidas que abrem um rombo no ICMS dos Estados e passou a praticar ele próprio renúncia fiscal para tentar baratear gasolina e etanol. Por enquanto, os preços subiram. Os pesquisadores do Datafolha foram a campo na quarta e na quinta, dias em que a vedete do noticiário era Milton Ribeiro, que chegou a ter prisão preventiva decretada em razão das lambanças ocorridas no Ministério da Educação. Ainda que a decisão tenha sido controversa, a roubalheira na pasta aconteceu.

Nada disso tirou votos de Bolsonaro. O comportamento da extrema direita, diga-se, mundo afora, tem sido este: quando seus líderes são confrontados, há uma espécie de reforço da convicção porque se atribui sua dificuldade a uma conspiração dos inimigos.

Parece-me que estes 30 dias passados constituíram uma janela escancarada para quem tivesse a disposição de pular fora do hospício. E isso, no entanto, não aconteceu. Daí vem o certo alívio dos governistas: intimamente, até eles devem achar que chega a ser impressionante que alguém endosse esse governo — exceto aqueles que lucram com suas sandices.

VEM COISA POR AÍ
Bolsonaro não está disposto a passar a faixa a Lula. Se preciso, quebra o Brasil para tentar a reeleição. Se esta se mostrar mesmo inviável, já ameaçou com um golpe. Um democrata, enfim, exemplar.

A proposta da hora é desistir da ideia de ressarcir os Estados que zerassem o ICMS de diesel e gás. O presidente agora pensa em elevar de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio Brasil — só até o fim do ano — e quer que o auxílio-caminhoneiro chegue a R$ 1 mil.

Bolsonaro deixará um legado muito particular entre os escombros: a compra legalizada de votos.

Por enquanto ao menos, a disposição da maioria dos eleitores é a de não recondizi-lo ao cargo.