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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Preventiva de Boa Pinto expõe absurdo da PGR e prova que Aras não é "poste"

Eis aí, internautas, o exemplo de um poste que só serve para espalhar a escuridão - Reprodução
Eis aí, internautas, o exemplo de um poste que só serve para espalhar a escuridão Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

01/08/2022 17h09

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A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que decretou a prisão preventiva de Ivan Rejane Fonte Boa Pinto, atendendo a pedido da Polícia Federal e contrariando parecer da Procuradoria Geral da República, evidencia o buraco em que se meteu o país. Moraes acerta ao acatar os argumentos do delegado Fábio Alvarez Shor, contrariando a subprocuradora-geral, Lindôra Araújo, que havia defendido apenas a prisão domiciliar para Boa Pinto.

Lembrando: ele é homem que se identifica nas redes como o "Terapeuta Papo Reto". Posta vídeos nas redes sociais em que incentiva o cometimento de atos violentos contra políticos de esquerda e ministros do Supremo. Fez ameaças explícitas ao ex-presidente Lula e a ministros do Supremo.

Ele foi preso no último dia 22 em Belo Horizonte, depois que sua prisão temporária foi decretada, em razão de um vídeo que afirma estas barbaridades -- eliminei os palavrões que tornariam o post impróprio para menores:
"Eu vou dar um recado para a esquerda brasileira, principalmente o Lula. Ô desgraçado, bota o pé na rua e nós vamos te mostrar o que é que nós vamos fazer com você. (...) Nós, da direita, vamos começar a caçar você. Caçar você, essa Gleisi Hoffman, esse Freixo frouxo (...) Mas, principalmente, esses vagabundos do STF. Se eu fosse você -- Barroso, Fachin, Fux, Moraes, Lewandowski, Mendes... Eu ficava nos Estados Unidos, em Portugal, na Europa, na pqp. Até vocês duas, vadias, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Sumam do Brasil. Nós vamos pendurar vocês de cabeça pra baixo. (...) Nós, brasileiros, cidadãos de bem, não toleramos gente escrota como vocês. Eu vou fazer tudo o que eu puder, eu vou unir todas as forças que eu puder, todas as pessoas que eu puder. Eu peço pra você que é direitista: faz esse vídeo viralizar. Faz esse vídeo chegar a cada vez mais gente (...). Tá na hora de o cidadão de bem não só entrar pra dentro do STF, mas de botar pra fora desse país, pra fora, de expulsar do Brasil esses juízes corruptos e essa esquerda nefasta. Ô Lula, sua batata tá assando. Se eu te encontrar na rua, fio, corre. Porque o bicho vai pegar pro seu lado, molusco desgraçado. Vocês do STF, fica o recado muito claro: sumam do país. A população de bem não tolera mais vocês".

Bolsonarista radical, ele repete o presidente e associa o armamentismo no país a uma luta ideológica. Em outro vídeo, afirma, apelando, adicionalmente, à homofobia:
"Depois da piracema, foi novamente aberta a temporada de pesca. E, junto dessa temporada, também aberta a temporada de caça a alguns tipos de animais da fauna: tatu, paca, capivara, veado... Ah, não. Veado não pode matar no Brasil mais, não. Mas, neste momento, eu quero instituir a temporada de caça a esquerdista analfabeto político. (...) Escute aí, ô pilantrada: nós, da direita, CACs, fortemente armados e determinados, vamos caçar vocês. E o primeiro a ser enjaulado será o Lula".

O discurso de ódio se volta também contra a população trans:
"Se você entrar No banheiro feminino que a minha filha frequenta, eu vou arrancar todos os dentes da sua boca. Com o maior carinho, entende?"

PRISÃO PREVENTIVA
No despacho em que determinou na prisão preventiva, Moraes transcreve os motivos apontados pela PF:
Sustenta a Polícia Federal, inicialmente, que conduz investigação sobre fatos praticados por IVAN REJANE FONTE BOA PINTO em razão da utilização de redes sociais e aplicativos de mensagem com o fim de "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais" (art. 359-L do Código Penal), notadamente o Poder Judiciário, mediante diversos ataques ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A autoridade policial ressalta, ainda, que o investigado busca arregimentar apoiadores e estimula a adesão de pessoas à sua conduta, com a finalidade de constranger, pela grave ameaça e/ou violência efetiva, Ministros da SUPREMA CORTE e personalidades de partidos políticos situados à esquerda do espectro ideológico, fatos que configuram, em tese, o delito do art. 288 do Código Penal ("Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes"). A representação policial indica, então, que a perícia do material apreendido em posse de IVAN REJANE FONTE BOA PINTO (1 celular e 1 notebook), embora ainda não finalizada, "identificou várias trocas de mensagens relacionadas ao objeto da presente investigação", tendo o representado criado "pelo menos 9 (nove) listas de distribuição no aplicativo WhatsApp". Quanto ao ponto, defende a Polícia Federal que "ao criar tal procedimento de divulgação, o investigado teve a intenção de potencializar o compartilhamento dos vídeos, imagens e textos produzidos, na maioria das vezes, com conteúdo criminoso, proferindo ofensas, intimidações, ameaças e imputando fatos criminoso a ministros do STF e integrantes de partidos políticos à esquerda do espectro ideológico".

Ora, dado o teor da mensagem e sua articulação nas redes, é evidente que a prisão preventiva de Boa Pinto se justifica com base na manutenção da ordem pública. Mas não só: no dia em que sua prisão temporária foi decretada, ele gravou outro vídeo debochado na Justiça.

E segue a Polícia Federal, em argumento acatado por Moraes:
Comprovada a materialidade do crime e havendo informações aptas a apontar IVAN REJANE como autor do fato (fumus comissi delicti), bem como demonstrado risco à ordem pública e o perigo de ineficácia da resposta estatal em caso de sua soltura (periculum libertatis), diante do prosseguimento da prática apontada como criminosa com o mesmo modo de agir" representa a autoridade policial "pela decretação da PRISÃO PREVENTIVA (art. 312 do CPP) de IVAN REJANE FONTE BOA PINTO, uma vez que as demais medidas cautelares não se mostrariam eficazes, neste momento, para alcançar os objetivos aqui descritos e fazer cessar sua atividade.

ABSURDO DA PGR
Pois saibam: Lindôra Araújo -- braços, olhos, ouvido e boca de Augusto Aras, o procurador-geral -- manifestou-se contra a prisão preventiva e defendeu a mera prisão domiciliar, pedindo apenas o bloqueio de seus canais na Internet, o que a decisão de Moraes também contempla. Quais os argumentos de Lindôra? Estes:
- inexiste conduta concreta do investigado para realizar os atos que verbaliza;
- não se encontraram armas de fogo no mandado de busca e apreensão em seu endereço, o que descartaria risco de um ataque iminente;
- ele tem uma filha de três meses, que está sob os cuidados de sua mãe numa casa em Belo Horizonte;
- no mesmo lugar, funciona uma clínica para dependentes químicos.

Lindôra apela até a uma mensagem da mãe do investigado, segundo quem ele faz tudo isso para aparecer.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO?
Disse Lindôra:

"Para complementar, os elementos de informação até então coletados não indicam nenhuma conduta concreta do investigado de efetivamente arregimentar pessoas e organizar algum evento criminoso, com data certa e local determinado, que coloque em risco a integridade das pessoas ameaçadas".

Eis aí a velha tese de que se pode dizer qualquer coisa em nome da liberdade de expressão, como se a atuação das redes sociais, incitando ações criminosas e fazendo ameaças, fosse equivalente à atitude daquele que, em silêncio, no ambiente doméstico, sonho em promover a barbárie.

É mesmo?

Augusto Aras processou o professor Conrado Hübner Mendes, colunista da Folha, porque este o chamou de "Poste Geral da República" e de "servo do presidente". Que coisa, né?

"Ah, Reinaldo, mas a PGR está admitindo que Boa Pinto cometeu algum delito, tanto é que condescende com a prisão domiciliar com tornozeleira"...

Pois é... Então faz menos sentido ainda. Ou bem se admite que seu atos são inaceitáveis porque podem ter desdobramentos deletérios, de sorte que ele representa, sim, uma ameaça à ordem pública, ou bem se usa o critério estúpido, condescendente com o crime, de que propagar ideias de ódio, incitando a prática de crimes, não é crime.

A PGR já empregou esse critério para Jair Bolsonaro, não é mesmo?

Mas aí a dupla Aras-Lindôra teria de admitir que acha de extrema gravidade que se associe o procurador-geral a um poste, mas entende ser exercício da liberdade de expressão a promessa — com a arregimentação de apoio — de caçar um presidenciável, de pendurar ministros do Supremo pelas pernas, de recorrer à violência armada contra a adversários.

Dizer o quê? Em casos assim, antes Aras fosse realmente um poste. Serviria ao menos para iluminar. A PGR, ao contrário, tem produzido só obscurantismo.