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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desfile será na Presidente Vargas; golpista faz ameaças e depreda a Bíblia

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

10/08/2022 17h28

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Qual é o boletim psiquiátrico-político do golpista nesta quarta-feira, 10 de agosto? Difícil saber. Daquela cachola, pode sair qualquer coisa. Jair Bolsonaro teria desistido da maluquice de deslocar o destile militar de Sete de Setembro para Copacabana, junto com os seus fanáticos. Mas, como deixou claro em conversa com ruralistas, não desistiu de melar o jogo caso este se lhe mostre adverso. Uma ação chegou ao Supremo. A ministra Cármen Lúcia pediu explicações ao governo. Ainda não as recebeu.

Conversei há pouco com Eduardo Paes (PSD), prefeito do Rio. Ele diz:
"Até agora, não recebi ofício de ninguém pedindo a transferência do desfile para a Avenida Atlântica. A dificuldade logística seria imensa. Já está em andamento a organização para a Presidente Vargas. Isso não é uma operação corriqueira. Envolve, inclusive, a tomada de preços para a montagem de arquibancadas. Temos reuniões semanais com os representantes das Forças Armadas. Para organizar o desfile no lugar de sempre".

O comando da campanha e a cúpula das Forças Armadas se opõem à mudança que chegou a ser anunciada pelo presidente. E consta que ele teria sido convencido a mudar de ideia. Isso quer dizer que desistiu também de tumultuar o processo eleitoral? Um outro sinal para responder a essa pergunta será dado, em tese, depois de amanhã. É a data marcada para a tal comissão de militares dar a sua resposta sobre a segurança das urnas.

A descoberta de que um de seus especialistas, o coronel Ricardo Sant'Anna, se dedicava a espalhar "fake news" nas redes sociais e a hostilizar a oposição, com militância política aberta, o que a Constituição e o Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto 4.346) proíbem, desmoraliza o grupo. Sant'Anna foi descredenciado pelo TSE. O Ministério da Defesa não gostou, por incrível que pareça. E decidiu não indicar nenhum substituto.

A propósito: o Regulamento dispõe de um anexo que especifica as manifestações vedadas a militares da ativa. Transcrevo os itens 56 a 59:
"56. Tomar parte, em área militar ou sob jurisdição militar, em discussão a respeito de assuntos de natureza político-partidária ou religiosa;
57. Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária;
58. Tomar parte, fardado, em manifestações de natureza político-partidária;
59. Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado".

Vale dizer: ainda que não tivesse participado de comissão nenhuma, o tal Sant'Anna deveria ser punido. O contrário disso implica incentivo à indisciplina. De todo modo, as Forças Armadas, o Exército em particular, tem um Eduardo Pazuello na sua história, absolvido depois de pisotear o Regulamento e a Constituição, com os autos sob sigilo de 100 anos, o que é vergonha adicional.

MAS DESISTIU?
Mas, afinal, Bolsonaro aceitará o veredito das urnas, qualquer que seja? No Encontro Nacional do Agro, em Brasília, declarou nesta quarta:

"Sou o chefe da nação e não vou chegar a 2023 ou 2024 e dizer o que eu não fiz lá atrás para o Brasil chegar nesta situação. Que isso custe a minha vida. Nós somos a maioria, somos pessoas de bem".

A trajetória folgazona de Bolsonaro indica que ele jamais exporia a própria vida a risco, o que não quer dizer que não coloque em perigo a de terceiros.

Na sua glossolalia política habitual, disse coisa de sentido obviamente obscuro. Vê riscos à liberdade no Brasil -- vemos todos, mas é ele a ameaça -- e afirmou:
"Que pipoca de democracia que é essa que estão atacando? Queremos transparência, queremos a verdade, queremos terminar eleições sem quaisquer desconfianças, de qualquer lado".

Não me peçam que traduza em português para humanos. Não sei o que quis dizer. No máximo, poderia fazer adivinhações óbvias, como esta: "Só não haverá fraude se eu vencer". E voltou a atacar a "cartinha" em defesa da democracia.

UMA PISTA?
O presidente deu, no entanto, uma pista de seu provável delírio, reiterando no comportamento conhecido - é o único político a usar a Presidência para pregar a luta armada:

"Comprem suas armas. Isso também está na Bíblia, lá no Pedrão: venda suas capas e compre suas espadas. Nós somos cordeiros, não queremos ser lobo também, mas não queremos ser cordeiro de dois ou três. Vamos dizer que nossa liberdade não tem limites. Não tem papinho de fake news".

Recebeu o apoio de lideranças presentes. O presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil), por exemplo, João Martins, fez campanha aberta para Bolsonaro. Pediu que o setor interviesse no processo eleitoral, dizendo que "está em nossas mãos o destino do país". Bem, está nas mãos do eleitor.

Martins não disse se apoia a reação armada.

IGNORÂNCIA ILIMITADA
A propósito. O episódio da espada não está em Pedro -- porque não existe na Bíblia "O Livro do Pedrão" ou "O Evangelho de Pedro". Um manuscrito chegou a ser descoberto e atribuído ao patriarca da Igreja, mas não chegou a ser reconhecido e é considerado apócrifo. A passagem a que ele se refere está no Livro de Lucas, e Pedro é personagem. Transcrevo o Capítulo 22, entre os versículos 35 e 53:

"35Jesus perguntou aos apóstolos: "Quando eu enviei vocês sem bolsa, sem sacola, sem sandálias, faltou alguma coisa para vocês?" Eles responderam: "Nada." 36Jesus continuou: "Agora, porém, quem tiver bolsa, deve pegá-la, como também uma sacola; e quem não tiver espada, venda o manto para comprar uma. 37Porque eu lhes declaro: é preciso que se cumpra em mim a palavra da Escritura: 'Ele foi incluído entre os fora-da-lei'. E o que foi dito a meu respeito, vai realizar-se." 38Eles disseram: "Senhor, aqui estão duas espadas." Jesus respondeu: "É o bastante!"[35-38]

Jesus obedece ao Pai — 39Jesus saiu e, como de costume, foi para o monte das Oliveiras. Os discípulos o acompanharam. 40Chegando ao lugar, Jesus disse para eles: "Rezem para não caírem na tentação." 41Então, afastou-se uns trinta metros e, de joelhos, começou a rezar: 42"Pai, se queres, afasta de mim este cálice. Contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua!" 43Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava. 44Tomado de angústia, Jesus rezava com mais insistência. Seu suor se tornou como gotas de sangue, que caíam no chão. 45Levantando-se da oração, Jesus foi para junto dos discípulos, e os encontrou dormindo, vencidos pela tristeza. 46E perguntou-lhes: "Por que vocês estão dormindo? Levantem-se e rezem, para não caírem na tentação."[39-46]

A hora do poder das trevas — 47Enquanto Jesus ainda falava, chegou uma multidão. Na frente vinha o chamado Judas, um dos Doze. Ele se aproximou de Jesus e o saudou com um beijo. 48Jesus disse: "Judas, com um beijo você trai o Filho do Homem?" 49Vendo o que ia acontecer, os que estavam com Jesus disseram: "Senhor, vamos atacar com a espada?" 50E um deles feriu o empregado do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. 51Mas Jesus ordenou: "Parem com isso!" E tocando a orelha do homem, o curou. 52Depois Jesus disse aos chefes dos sacerdotes, aos oficiais da guarda do Templo e aos anciãos, que tinham ido para prendê-lo: "Vocês saíram com espadas e paus, como se eu fosse um bandido? 53Todos os dias eu estava com vocês no Templo, e nunca puseram a mão em mim. Mas esta é a hora de vocês e do poder das trevas."

Como se nota, Cristo faz precisamente o oposto do que diz Bolsonaro: ali está a apologia da não-violência. O que ele fez foi parar a mão de Pedro, que tinha cortado a orelha de um servo do Sumo Sacerdote. E o filho de Deus curou o homem.

Bolsonaro nada entende de democracia ou de Bíblia.

E isso mata.