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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Datafolha e o "isentismo" administrado, que distorce evidências numéricas

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/08/2022 16h49

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Há certas ilações sobre as pesquisas eleitorais que não têm nenhuma fundamentação técnica. Pior: algumas parecem óbvias — como óbvio parece que a Terra é imóvel e que é o Sol quem muda de lugar. E, no entanto, não é.

Vamos ver: por enquanto, os R$ 200 a mais do Bolsa Família (rebatizado de Auxílio Brasil) não mudaram a situação de Jair Bolsonaro entre os que ganham até dois mínimos. Como escrevi, os que já haviam escolhido Lula não caíram na conversa — por enquanto ao menos.

Isso quer dizer que a PEC dos benefícios é irrelevante? Para que essa afirmação fizesse sentido, seria preciso que houvesse uma pesquisa, neste mês de agosto, sem a PEC. Mas isso é impossível. Assim, pode-se afirmar, no máximo, que há uma diferença considerável entre os números — uma coleta que obedece a critérios técnicos — e a expectativa que tinha o governo: só "wishful thinking".

Ilação por ilação, pode-se inferir também que Bolsonaro poderia ter ainda menos votos do que tem não fossem as duas PECs ilegais, certo? Mas, claro!, também isso é impossível de medir porque seria como contar a história que não houve.

Lula segue, no Datafolha, com os mesmos 47% da pesquisa do fim de julho, embora tenha recebido o apoio de André Janones (Avante), que tinha 2% e retirou sua candidatura em apoio ao petista. Isso quer dizer que esse acordo foi irrelevante? Bem, como garantir que o petista não teria caído sem ele?

OPERAÇÕES MENTAIS
Outras operações mentais estão em curso e simplesmente distorcem a realidade dos fatos. Lula já teve uma possibilidade de vitória mais folgada no primeiro turno. Agora, trata-se de uma probabilidade dentro da margem de erro. Assim, há palpiteiros afirmando que a pesquisa Datafolha é negativa para o petista porque, afinal, talvez ele não vença no primeiro... É um despropósito!

Ou bem se considera o peso, ao menos o potencial, das PECs no voto do eleitorado — e aí a possibilidade de o petista ainda vencer na primeira etapa é um feito e tanto — ou então se diga que a discreta melhora de Bolsonaro se deve, deixem-me ver, a seus méritos pessoais...

Há mais. A julgar por certas análises "isentas" que li e ouvi, Lula chora na pia, e o atual presidente comemora. Afinal, o ex poderia vencer no primeiro turno; bateria o atual por 54% a 37% no segundo; lidera no Sudeste por 44% a 32% (43% do eleitorado); vence no Nordeste por 57% a 24% (27% dos votantes); tem 13 pontos de vantagem em São Paulo e 20 em Minas; lidera por 55% a 23% entre os que ganham até dois mínimos; é rejeitado por 37%, e o adversário por 51%. Nota: 52% nunca acreditam no que diz Bolsonaro.

Não obstante, os cortes que estão sendo escolhidos para gerar títulos e manchetes são quase todos favoráveis ao atual presidente, especialmente seu desempenho entre evangélicos. Então... Como se nota, fazer da eleição uma guerra santa tem mesmo suas vantagens, não é? Até junto à imprensa. Mais guerra santa, mais títulos!

Então a eleição está decidida? Não. Até porque já vimos que esse governo descobriu o caminho do "golpe das PECs". Pode fazer qualquer coisa.

Por alguma razão misteriosa, para esses "isentos" de que falo, a pesquisa Ipec teria sido ruim para Bolsonaro (e foi), e a DataFolha, ruim para Lula. É delírio. A situação do petista é mais confortável nesse segundo levantamento. Todos os dados gerais se moveram na margem de erro. Como apontam discreta melhora de Bolsonaro, pode ter acontecido. Bem discreta!

Outra inferência que se percebe aqui e ali é a de que Lula estaria no bem-bom porque, afinal, a campanha de rádio e televisão só começa daqui a uma semana. Estou enganado ou o petista terá um tempo ligeiramente superior ao de Bolsonaro? Vai apanhar. Mas também vai bater.

ENCERRO
Não há leitura objetiva que sustente a tese de que a pesquisa Datafolha foi positiva para Bolsonaro e negativa para Lula. Ou é opinião administrada (isentismo vicioso) ou é má-fé. O petista vai vencer? Não faço previsões. Hoje, os números são excelentes para ele e péssimos para seu principal adversário.

É preciso tomar cuidado para que tanto amor à isenção não transforme o "isento" em boneco de ventríloquo do Ciro Nogueira.