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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Datafolha: Democracia pode ser salva por aqueles a quem deu pouco até agora

Datafolha/G1
Imagem: Datafolha/G1

Colunista do UOL

10/09/2022 06h46

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Vamos pensar um pouco os números do Datafolha. Permito-me, leitores, reproduzir um trecho da coluna que escrevi nesta sexta na Folha:

O Datafolha vai dizer daqui a pouco se a cruzada criminosa de Jair Bolsonaro no 7 de Setembro interferiu de forma importante na decisão do eleitorado. Estava em curso já um movimento de discreta aproximação entre os líderes das pesquisas. Tendo havido uma aceleração, pode-se especular que a "demonstração de força" tenha surtido efeito.
(...)
Está hoje nas mãos dos mais pobres salvar a democracia no Brasil. A despeito de suas brutais imperfeições, o regime nos permite, ao menos, equacionar as diferenças e buscar modos de corrigir desigualdades. Há aí um aparente paradoxo, não é? As dificuldades materiais eram rotineiramente compreendidas, e isso fazia sentido no mundo pré-redes, como um entrave ao acesso a tecnologias de ponta e, por consequência, à informação qualificada.

Até a semana passada, o mundo bruto que Bolsonaro representa e vocaliza, em que uma pistola é a última expressão do argumento, encontrava na camada da população que recebe até dois salários mínimos o seu limite. Num outro corte, que não é o de renda, mas que também conhece a exclusão, as mulheres constituíam uma barreira importante —aquelas mesmas evocadas em palanque pelo presidente dito "imbrochável", que fez de Michelle mero instrumento da sua autoglorificação. E, como também evidenciavam os números, o Nordeste era outro território inóspito para o destruidor de instituições.

Escrevi o texto acima na quinta à tarde, quando o Datafolha ainda fazia as suas entrevistas. Os números revelados pelo Instituto na sexta evidencia de modo inequívoco: está hoje nas mãos dos pobres salvar a democracia no Brasil. E o regime de liberdades públicas e individuais, tudo indica, também deverá ser especialmente grato às mulheres e ao Nordeste.

PRIMEIRO TURNO
Os dados gerais da pesquisa indicam estabilidade do quadro. Lula (PT) manteve os 45% dos votos que já tinha. Bolsonaro (PL) oscilou na margem de erro: de 34% para 32%. Ciro Gomes (PDT) variou dois pontos para baixo: de 9% para 7%. Simone Tebet (MDB) manteve seus 5%. Soraya Thronicke (UB) conservou seu 1%. Felipe D'Ávila (Novo) e Pablo Marçal (Pros) -- que nem deve concorrer -- tinham 1% e não pontuaram desta feita, a exemplo dos demais candidatos.

Nos votos espontâneos, Lula oscilou de 40% para 39%, e Bolsonaro, de 29% par 31%.

Constatações
1: Dada a monumentalidade ilegal dos atos protagonizados por Bolsonaro no 7 de Setembro, a variação de apenas dois pontos evidencia que ele falou para convertidos. O atual mandatário já vinha em lenta recuperação nas jornadas anteriores. Os números, por enquanto, frustram a expectativa dos partidários de sua candidatura. Embora na margem de erro, é possível que tenha avançado um pouco, o que é corroborado pelo levantamento espontâneo.

2: Os ataques de Bolsonaro a Lula, com ampla cobertura e repercussão na imprensa e nas redes sociais, não tiraram votos do petista. Ele está nesse mesmo patamar desde maio, quando tinha 48%. Obviamente, essa é uma boa notícia para ele.

3: O resultado é muito ruim para Ciro Gomes. Não só não ganhou nada — e não parece que a virulência que adotou contra Lula esteja fazendo bem à sua postulação — como pode ter perdido dois pontos percentuais.

4: Simone Tebet oscilou dois pontos para cima da semana retrasada para a passada. Pode ter estacionado. Empatava com Ciro na pesquisa anterior nos extremos da margem de erro. Agora, essa situação ficou mais clara.

5: Os que votam em branco e nulo seguem sendo 4%. Os indecisos variaram de 2% para 3%. Quatro pontos sumiram das pontuações redondas (2 de Ciro, 1 de D'Ávila e 1 de Marçal). Bolsonaro ganhou apenas dois.

6: No que respeita aos votos válidos, Lula está no mesmo lugar da semana passada: 48% dos válidos. E Bolsonaro variou de 36% para 38%. Dada a margem de erro, Lula conserva a possibilidade de vitória no primeiro turno. Difícil? Sim. Impossível? Não.

SEGUNDO TURNO
No segundo turno, é grande a possibilidade de que nada tenha acontecido em uma semana. Lula manteve seus 53%, e Bolsonaro oscilou um para cima: de 38% para 39%. Para registro: em setembro do ano passado, o petista tinha 56% contra 31% de Bolsonaro.

Um apressado poderá concluir: "Então Lula caiu, e Bolsonaro cresceu bastante". Dadas as margens de erro, o petista apenas oscilou em 12 meses. O presidente-candidato ganhou oito pontos, mas a maioria deve ter vindo do grupo de "branco/nulo/nenhum", que era de 13% e é agora de 7%. Sem tirar uma grande quantidade de votos de Lula, não há como ele se reeleger. E isso não aconteceu no curso de 12 meses. Ocorrerá nos próximos 50 dias que nos separam no segundo turno — se houver um?

OS MAIS POBRES
Volto à minha coluna na Folha e aos números que garantiriam, se a eleição fosse hoje, a vitória folgada de Lula.

Jair Bolsonaro segue sendo um estranho para a esmagadora maioria do eleitorado pobre. Entre os que recebem até dois salários mínimos, Lula conservou os seus 54%, e o "Mito" variou apenas um ponto para cima, com 26% agora. Esse grupo representa metade da amostra. A má notícia não para por aí para o marido de Michelle: entre os que recebem o Auxílio Brasil ou pertencem a famílias que recebem, o petista tem o dobro dos votos: 56% a 28%.

No segmento que ganha de dois a cinco mínimos (36%), Bolsonaro está numericamente à frente, em empate técnico: 41% a 37%. Está assim há três semanas.

Se a eleição fosse decidida pelos que recebem de 5 a 10 mínimos (8%) ou mais de dez (4%), Bolsonaro se reelegeria com facilidade. No primeiro grupo, saltou de 40% para 49%, e o adversário oscilou de 37% para 34%. Na minoria dos 4% mais endinheirada, o presidente caiu de 48%para 42%, e Lula oscilou de 31% para 29%.

Escolaridade
Há um dado vizinho à renda que é a escolaridade. Também ele ajuda a entender a vantagem de Lula. Entre os que têm até o ensino fundamental (38%), a vitória do petista é acachapante: 56% a 26%. E não mudou. No grupo do ensino médio (40%), pode ter havido uma aproximação: 41% a 37% para Lula. O ex-presidente variou um para baixo, e o atual, dois para cima. Ora vejam: a despeito das ignomínias que o presidente dispara por minuto, está empatado com seu rival no grupo com ensino superior (22%): 38% a 37% para o candidato do PL. Há uma semana, 37% a 35% para o petista.

AH, BOLSONARO, O NORDESTE!
A situação de Bolsonaro conseguiu piorar no Nordeste (27% do eleitorado), se é que isso era possível: Lula oscilou de 58% para 60%, e o presidente, de 24% para 23%. A diferença é brutal.

No Sudeste (43%), já tinha havido uma aproximação na pesquisa passada, e ela segue estável, com Lula à frente: este manteve seus 41%, e Bolsonaro foi de 35% para 36%. Ambos estão tecnicamente empatados no Norte (8,03%), com 41% a 39% para Lula, e no Sul (15%): 39% a 37% para o atual presidente, que dispara no Centro-Oeste; de 37% para 47%. Lula caiu de 39% para 30%. A região abriga apenas 7,38% dos eleitores.

AS MULHERES
As mulheres parecem ser mesmo um território político, social e existencial que Bolsonaro, o autoproclamado "imbrochável", não domina. São 53% do eleitorado. Lula variou de 48% para 46%, e o seu rival, de 28% para 29%. Eis uma movimentação discreta, que pode nem ter acontecido.

São poucos os cortes em que Lula perde — geralmente em estratos que representam minorias de renda ou de população. No Sudeste, com efeito, já houve um encurtamento da distância um tanto perigoso para Lula, talvez apontando para um futuro empate. Mas o petista pontuará bem na região ainda que venha a ser ultrapassado.

A dificuldade de Bolsonaro está no fato de que, em alguns cortes gigantescos — até dois salários, ensino fundamental, Nordeste e mulheres —, seu desempenho é muito ruim; pífio às vezes.

Guerra Santa
A guerra santa proposta pelo casal Bolsonaro fidelizou, como se diz em linguagem comercial, o eleitorado evangélico (27%): o presidente variou de 48% para 51%, e Lula, de 32% para 28%. Ocorre que, no grupo dos 50% católicos, o petista cresceu de 51% para 55%, e Bolsonaro foi de 22% para 21%.

CONCLUSÃO
Bolsonaro recorreu a toda sorte de ilegalidades para se manter competitivo. A PEC dos combustíveis pode ter alterado um tantinho o humor de setores médios da sociedade, mas, até agora, o valor suplementar de R$ 200 no Auxílio Brasil não levou os pobres em massa para o colo do mandatário -- nem mesmo os beneficiários do programa.

O português estropiado de Bolsonaro parece javanês para a esmagadora maioria do Nordeste e também se mostra incompreensível para as mulheres. Esses grupos fazem a diferença e explicam aquela que, até agora ao menos, seria uma derrota inédita para um mandatário que disputa a reeleição

Na minha coluna da Folha, escrevi ainda:
"Como resta óbvio, é claro que Bolsonaro tem milhões de eleitores em todas essas categorias, mas os números que o separavam de Lula --até a semana passada, reitere-se-- tornavam impossível a sua vitória. Nesses casos, a vida ela-mesma tem se sobreposto ao Brasil paralelo das redes, que obviamente se traduz também em pessoas concretas, ou não estaríamos nesse lamaçal legal e institucional."

A democracia ainda pode ser salva por aqueles a quem ela deu muito pouco até agora. Mas precisamos dela para corrigir também essa injustiça.