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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se Congresso fizer o que diz que fará, STF não tem de se meter no Orçamento

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/12/2022 15h48Atualizada em 07/12/2022 16h20

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O debate está ficando meio atrapalhado. Não cabe ao Supremo dizer se pode ou não haver emendas do relator, assim como não cabe a um desembargador decidir se o Exército pode ou não comprar tanques porque discorda da lista de prioridades do Executivo. Nos dois casos, à Justiça cabe zelar para que a lei seja cumprida no emprego do dinheiro público. Os Poderes têm suas reservas de competência, e não se admite que sejam usurpadas. Estes, no entanto, as exercem segundo uma disciplina legal.

O Congresso está ultimando um projeto de resolução para definir critérios para a distribuição da bufunfa da rubrica orçamentária chamada "RP9" —, que se tornou célebre pela justa alcunha de "Orçamento Secreto". Se as coisas saírem como foram desenhadas, entendo que estarão sendo sanados os vícios constitucionais, ainda que eu continue a achar exagerado o valor a tanto destinado. Mas, meus caros, eis aí uma questão que é de natureza política, não judicial. Se e quando for outro o equilíbrio de forças, talvez se possa diminuir o montante do Orçamento nas mãos do Congresso. Sendo como é, com R$ 19,4 bilhões, é claro que o Executivo vê diminuída a sua capacidade de intervenção em políticas públicas. As cobranças da população, afinal, são dirigidas mais ao governo federal do que aos parlamentares.

USUÁRIO EXTERNO
Escrevi hoje de manhã: como está, a coisa não fica -- inclusive por iniciativa do próprio Congresso. Na LDO do ano que vem, note-se, já não há a figura do "usuário externo", isto é, do solicitante que não é deputado ou senador. Vigendo a regra, toda demanda terá a autoria identificada. Tornaram-se tristemente notórios os casos de "usuários externos" que apareceram como grandes demandadores de emendas. Não tardou para que o expediente fosse contaminado por desmando e corrupção. Sem essa solerte figura, as possibilidades de controle são maiores.

Se não cabe ao Supremo -- e não encontro título legal que a tanto autorize -- definir como o Congresso deve proceder a distribuição de emendas, cabe-lhe, por óbvio, lembrar que a Constituição disciplina o emprego da grana pública. Afinal, o sobrenome do Orçamento é "público". Se público é, secreto não pode ser. Lembre-se, uma vez mais, o caput do Artigo 37:
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

Se a receita que o conjunto dos brasileiros gera para a administração está sendo malversado, a intervenção do Supremo não é questão de gosto, mas de mandamento. Os recursos da rubrica RP9 têm de estar submetidos aos princípios da publicidade, da impessoalidade e da eficiência — já nem se reitere a questão da moralidade. Não vinha senso assim: o sigilo da demanda era o marco original da agressão ao valor constitucional.

A DISTRIBUIÇÃO
No Projeto de Resolução elaborado no Congresso, de que a ministra Rosa Weber -- relatora das ADPFs -- deve estar ciente a esta altura, propõe-se a seguinte distribuição do valor da RP9, atendendo também ao fundamento da equidade, de sorte que o expediente não sirva para criar os superpoderosos do Orçamento, em contraste com aqueles que são alijados do processo:
- 5% a cargo da Comissão de Orçamento;
- 7,5% sob a responsabilidade da Mesa da Câmara;
- 7,5% sob a responsabilidade da Mesa do Senado;
- O restante seria distribuído do seguinte modo: dois terços para os deputados e um terço para os senadores, conforme o número de parlamentares de cada bancada.

Dado o volume total, 50% têm de ser investidos necessariamente em Saúde e Assistência Social.

No papel, a coisa me parece bem, dada a permanência do volume das emendas. Reitero: por mim, ele seria bem menor. Mas o que se tem aí reflete a realidade política dos últimos quatro anos. Não se pode querer tirar o concerto da sociedade, bom ou mau, da peça orçamentária. Esse tipo de "correção política" não é tarefa do Supremo. Se o Congresso passar a distribuir as emendas segundo esses critérios, cumpre ao tribunal saber se o bem que a Constituição protege estará ou não sendo preservado. Parece-me que sim. Com outro equilíbrio de forças, se e quando houver, demanda-se ao Congresso uma diminuição do valor destinado às emendas do relator.

EFICIÊNCIA
A questão da eficiência, parece-me, ainda pede detalhamento. Mas isso, convenham, não tem relação específica com essa questão. Vale para o emprego de qualquer dinheiro público: emendas individuais e de bancada e verbas aplicadas também pelos outros dois Poderes.

Conhecidos os autores das emendas, a vigilância sobre a correção do seu uso cabe também à sociedade e aos fiscais da aplicação da lei, especialmente o Ministério Público.

Nunca entendi, e não há texto meu a respeito, que as emendas do relator sejam, por si, ilegais. Não há, insisto, legislação para sustentar tal tese. Inaceitável, aí sim, é que o montante seja torrado sem que se tenha a autoria da demanda, por meio de instrumentos escusos.

LULA
Discordo das críticas segundo as quais Lula deveria se lançar de peito aberto contra o Congresso nessa questão porque, afinal, criticou o expediente em campanha. É mesmo? Em meio às negociações da PEC da Transição??? Há certo tipo de análise que parece ignorar que existem a política e os limites da realidade.

Que presidente não gostaria de ter os bilhões da RP9 à disposição do Executivo? Até Bolsonaro! Ocorre que esse foi o quinhão que o Congresso arrancou de um governo fraco. E vai ser difícil, para usar imagem já clássica, devolver a pasta de dente ao tubo.

O que o novo momento político está a está a produzir é um esforço de moralização das emendas do relator. Não gosto delas, mas nem por isso acho que, garantidos os princípios do Artigo 37, caiba ao Supremo ir além do que lhe cabe. Para o meu gosto pessoal, até iria, não é? Mas a lei não existe para fazer as minhas vontades.