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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Depois de tudo, fica o desafio: por que temos os juros mais altos da Terra?

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

15/02/2023 04h22

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Pois é...

Será mesmo que Lula achava que conseguiria levar o Banco Central a fazer um mea culpa ou, então, induzir o Conselho Monetário Nacional a mudar a meta de inflação? Convenham: não há uma multidão no CMN. É formado por Fernando Haddad, Simone Tebet e o próprio Roberto Campos Neto. Olhem a chance de um "dois a um" pela preservação da dita-cuja... Mais: teria o presidente a esperança de reverter a autonomia do Banco Central?

Quanta bobagem!

Não deixa de ser interessante que uma multidão de escrevinhadores sobre política e economia insistam na tese de que têm muito a ensinar ao presidente da República no seu terceiro mandato. Ainda me lembro de um texto — procurem aí... — de um sujeito muito sagaz que viu o capítulo final da biografia de Lula quando, carregado por petistas às portas do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, preparava-se para se entregar à Polícia Federal... Bem, o resto é história que está em curso.

Mas cada um sabe a ousadia analítica de que é capaz. Parece que a Batalha de Itararé dos Juros chega a uma espécie de armistício, não é? Roberto Campos Neto, generoso, pediu duas vezes que se tenha boa vontade com o novo governo: uma na entrevista concedida ao Roda Viva e outra no seminário de que participou no BTG. Talvez nem tenha feito por mal. Mas que "raro" é o momento em que a autoridade monetária pede tolerância com o governo legitimamente eleito. É a forma que tem assumido entre nós a tal "autonomia" do Banco Central. Serve também o sentido da palavra "raro" em espanhol. É, sem dúvida, "invulgar" na língua de Camões; é "esquisito", é "estranho", na de Cervantes.

Fica combinado assim: ninguém toca na "autonomia" e não se mexe, por ora ou, quem sabe?, nunca, na meta de inflação. Que ela não tenha como ser cumprida se torna um dado irrelevante. O que não pode, aprendi nestes dias, é alterar esse número porque isso faria supor que uma nova revisão poderia ser feita no futuro, e aí esculhambaria tudo. Assim, entende-se que não se define uma meta com a expectativa de alcançá-la, mas apenas como um instrumento de suposto efeito didático.

É uma grossa besteira essa história de que as críticas de Lula pioraram as expectativas de inflação e juros. É puro chute. Não há instrumentos para fazer essa mensuração. Se o presidente se ajoelhar duas vezes por dia no milho dos juros lunares e da meta impossível, a expectativa de inflação e de juros cai? Isso é gritaria típica de quem quer interditar o debate.

Revirei do avesso tudo o que se escreveu contra Lula e em defesa do BC, de Campos Neto, da meta, da taxa Selic de 13,75%... E descubro, com alguma perplexidade, que não há ninguém capaz de explicar por que o Brasil tem os juros mais altos do mundo. Considerando que, tudo o mais constante, caminha-se para um crescimento muito pequeno — dado desde o ano passado — ou para uma recessão, tratar a economia com a atual dose de juros atende a que diagnóstico? Afinal de contas, qual é, então, o mal que pede esse remédio?

Percam a esperança de encontrar uma explicação. Se Lula — esse inexperiente, que tem muito a aprender com os nossos expertos (com "x") —, não tivesse prestado nenhum outro serviço com suas críticas ao BC, restaria um inequívoco: provou que estamos sob o domínio de uma espécie de um totem — o Banco Central — e de um tabu: os juros altos como instrumento único da autoridade monetária para pôr ordem na farra dos políticos.

Mas por que diabos a Selic tem de ser 13,75%? E aí sacam da algibeira o tal "risco fiscal" — leia-se: a dívida. Quando se evidencia que ela está absolutamente sob controle e em linha com a de países emergentes; quando se lembra que essa dívida está em moeda nacional; quando se aponta que ela constitui o principal ativo seguro do próprio sistema financeiro; quando se prova que o risco do calote é uma fantasia, bem, aí as pessoas mudam de assunto e podem até ficar agressivas. As mais inflamadas mandam logo: "populista!".

A gente já sabe no que resultam esses momentos do "é assim poque todo mundo acredita que é assim", ainda existam evidências de que assim não é... Foi o clima de demonização do debate que nos empurrou para a fascistização. E não deixa de ser curioso que alguns valentes que pregam tolerância com o bolsonarismo em nome da pluralidade busquem interditar o debate sobre o BC e os juros...

Campos Neto teve a oportunidade de explicar por que os juros reais do Brasil são os mais altos do mundo. Não explicou — ou me digam a minutagem de sua entrevista em que aparece uma resposta que vá além da tal "percepção do risco fiscal", que é pau para toda obra. Não explicou, mas convenceu a multidão que vive no mundinho do totem e do tabu. Eu não me convenci.

Há gente se fazendo de escandalizada porque sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda estão pressionando em favor da queda da taxa de juros. Excluídas algumas tolas ofensas pessoais dirigidas a Campos — o que só prejudica a causa —, pergunto: e daí? Alguns vigaristas que ou piscaram para a arruaça do dia 8 ou não a acharam tão grave querem agora impedir que as pessoas se mobilizem pacificamente contra os juros?

Lula falou por falar? Falou e pôs o debate na praça. Se não ele, quem? Como resta evidente, não seria a imprensa a abrigar a dissensão de moto próprio. Até porque os que divergem são tratados como párias. Só que vi coisa parecida no auge da Lava-Jato. O resultado, como se sabe, é péssimo.

ENCERRO
Ontem, Fernando Haddad foi suave ao se referir ao presidente do BC, destacando que este reconheceu os esforços do governo etc. e tal... Ok. Só queria lembrar, antes que novas esquisitices sejam ditas por aí: Campos Neto é presidente de um BC que dizem ter autonomia operacional para não se deixar influenciar pela política. É bobagem, mas vá lá... Já Haddad e Simone, como quaisquer ministros, são braços de Lula nas respectivas áreas em que atuam. Ou agora se vai defender a nomeação de ministros autônomos, que podem dar pito no presidente? Só falta essa!