Reinaldo Azevedo

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Opinião

Entrevista ímpar. Ou: País mais para 'investment grade' do que para o caos

Quando o assunto é economia, a lucidez tem cedido espaço na imprensa à militância ideológica. Eis que a virtude, que raramente aparece, deu as caras na entrevista concedida por Winston Fritsch à Folha, pulicada nesta quarta. Na condição de secretário de Política Econômica, ele foi um dos idealizadores do Plano Real.

Destaco abaixo o trecho da entrevista em que ele trata do governo Lula. Diz, por exemplo, que o país pode recuperar o "grau de investimento" ainda na gestão petista. Afirmei no programa "Olha Aqui", no dia 5, neste UOL, em bate-papo com Diego Sarza: "O Brasil está mais perto de virar grau de investimento do que de quebrar".

Fui alvo, claro!, dos idiotas. Melhor assim. Estou em boa companhia.

Leia o trecho da entrevista. Na sequência, publico o corte do "Olha aqui". Volto depois para arrematar.
*

Seguindo esse arco histórico, temos o governo Michel Temer [2016-2018], de transição, e Jair Bolsonaro [2019-2022]. Agora, Lula 3. Como avalia a conjuntura atual?
O Lula foi eleito por uma margem muito pequena. Há muita crítica. Mas, a meu ver, está fazendo um negócio muito bom na área de transição energética. E tem uma popularidade internacional enorme. Mas, como no Brasil ele não está popular, e tem que governar com o Congresso, precisa cuidar para não perder o lustro, pois pode acabar sendo "jogado fora" [pelo Congresso].

Ainda mais num ambiente radicalizado como o que a gente está hoje, algo que nunca teve no Brasil. E a economia internacional, embora não esteja tão ruim, também não está boa.

Agora, o Brasil tem hoje uma chance espetacular de crescer com base em investimentos verdes, e tem uma outra possibilidade, que é crescer exportando petróleo. Os saldos comerciais têm sido grandes. Temos um déficit em conta corrente [nas transações com o mundo] de cerca de 1% do PIB, que conseguimos financiar com capital externo, se fizermos as coisas bem feitas.

Há muita crítica, mas creio que o Brasil vai recuperar o "investment grade" [grau de investimento, perdido em 2015]. E pode ser até no governo Lula. Porque o "investment grade" depende muito do risco de "default" (calote internacional), do balanço de pagamentos. O Lula ainda pode surpreender.

Mas o calcanhar de Aquiles continua sendo o fiscal, não?
Mais ou menos. Claro que as projeções não são boas, como não são em quase nenhum país do mundo. A Covid teve impacto profundo. Olha os Estados Unidos [com déficit primário de 5,5% em 2023]. O [Fernando] Haddad está fazendo um discurso que ninguém pode dizer que é o da Dilma.

E não se pode dizer que os juros estão onde estão por causa do fiscal. É por causa do choque da inflação pós-Covid. A resposta do Banco Central, independente, foi dada um ano antes dos Estados Unidos, e foi muito violenta. Mas funcionou.

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Só que, agora, para baixar, começa o lero-lero de, pô, olha o fiscal. Mas não foi o fiscal que fez a taxa subir. Foi o choque exógeno da inflação. E com os juros americanos de curto prazo a 5,5%, não dá para baixar muito por aqui. Se baixa muito no Brasil, tem êxodo de capital, o dólar vai para o espaço. É o que está acontecendo.

Toda vez que aparece a ideia de que o juro vai cair, o dólar sobe. Virou uma espécie de armadilha. Porque veio a crise, o juro subiu. Os americanos subiram, e temos agora um patamar que é dado pela conta de capital, não mais pela economia interna. Então, tem que ficar esperando o Fed [o BC americano] baixar o juro para a gente ir atrás.

Agora, o juro está alto por causa do fiscal? "Bullshit" [bobagem]. Está alto pela taxa do Fed a 5,5% ao ano. Mas aparece todo o discurso conservador da Faria Lima. É claro que você tem que ter um déficit primário baixo, mas não precisa ser zero. Tem países que tem déficits primários muito maiores que o Brasil e estão funcionando.

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Eu estava inconformado, então, com uma palestra que Roberto Campos Neto, presidente do BC, havia concedido no dia 24 do mês passado, num evento para homenagear Affonso Celso Pastore na Fundação Getúlio Vargas. Escrevi a respeito. Com os mercados abertos, ele fez previsões pessimistas sobre a economia, a inflação em particular, e ainda foi ambíguo a respeito da credibilidade do Banco Central quando ele não mais estiver por lá. Os juros futuros, estáveis então, começaram a subir. E não pararam mais.

Depois daquele dia, o homem da cobra deu mais uma infinidade de palestras, foi laureado por um golpista na Assembleia Legislativa e depois homenageado com um jantar por Tarcísio de Freitas no Palácio dos Bandeirantes, ocasião em que se ofereceu para ser ministro do agora governador de São Paulo caso este chegue à Presidência.

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A culminância da trajetória iniciada por Campos Neto no dia 17 de abril, em Washington, em evento da XP Investimentos, se deu neta quarta, com a manutenção, por unanimidade, da taxa Selic em 10,5%. Naquele dia, sem aviso prévio, o Imperador do BC deixou claro que o Copom não prosseguiria com o corte de 0,5 ponto da Selic — traindo, note-se, o "forward guidance".

O placar, como se sabe, em favor de 0,25 foi de cinco a quatro (0,5). Os indicados por Lula preferiram ser fiéis à orientação original do comitê. Bem, começaram a especulação desbragada e a tentativa de firmar um novo padrão: "Ou política monetária restritiva tem apoio unânime ou vamos acusar a 'lulização do BC', Que fique o recado para os próximos diretores.

E assim se fez.

Diz Fritsch à Folha:
"Agora, o juro está alto por causa do fiscal? 'Bullshit' [bobagem]. Está alto pela taxa do Fed a 5,5% ao ano. Mas aparece todo o discurso conservador da Faria Lima. É claro que você tem que ter um déficit primário baixo, mas não precisa ser zero. Tem países que tem déficits primários muito maiores que o Brasil e estão funcionando."

Pois é... Vai ver ele não entende nada de economia. Bons mesmos são os que alugam as suas orelhas para a especulação.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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