Valdemar, Maquiavel de Mogi, fulmina anistia a Bolsonaro e finge defendê-la
Se Valdemar Costa Neto, presidente do PL, tivesse lido "O Príncipe", de Maquiavel, seria um verdadeiro florentino. Como não leu, digamos que seja um intuitivo de Mogi das Cruzes com impressionante senso de pragmatismo. Foi realmente notável o modo como, com uma série de três entrevistas, aprisionou Jair Bolsonaro na inelegibilidade ao mesmo tempo em que simulava fazer a defesa da anistia e da sua... elegibilidade. É cobra criada. Não beijou a lona e se recompôs, presidindo hoje o maior partido da Câmara, porque seja parvo.
No capítulo XXIII de "O Príncipe", Maquiavel diz que cabe ao príncipe perguntar muito e ouvir pacientemente a verdade. E até deve se desagradar se notar que alguém a esteja sonegando por temor. Pois é. Jair, o que se acha realmente Messias, julga ter todas as respostas. E só por isso indaga tão pouco. O presidente do seu partido tem de falar com ele por intermédio da imprensa. E é claro que a culpa não é de Alexandre de Moraes. Ou me digam o que impediria que ambos batessem um papo no zap de respectivos aparelhos de terceiras pessoas. Ocorre que o "Mito" só ouve os aduladores.
O capítulo XXIII, diga-se, tem este título: "Como evitar os aduladores". Lá se lê:
"Não quero deixar de abordar um ponto importante e um erro do qual os príncipes dificilmente se defendem quando não são muito prudentes e não sabem escolher bem. Refiro-me aos aduladores, dos quais as cortes estão repletas, dado que os homens se comprazem tanto nas suas coisas e de tal modo se iludem que raramente se defendem dessa praga (...)".
Vamos ver.
Falando ao Estadão, Valdemar fez um alerta à direita e à extrema-direita, num sinal evidente de que não dá a menor bola para o colunismo reacionário que vive a antecipar a morte do PT. Referindo-se ao presidente Lula, afirmou:
"Nós temos um problema sério. O nosso adversário [Lula] fez cinco Presidências da República. Ou nós aumentamos a nossa base, trazendo o pessoal do centro que defende as pautas da direita, ou nós perdemos a eleição. Nós não temos voto hoje para ganhar [em 2026]. Nós já perdemos a outra [eleição, em 2022]. Estou tomando cuidado para trazer um pessoal que defenda a pauta da direita. O problema é o pessoal [do bolsonarismo] entender isso aí".
Experiente em se manter no poder e com a habilidade de quem já morreu e renasceu politicamente, não se deixa iludir por aqueles que, não tendo igualmente lido Maquiavel, são destituídos de qualquer juízo pragmático, embora escrevam como professores de Deus.
Escrevi ontem sobre essa bobajada de "polarização", que tanto ocupa a crônica política. Demonstrei como não passa de torcida mixuruca para que Lula desista da reeleição, dado que Bolsonaro continuará inelegível. O desejo dessa gente: se um não vai disputar, que o outro também não o faça. A contenda entre extremos que enxergam na política está, na verdade, em suas cabeças travessas. Valdemar, o pragmático, não tem tempo para papo-furado. Na toada em que as coisas vão, ele alerta os reaças: Lula vencerá de novo.
Ditas as coisas de modo pouco florentino: Bolsonaro precisa desocupar a moita. Numa entrevista ao UOL, saiu-se com uma formulação marota:
"O Bolsonaro vai ser candidato. Sabe por quê? Se prenderem o Bolsonaro e ele lançar de candidato um poste para Presidente da República?"
A interrogação embute uma afirmação: se preso, ele elegeria qualquer nome que lançasse. Deixem-me ver: então Lula só vencerá no caso de o ex-presidente continuar inelegível, mas fora da cadeia. Se trancafiado, o petista perderá para o poste. Qualquer ser lógico dirá que, para Valdemar, um Bolsonaro preso é muito mais útil à extrema-direita do que um Bolsonaro solto. Resta, pois, aos reacionários torcer para que se apressem denúncia, processo, julgamento, condenação e prisão.
Ainda uma outra implicação derivada da interrogação afirmativa de Valdemar: ainda que estivesse certo, seria preciso provar que um poste seria pior do que o incomível e intragável. Sem saber a alternativa, sou mais o poste...
ESTADO DA ARTE
Bolsonaro passou a exigir que seus aliados façam a defesa da anistia aos golpistas -- na qual estaria embutida a sua própria, embora isso não seja explicitado. Cabe lembrar que o homem, só por vinculação ao golpismo, é investigado em três inquéritos, incluindo o 8 de janeiro de 2023. Também há o da fraude no registro de vacinas e o das joias.
Pois bem, numa terceira entrevista, esta à Band, Valdemar alcançou o estado da arte do, digamos, "valdemarismo". Contou o que teria dito a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, sobre o PL da anistia aos condenados por atos golpistas:
"Vamos ver esse negócio para a gente discutir esse assunto logo. Porque você pode começar a trabalhar a anistia. Você, como presidente [da Câmara]. Pôr para começara a andar, nomear a comissão e começarmos a andar. Nós queremos incluir o Bolsonaro aí".
Pronto! Está aí tudo o que interessa, ainda que, na sequência, ele tenha feito uma candente defesa dos golpistas, tratados como incompreendidas pombas da paz. Vou poupá-los.
Já escrevi mais de uma vez que, se a aberração da anistia prosperasse e se o PL fosse aprovado — tendo a achar que nem será votado —, seria declarado inconstitucional pelo Supremo porque, por óbvio, tratar-se-ia da intromissão de um Poder em Outro. "Mas anistia não é prerrogativa do Congresso?" É. Desde que não se empregue tal instrumento para promover um choque entre os Poderes e que não haja claríssimo desvio de finalidade.
Embora Valdemar faça quase uma poesia em homenagem aos golpistas depredadores, ele confessa, como se precisasse, com voz grave e compassiva: "Nós queremos incluir o Bolsonaro aí". Está dito.
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Quero receberOs ministros nem precisarão recorrer à interpretação. Ele está a dizer que projeto da anistia é só um cavalo de troia para tentar devolver a elegibilidade ao sedizente imbrochável. Logo, adivinhem qual será o destino do troço se aprovado for...
Com essa série de entrevistas, o homem diz aos seus: "Bolsonaro já era. Se a gente seguir nessa toada, Lula dará ao PT o sexto mandato em dez eleições diretas".
Um pouco mais de Maquiavel para encerrar, no capítulo XXV de "O Príncipe":
"Se mudarem os tempos e as circunstâncias e se o príncipe não mudar seu modo de proceder, ele se arruinará. Não há homem suficientemente prudente que saiba se acomodar a isso, seja porque não consegue se desviar da linha para onde se inclina sua natureza, seja ainda porque, tendo alguém prosperado seguindo sempre por um caminho, não se consegue persuadi-lo de abandoná-lo."
Bolsonaro não mudará. Valdemar sabe disso. O florentino de Mogi das Cruzes não quer se arruinar junto com o que só sabe ouvir os aduladores. Ao explicitar que o projeto da anistia é só um instrumento para devolver a elegibilidade ao ex-presidente, selou o destino da proposta.
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