A tese ridícula de que STF e PF anteciparam juízo sobre o ato de Tiü França
Na sexta-feira, numa postagem no X, tratei de uma conversa torta que já se esboçava em certos setores da imprensa, segundo a qual Alexandre de Moraes, ministro do STF, e Andrei Rodrigues, diretor-geral PF, teriam se antecipado à investigação ao concluir que o ataque perpetrado por Francisco Wanderley Luiz teria relação com o 8 de janeiro. Com todas as vênias: ou essa crítica é supinamente burra ou se trata mesmo de má-fé. Sabem como é... Parecia que tudo caminhava bem com o, como chamar?, "resgate da imagem" de Bolsonaro para o "lado benigno da força". E aí vem essa coisa desarranjar tudo... Levou menos de 72 horas para que o Supremo deixasse a condição de alvo de um ataque malsucedido para começar a levar bombas de impostura.
Caramba! Eu perdi esta! Quer dizer que o 8 de janeiro agora virou tipo penal, e ninguém me avisou? Votou-se acréscimo ao Código Penal ou lei específica em que se lê algo mais ou menos assim: "Praticar coisas semelhantes aos atos de 8 de janeiro de 2023 havidos na Praça dos Três Poderes ou com eles relacionados: pena de X a y anos"??? É sério?
Bem, então cometeram erros terríveis não apenas Moraes e Rodrigues, mas também o presidente do Supremo, Roberto Barroso, e o decano do tribunal, Gilmar Mendes. Tenham paciência! O que todos eles fizeram por apreço aos fatos, de maneira explícita ou com evidências implícitas, mas não espúrias, em suas respectivas falas, foi ligar a ação tresloucada de quarta passada à cadeia de eventos e às pregações que antecederam o ataque às respectivas sedes dos Três Poderes. Não se trata de saber — ainda que se devam apurar no detalhe eventuais ligações de "Tiü França" com condenados ou réus do 8 de janeiro de 2023 —, mas de constatar o óbvio: os episódios separados no tempo por um ano e dez meses têm a mesma origem.
As mensagens e rastros deixados por Francisco Wanderley permitem concluir — e não se trata de uma imputação penal — que as decisões que tomou são manifestações tardias de um mesmo entendimento sobre o processo eleitoral de 2022, as consequências penais que colheram os atores da barbárie de janeiro passado e o inconformismo com a atuação da Justiça.
As objeções às respectivas falas dos ministros do STF e do diretor-geral da Polícia Federal são de tal sorte exóticas que nem erradas conseguem ser. São só a exceção de um tanto mais de fel contra o Supremo — no caso, a potencial vítima da agressão. As consequências só não foram absurdamente mais trágicas do que aquilo que se viu porque "Tiü França" não conseguiu entrar no Supremo e porque os policiais, depois, durante a investigação, tomaram os devidos cuidados. Ele tinha feito de seu próprio corpo e da casa que alugou armadilhas mortais. Foi desastrado, sim, felizmente, mas nem por isso manso. Sem treinamento adequado e escolhas corretas, policiais teriam morrido.
Nota à margem: tudo indica que Daiane Dias, ex-mulher de Francisco Wanderley, botou fogo na casa do ex-marido. Ela foi resgatada do local na manhã de ontem com queimaduras por todo o corpo. Eis outra investigação que tem de ser feita com cuidado. Ela concedeu entrevista na quinta passada. Comentei na BandNews FM e no BandNews TV que estranhei duas passagens de sua fala, além de uma calma perturbadora. Pergunta o repórter: "Ele falava que ia matar gente, se matar?" E ela: "Não! Gente não. [falava em matar] Alexandre de Moraes". E sorriu levemente. Insiste o repórter: "Só Alexandre de Moraes?" Ao que respondeu: "E quem estivesse perto naquela hora". Disse ainda que o plano existia desde o resultado da eleição de 2022. E concluiu: "Ele não se mataria. Ele jamais tiraria a vida dele, a não ser que ele tivesse cumprido o objetivo dele [matar Alexandre de Moraes]. Isso aí eu sabia. Então, se ele morreu em vão (sic), não levou ninguém, é porque descobriram o que ele ia fazer".
MINIMIZAÇÃO DA BARBÁRIE E DO RISCO
Quando me lembro de que a barbárie inédita contra os Poderes da República tem apenas um ano e dez meses, mais me espanta certo esforço para minimizar a gravidade tanto daqueles episódios como a da ocorrência de agora. Pior: ao inventarem uma antecipação de juízo de Moraes e de Rodrigues sobre o caso recente, há um esforço evidente de responsabilização da vítima. É espantoso! Por que é assim?
Não tenho como investigar o fundo das consciências. O que vejo, de modo nítido, inequívoco, é um esforço de certos setores para transformar o golpismo de Bolsonaro e sua turma num dos modos de ser da política. Assim, haveríamos de nos acostumar com isso, de sorte que ações tipificadas como crimes no Código Penal passariam a ser, assim, um "novo normal". Bolsonaro, na sua campanha em favor da anistia para os golpistas e para si mesmo, até nos convidou em artigo a aceitar a democracia...
Nas redes sociais, vocês já devem ter constatado, o bolsonarismo resolveu minimizar também o ataque de agora. Se o do 8 de janeiro de 23 não passava do inconformismo de um grupo de tios e tias armados apenas com a Bíblia e a Bandeira do Brasil, como dizem eles, o de agora foi só coisa de um lunático que resolveu manipular fogos de artifício. Tudo bobagem, sem importância. Sabem como é... Como as PMs não aderiam ao golpe no ano passado — e esse era o plano — e como "Tiü França não conseguiu entrar no STF, então nada aconteceu. Tratar-se-ia apenas, sei lá, de um patriotismo meio atrapalhado...
Como sabemos, um caminhão tanque não explodiu nas imediações do aeroporto de Brasília no dia 24 de dezembro de 2022 — sim, véspra de Natal — porque o detonador da bomba, que foi acionado, falhou. Os minimizadores do golpismo precisam fazer de conta que os golpistas são inofensivos para sustentar suas teses furadas.
DESARRANJOU TUDO
Outra conversa fora de foco, mas não de má-fé, é a história de que Francisco Wanderley enterrou de vez as chances de uma anistia, inclusive para Bolsonaro. Deixem que lhes diga: isso nasceu morto. Jamais passaria pelo Supremo. Mas é claro que as pessoas podiam, e ainda podem, sonhar com o impossível.
Não! Não se enterrou o que enterrado já estava. Mas é certo que desmoralizou a tese falsa de que o ataque de 8 de janeiro de 2023 foi só um surto de pessoas destrambelhadas — e, pois, uma irrupção própria de um momento, que colheu doces pais e mães de família (alguns com a Bíblia...); de que não há nenhuma chance de recidiva; de que inexistem evidências de que novos inconformismos, estimulados pela constante pregação contra o Supremo, possam resultar em outros atos violentos.
Como se vê, essa tese, que circula muito em alguns setores da imprensa — daí o papo-furado de que o STF deveria começar a recuar — foi desmoralizada. Enquanto permanecer o clima de caça ao tribunal — com a intenção de cassar magistrados no futuro — e enquanto se incentivar o ódio à Corte por ela se atrever a cumprir o papel determinado pela Constituição, o risco estará presente.
Daí que, no dia seguinte ao ataque de Franco Wanderley, Bolsonaro tenha escrito esta pérola, num texto intitulado "pela pacificação":
"Já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente, e que a força dos argumentos valha mais que o argumento da força. A defesa da democracia e da liberdade não será consequente enquanto não se restaurar no nosso país a possibilidade de diálogo entre todas as forças da nação."
Não é precioso ser muito bidu para perceber que o ex-presidente atribui o ato criminoso a um momento em que o país não estaria cultivando um "ambiente adequado para as diferentes ideias", daí que ele pregue a volta.
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Quero receberAs críticas a Alexandre ignoram, inclusive, que a fala do ministro foi posterior à diatribe do ex-presidente. A síntese da fala dos magistrados é esta: não existe pacificação sem respeito às regras do jogo. Ou o que se pede é que a democracia aceite as imposições do crime".
ENCERRO
Inexiste no Código Penal a figura do "crime de 8 de janeiro de 23". Aquele foi um episódio em que pessoas incorreram em crimes. Também inexiste o "crime de Tiü França". Ele tentou incidir ou incidiu numa penca de atos muitos graves. Não terá como pagar, como se sabe. Tanto os eventos de há um ano e dez meses como os de quarta-feira passada nasceram de uma mesma exortação: "Destruam as instituições porque nós estamos certos; se não for assim, não alcançaremos nossos objetivos".
E o lugar dos que atuam desse modo é a cadeia. Não têm como ser aceitos no pacto democrático. Ademais, escrevem o que não fazem — para tentar enganar — e não escrevem o que fazem para não deixar provas. Caem na conversa os distraídos ou os coniventes.
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