Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Ouviram o silêncio de Tarcísio até esta 4ª? E o paradoxo do Asno de Buridan

Enquanto escrevo, na madrugada desta quinta, grita o silêncio do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que a extrema-direita golpista e a direita reacionária consideram a alternativa para 2026 ao nome de Jair Bolsonaro, o futuro presidiário.

Tarcísio já subiu em palanque em favor da anistia aos condenados do 8 de janeiro — o projeto de lei prevê até o esquecimento de crimes que nem cometidos foram ainda, o que dá uma medida da delinquência da proposta —, mesmo palco em que se pedia o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, um dos alvos dos homicidas do plano "Punhal Verde e Amarelo".

Sempre que lhe é dada a palavra, o governador de São Paulo diz que Bolsonaro é o maior líder político do Brasil, colocando-se como seu soldado. Acontece que o guia genial, todos os indícios apontam, andou se metendo com um plano homicida que tinha como alvos, além de Moraes, também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.

Fico cá a imaginar o chefe da segunda maior força armada do Brasil, a PM de São Paulo — só perde para o Exército —, a bater continência para o futuro residente da Papuda. Quem vai acreditar na sua disposição de combater, por exemplo, o PCC se resolver passar a mão na cabeça de pessoas que arquitetaram o que seria o pior crime da história política do Brasil. Ou bem se está do lado das forças da lei ou bem se integra uma quadrilha de criminosos. Mas Bolsonaro sabia?

AS EVIDÊNCIAS DE QUE SABIA
No dia 9 de dezembro, em áudio enviado a Mauro Cid, o general Mário Fernandes, chefe da tramoia homicida, saúda o fato de que o então presidente aceitara o "assessoramento" de sua turma. Naquele mesmo dia, o recluso saiu do seu isolamento e recebeu a claque golpista. Discursou. Disse frases como "enquanto vivo eu for, enquanto eu for presidente, só Deus me tira daqui. Eu estarei com vocês"; "não abriremos mão desse poder que vocês nos deram por ocasião das eleições de 2018"; "se algo der errado, é porque eu perdi a minha liderança".

Fernandes havia estado com Bolsonaro no Palácio da Alvorada no dia anterior. Mandou mensagem por escrito a Cid:
"Cid, boa-noite.
Meu amigo, antes de mais nada, me desculpa estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas, porra!, a gente não pode perder a oportunidade. São duas coisas. A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição [para desfechar o golpe]; que isso pode; que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra!, aí, na hora, eu disse, 'pô presidente, mas o quanto antes! A gente já perdeu tantas oportunidades!'
E aí, depois, meditando aqui em casa, eu queria que, porra!, de repente você passasse pra ele dois aspectos que eu levantei em relação a isso.
A partir da semana que vem, eu cheguei a citar isso pra ele, das duas uma: ou os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer ou vão recrudescer. Recrudescer com o radicalismo, e a gente perde o controle, né? Pode acontecer de tudo. Mas pode esmaecer também. Vou até te mandar um vídeo aqui abaixo da situação em frente ao PDC do Rio de Janeiro. Tá OK?
E o outro aspecto é que, pô!, nós temos já passagens de comando dos comandos de força, força armada. Já 20,20 e poucos. E aí já vão passar o comando para aqueles que estão sendo indicados para o eventual governo do presidiário. E aí tudo fica mais difícil, cara, para qualquer ação. Então esses dois aspectos são importantes, certo? Olha o vídeo aqui abaixo."

Vamos ver:
1: Fernandes deixa claro que discutiu pessoalmente a ação golpista com Bolsonaro;
2: o então presidente não via impedimento para a ação na data de diplomação de Lula; naquela noite, houve quebra-quebra, incêndio de veículos e tentativa de invasão da sede da PF. Ninguém foi preso;
3: evidencia-se que eles tinham o controle dos movimentos de ocupação das imediações dos quartéis, mas uma evidência a ligar os golpistas aos atos de 8 de janeiro;
4: ele já via com preocupação certo refluxo na ocupação em frente "ao PDC do Rio"; trata-se do Palácio Duque de Caxias, quartel-general do Comando Militar do Leste;
5: teme por mudanças nos comandos dos quartéis, indicando provável infiltração em patentes intermediárias das Forças Armadas.

Todo mundo sabe o que todo mundo sabe: é claro que Bolsonaro sempre foi o chefe da conspiração golpista. Incita, estimula, atiça... Na conversa acima, há mais do que isso: há o domínio sobre a cadeia de atos criminosos. É um subordinado seu que diz isso a outro.

DE VOLTA A TARCÍSIO
Diante de todas as evidências colhidas pela PF, com os sequestradores do ministro Alexandre de Moraes ocupando as suas posições, numa operação abortada; com o plano da ação homicida sendo impresso no Palácio do Planalto, prevendo a "neutralização" -- assassinato --do presidente, do vice e do ministro, um governador de Estado fala o quê? O homem a quem cabe combater o PCC em São Paulo vai dizer que nada aconteceu? Que é tudo uma fantasia da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do próprio Supremo?

Continua após a publicidade

Tarcísio ainda não achou o discurso. Nem ele nem alguns outros medalhões da direita. Poucos saíram na defesa entusiasmada de Bolsonaro, a não ser os filhos. Os dados disponíveis, e talvez mais coisa venha à luz, são muito graves. Quem dá de ombros para coisas assim quase se oferece como alvo de outros bandidos. Até eventuais moderados que o veem com alguma boa-vontade hão de se perguntar: "Mas o que quer esse cara? É esse o Brasil que ele acha normal?" Ademais, Tarcísio gostou da "fama de mau" e de durão na área de segurança. Gente assim pisca para a bandidagem? Nem pisca nem silencia diante dela caso se leve minimamente a sério.

O problema de Tarcísio: o que fazer? Os extremistas esperam dele que ou negue que tenha havido qualquer intento golpista, contra todas as escancaradas evidências, ou, quando menos, que sustente que Bolsonaro nada tem a ver com o rolo, o que marca um encontro com a desmoralização.

JANELA DE OPORTUNIDADE OU NEM TANTO?
Bolsonaro, com as vênias ao leitor para vocábulo tão contundente, está ferrado, e Tarcísio sabe disso. Foi tornado inelegível por oito anos duas vezes (os tempos não se somam) pelo TSE. A sanção dura até 2030. Até lá, será condenado por uma penca de crimes comuns e irá para a cadeia, permanecendo inelegível pelo tempo que durar a condenação (Inciso III do Artigo 15 da Constituição). Nota: a Lei Complementar 135 prevê um acréscimo de oito anos de inelegibilidade, depois do cumprimento da pena, para uma lista de 10 crimes, entre eles "os praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando".

Nas lambanças golpistas, houve a atuação de uma organização criminosa? Sim.

Bolsonaro acredita em reencarnação sem evolução espiritual? Então espere por ela se quiser ser candidato a qualquer cargo público. Pode tentar ser síndico de algum edifício. Duvido que vença. Adiante.

Isso poderia ser uma janela de oportunidades para Tarcísio, certo? Ocorre que Bolsonaro já deixou claro que não vai largar o osso. Se e quando o governador se manifestar, o que as milícias bolsonaristas esperam dele? Ora, que jure fidelidade ao mestre, e também isso vai se tornando a cada dia mais constrangedor.

Continua após a publicidade

A extrema-direita e a direita reacionária experimentam o Paradoxo do Asno de Buridan, condenado a morrer de fome ou de sede estando a igual distância da água e da alfafa. Explico: quem se lançar candidato será fulminado pelas milícias: morre de sede. Não se lançando, não haverá tempo hábil para se apresentar para o jogo: morre de fome. É provável que Tarcísio rejeite o papel do asno.

Convenham: é uma paga justa para um campo ideológico que resolveu escolher como líder um golpista ridículo e vulgar, mas nem por isso menos perigoso.

Ele sabia de tudo, dizem seus conspiradores de confiança. E pagará por isso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.