Especuladores e 'analistas' enviaram coroa a Lula como 'kids pretos' da vez
Reitero: 2026 começou com a disparada pornográfica do dólar na quarta. Alucinados, os especuladores decretaram: "No meio do caminho, há uma pedra; há uma pedra no meio do caminho. E a pedra se chama Lula. Ou cai fora ou vira figura decorativa na Presidência, sem nos perturbar. Até que surja um Bell'Antonio que se disponha a passar nos cobres os ativos estatais nos quais estamos de olho. O antigo ogro da impotência, nosso serviçal estridente, foi inabilitado pela própria burrice e pelo ativismo judicial (odiamos o Supremo e o TSE). Estamos cevando um outro. Nem tão belo de novo, é verdade, mas é nosso Antonio da vez". Pois é... Pace que não será assim tão fácil.
"AS ÁRVORES SOMOS NOSES"
Raramente vi coisa tão patética em franjas da imprensa como a negativa de que tenha havido especulação com o dólar. Já se sabe que houve crime também -- agora se trata de avaliar a extensão.
Que coisa curiosa! Algumas "doxas" foram se definindo nessa área do quase-jornalismo. Recorro a uma adaptação de um antigo viral da Internet. Ficaria assim: "O mercado é o jardim, e as árvores somos noses"... Desse modo, leitores, os mercados somos todos. É por isso que você que me lê vive dando opinião em colunas de economia, certo? Ou vai dizer que não foi chamado para ser judicioso sobre o pacote de corte de gastos, aquele que fez disparar a especulação?... Não???
Essa gente valente tentou nos convencer de que somos todos iguais nesse jardim... O mais ousado diria: "Todo mundo que tem um dinheirinho em banco é uma arvorezinha de Jesus". Assim, a área cambial seria a única em que se alcançou a igualdade absoluta. Você que está aí — radiante como um flamboyant ou discreto e insignificante como um exemplar qualquer da densidade verde — também fez, ainda que por intermédio de outros, a aposta contra o "pacote tímido" de corte de gastos, certo?
Também você se revoltou com o incorrigível Lula e compôs o murmulho — o farfalhar das árvores que se ouve na floresta — de censura quando ele decidiu propor, junto com o corte de gastos, a isenção de IR para os que ganham até R$ 5 mil.... Nota: você não lerá em lugar nenhum que a proposta foi aprovada ou rejeitada porque ela nem sequer integra o conjunto de medidas votadas pelo Congresso.
Nunca ninguém conseguiu explicar de modo racional, objetivo, encadeando causa e efeito, por que a isenção de IR enfraquecia o pacote. Houve até um ou outro angustiados que se viram tentados a dar uma resposta. A explicação saiu mais ou menos assim: "O mercado tem dessas coisas..." E tome porrada no Lula, o culpado por tudo.
Um arauto do Apocalipse decretou: "O governo Lula repete o governo Dilma". Entenderam, né? É a lógica da "pedra no caminho". Tirem-no daí. Outro decretou: "O mercado acordou para a verdade deste governo" — como se, em algum momento, o presidente tivesse contado com a boa-vontade e o bom espírito dos nossos mascates de expectativas. Bem, se estava dormindo e acordou, então vem coisa...
E AGORA?
Pronto! O pacote fiscal apresentado por Haddad está praticamente aprovado pelo Congresso. Os senhores parlamentares fizeram 19 alterações. E agora começa uma nova ladainha: "Ihhh, os R$ 70 bilhões de economia anunciados por Fernando Haddad não vão se cumprir". Mas então havia uma previsão de economia de R$ 70 bilhões?
Pois é... Fazer o quê? Os valentes descobriram nesta quinta que Lula não vai cair; que o BC não serve apenas para dar aquele choque amigo de juros — para levar a inflação ao lugar aonde nunca chegará — e que o país dispõe de reservas para enfrentar, caso a autoridade monetária cumpra a sua tarefa, "os movimentos atípicos" — que devem ser chamados de crimes no direito penal. Aliás, carregar essas reservas também custa um dinheirão (pesquisem). Servem, entre outras razões, para isso.
Sim, acreditem, há reaças chorosos pelos cantos porque Roberto Campos Neto — que, em dois anos, falou mais de uma vez como um adversário ideológico do governo em seminários aqui e alhures — disse ontem, na coletiva, ao lado de Gabriel Galipolo, que o Brasil dispõe de reservas e que elas serão usadas, se necessário, para conter o crime... Ops! Ele não apelou à linguagem penal. Parou no "se necessário".
O que vai acontecer nesta sexta? O pacote foi aprovado, mesmo "desidratado", e o BC já anunciou mais dois certames, de US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, para hoje, totalizando, até agora, em dezembro, uma intervenção de US$ 27,760 bilhões. Supera o recorde de março de 2020, durante a Covid: US$ 23,345 bilhões. O vírus da indecência e da impostura também provoca estragos.
A PEDRA NO MEIO DO CAMINHO
Ainda ontem, com o Congresso "desidratando" -- para empregar o vergo que se tornou corriqueiro -- o pacote de corte de gasto de Haddad, havia quem babasse no teclado: "Tudo inútil. O governo não faz o necessário porque Lula não deixa".
Apelo ao velho clichê: as pessoas têm direito às próprias opiniões, mas não aos próprios fatos". Em matéria de gastos públicos e de Orçamento, nada se opera sem a vontade do Congresso, que obviamente se negou a fazer consigo mesmo o que a direita, em seus discursos inflamados, vive recomendando que o governo faça: cortar na própria carne. A proposta original previa o bloqueio, se necessário, de modestos 15% do total das emendas parlamentares, que é de R$ 50,5 bilhões. Como ficou? A restrição, se preciso, incidirá apenas sobre as emendas não impositivas (as de comissão), que somam R$ 11,5 bilhões. Assim, em caso de aperto, os gloriosos parlamentares não contribuirão com já ridículos R$ 7,575 bilhões dos escandalosos R$ 50,5 bilhões de que dispõem, mas com R$ 1,725 bilhão apenas.
De resto, como ficou evidente, o governo foi alvo da chantagem descarada. Ou "pagava" as emendas ou nada feito. Mas Lula segue sendo a pedra no meio do caminho.
ENCERRO
Por alguns dias, com parte considerável da imprensa achincalhando Lula, "uzmecáduz", que "somos noses", sonharam em fazer o que Jair Bolsonaro e os "kids pretos" não conseguiram: depor o presidente. E não pensem que haverá moleza daqui até 2026, que começou na quarta passada.
Todo acontecimento importante conta com uma personagem periférica que lhe serve de emblema. A pensionista do Exército Maria Cristina de Araújo Rocha levou até a casa de Lula em São Paulo, na quarta, uma coroa de flores própria de velório. Chegou a dizer: "A única movimentação da direita fui eu que fiz". Estava enganada. O mau espírito que a movia, por incrível que pareça, baixou também em reportagens, colunas e até em editoriais. Lembram-se? Os médicos anunciaram que o presidente seria submetido a uma embolização, e a moeda americana despencou.
Afinal, se a culpa por todo o mal e pelo dólar a R$ 6,27 era de Lula, tudo estaria resolvido se lhe pudessem enviar uma coroa. Pois é... Que busquem o Bell'Antonio. Parece que não será assim tão fácil.
PS: Não pense que eles desistiram. Leiam os "analistas" com seus braços cruzados, que posam de braços cruzados e olhar severo... Os urubus continuam a passear entre os girassóis.
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