Reinaldo Azevedo

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Opinião

Especuladores e 'analistas' enviaram coroa a Lula como 'kids pretos' da vez

Reitero: 2026 começou com a disparada pornográfica do dólar na quarta. Alucinados, os especuladores decretaram: "No meio do caminho, há uma pedra; há uma pedra no meio do caminho. E a pedra se chama Lula. Ou cai fora ou vira figura decorativa na Presidência, sem nos perturbar. Até que surja um Bell'Antonio que se disponha a passar nos cobres os ativos estatais nos quais estamos de olho. O antigo ogro da impotência, nosso serviçal estridente, foi inabilitado pela própria burrice e pelo ativismo judicial (odiamos o Supremo e o TSE). Estamos cevando um outro. Nem tão belo de novo, é verdade, mas é nosso Antonio da vez". Pois é... Pace que não será assim tão fácil.

"AS ÁRVORES SOMOS NOSES"
Raramente vi coisa tão patética em franjas da imprensa como a negativa de que tenha havido especulação com o dólar. Já se sabe que houve crime também -- agora se trata de avaliar a extensão.

Que coisa curiosa! Algumas "doxas" foram se definindo nessa área do quase-jornalismo. Recorro a uma adaptação de um antigo viral da Internet. Ficaria assim: "O mercado é o jardim, e as árvores somos noses"... Desse modo, leitores, os mercados somos todos. É por isso que você que me lê vive dando opinião em colunas de economia, certo? Ou vai dizer que não foi chamado para ser judicioso sobre o pacote de corte de gastos, aquele que fez disparar a especulação?... Não???

Essa gente valente tentou nos convencer de que somos todos iguais nesse jardim... O mais ousado diria: "Todo mundo que tem um dinheirinho em banco é uma arvorezinha de Jesus". Assim, a área cambial seria a única em que se alcançou a igualdade absoluta. Você que está aí — radiante como um flamboyant ou discreto e insignificante como um exemplar qualquer da densidade verde — também fez, ainda que por intermédio de outros, a aposta contra o "pacote tímido" de corte de gastos, certo?

Também você se revoltou com o incorrigível Lula e compôs o murmulho — o farfalhar das árvores que se ouve na floresta — de censura quando ele decidiu propor, junto com o corte de gastos, a isenção de IR para os que ganham até R$ 5 mil.... Nota: você não lerá em lugar nenhum que a proposta foi aprovada ou rejeitada porque ela nem sequer integra o conjunto de medidas votadas pelo Congresso.

Nunca ninguém conseguiu explicar de modo racional, objetivo, encadeando causa e efeito, por que a isenção de IR enfraquecia o pacote. Houve até um ou outro angustiados que se viram tentados a dar uma resposta. A explicação saiu mais ou menos assim: "O mercado tem dessas coisas..." E tome porrada no Lula, o culpado por tudo.

Um arauto do Apocalipse decretou: "O governo Lula repete o governo Dilma". Entenderam, né? É a lógica da "pedra no caminho". Tirem-no daí. Outro decretou: "O mercado acordou para a verdade deste governo" — como se, em algum momento, o presidente tivesse contado com a boa-vontade e o bom espírito dos nossos mascates de expectativas. Bem, se estava dormindo e acordou, então vem coisa...

E AGORA?
Pronto! O pacote fiscal apresentado por Haddad está praticamente aprovado pelo Congresso. Os senhores parlamentares fizeram 19 alterações. E agora começa uma nova ladainha: "Ihhh, os R$ 70 bilhões de economia anunciados por Fernando Haddad não vão se cumprir". Mas então havia uma previsão de economia de R$ 70 bilhões?

Pois é... Fazer o quê? Os valentes descobriram nesta quinta que Lula não vai cair; que o BC não serve apenas para dar aquele choque amigo de juros — para levar a inflação ao lugar aonde nunca chegará — e que o país dispõe de reservas para enfrentar, caso a autoridade monetária cumpra a sua tarefa, "os movimentos atípicos" — que devem ser chamados de crimes no direito penal. Aliás, carregar essas reservas também custa um dinheirão (pesquisem). Servem, entre outras razões, para isso.

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Sim, acreditem, há reaças chorosos pelos cantos porque Roberto Campos Neto — que, em dois anos, falou mais de uma vez como um adversário ideológico do governo em seminários aqui e alhures — disse ontem, na coletiva, ao lado de Gabriel Galipolo, que o Brasil dispõe de reservas e que elas serão usadas, se necessário, para conter o crime... Ops! Ele não apelou à linguagem penal. Parou no "se necessário".

O que vai acontecer nesta sexta? O pacote foi aprovado, mesmo "desidratado", e o BC já anunciou mais dois certames, de US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, para hoje, totalizando, até agora, em dezembro, uma intervenção de US$ 27,760 bilhões. Supera o recorde de março de 2020, durante a Covid: US$ 23,345 bilhões. O vírus da indecência e da impostura também provoca estragos.

A PEDRA NO MEIO DO CAMINHO
Ainda ontem, com o Congresso "desidratando" -- para empregar o vergo que se tornou corriqueiro -- o pacote de corte de gasto de Haddad, havia quem babasse no teclado: "Tudo inútil. O governo não faz o necessário porque Lula não deixa".

Apelo ao velho clichê: as pessoas têm direito às próprias opiniões, mas não aos próprios fatos". Em matéria de gastos públicos e de Orçamento, nada se opera sem a vontade do Congresso, que obviamente se negou a fazer consigo mesmo o que a direita, em seus discursos inflamados, vive recomendando que o governo faça: cortar na própria carne. A proposta original previa o bloqueio, se necessário, de modestos 15% do total das emendas parlamentares, que é de R$ 50,5 bilhões. Como ficou? A restrição, se preciso, incidirá apenas sobre as emendas não impositivas (as de comissão), que somam R$ 11,5 bilhões. Assim, em caso de aperto, os gloriosos parlamentares não contribuirão com já ridículos R$ 7,575 bilhões dos escandalosos R$ 50,5 bilhões de que dispõem, mas com R$ 1,725 bilhão apenas.

De resto, como ficou evidente, o governo foi alvo da chantagem descarada. Ou "pagava" as emendas ou nada feito. Mas Lula segue sendo a pedra no meio do caminho.

ENCERRO
Por alguns dias, com parte considerável da imprensa achincalhando Lula, "uzmecáduz", que "somos noses", sonharam em fazer o que Jair Bolsonaro e os "kids pretos" não conseguiram: depor o presidente. E não pensem que haverá moleza daqui até 2026, que começou na quarta passada.

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Todo acontecimento importante conta com uma personagem periférica que lhe serve de emblema. A pensionista do Exército Maria Cristina de Araújo Rocha levou até a casa de Lula em São Paulo, na quarta, uma coroa de flores própria de velório. Chegou a dizer: "A única movimentação da direita fui eu que fiz". Estava enganada. O mau espírito que a movia, por incrível que pareça, baixou também em reportagens, colunas e até em editoriais. Lembram-se? Os médicos anunciaram que o presidente seria submetido a uma embolização, e a moeda americana despencou.

Afinal, se a culpa por todo o mal e pelo dólar a R$ 6,27 era de Lula, tudo estaria resolvido se lhe pudessem enviar uma coroa. Pois é... Que busquem o Bell'Antonio. Parece que não será assim tão fácil.

PS: Não pense que eles desistiram. Leiam os "analistas" com seus braços cruzados, que posam de braços cruzados e olhar severo... Os urubus continuam a passear entre os girassóis.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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