Reinaldo Azevedo

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Opinião

Farsa do Pix: em ação, justificadores e justificadoras da lógica do estupro

Estou de volta. Nesta segunda, às 13h, recomeça o "Olha Aqui" neste UOL. Às 18h, retorno ao programa "O É da Coisa" na BandNews FM e no BandNews TV.

Vamos bagunçar um pouquinho o coreto do reacionarismo dos extremistas de centro — e, por suposto, dos de direita. "Não vai bater no extremismo de esquerda, Reinaldo?" Tivesse ele relevância no debate e pudesse alterar, por exemplo, o destino de votações no Congresso ou colaborasse para fazer os preços "duzmercáduz", certamente teria aqui o destaque merecido. Enquanto for apenas um fantasma brandido por reacionários para justificar suas próprias iniquidades, assim será tratado: como um fator superestimado da luta política a conferir verossimilhança às hipocrisias da reação. Por uma questão de rigor intelectual, note-se: isso não implica que a extrema-esquerda esteja sempre errada. Inafastável é a evidência de que a extrema-direita nunca está certa. Mas isso fica para outra hora. Sigamos.

O objeto deste texto é a mentira que os bolsonaristas inventaram sobre o Pix e o tratamento dispensado ao caso por certo tipo de jornalismo — ou que nome tenha — e por certo colunismo que se mostra apocalíptico quando se trata de atacar o governo petista, mas integrado ao revisionismo absolutório dos crimes cometidos por Jair Bolsonaro e sua turma.

Cuidado! Parte da imprensa resolveu adotar, no domínio da política, a estrutura de pensamento e a lógica que condescendem com estupradores e que punem moralmente pessoas estupradas pelo crime de que são vítimas. Pois é... Este é o país em que vieram à luz duas PECs pró-estupro. Uma prevê pena de prisão à mulher violada superior àquela a que seria submetido o violador — se preso e condenado. A outra, na prática, legaliza a pedofilia, mas não em qualquer caso: apenas se a criança engravidar. É a terra devastada. Este é o país, em suma, em que um deputado chegou a afirmar que não estupraria uma colega porque ela não seria merecedora de tal "dádiva". Ele se tornou presidente da República sem responder pelo crime de apologia do estupro. "A cadela do fascismo está sempre no cio".

"Tomou muito sol na testa, Reinaldo? Esqueceu de usar boné, e o cérebro derreteu?" Não. Um juízo, qualquer um, pode ser submetido à sua essência estrutural, independentemente dos protagonistas e antagonistas da "narrativa" — palavra que é aqui empregada em seu sentido denotativo, não como sinônimo de mera versão, geralmente falsa, a exemplo do que fazem os fascistoides.

O CASO
Bolsonaristas, notadamente o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), como sabem, falsificaram o sentido e o propósito de uma normal da Receita Federal sobre o Pix e espalharam a mentira de que o governo usaria essa modalidade de pagamento para quebrar o sigilo bancário dos usuários e para implementar uma taxação do serviço.

A farsa "pegou". Nas duas primeiras semanas de janeiro, houve uma queda de 15,3% nas transações bancárias desse tipo. Entre dezembro e 16 de janeiro, diga-se, o "UOL Confere" desmentiu nada menos de 19 notícias falsas sobre economia que se espalharam nas redes. É claro que não se mente de graça. Há sempre uma razão. Os que usam "fake news" como instrumentos no debate público estão em busca de benefícios econômicos ou políticos — ou ambos.

Para espanto da decência, mais o governo apanhou de setores importantes da imprensa, incluindo alguns e algumas "analistas", do que a canalha. Houve até quem elogiasse, acreditem!, a esperteza do tal Nikolas. Esse rapaz "operoso" estaria, segundo essa versão, apelando a expedientes que seriam próprios da política. Pouco importa se o que espalhou era verdade ou mentira. Os teóricos do "bolsonarismo moderado" decidiram naturalizar a esbórnia. No caso de fazerem alguma reprimenda, prestem atenção!, a delinquentes, esta sempre vem acompanhada de um ataque feroz à esquerda. Assim, o bolsonarismo até pode não prestar, mas a culpa sempre será dos... petistas.

Brotou um impressionante caudal de textos e comentários não a pedir a punição aos criminosos — embora dissessem que aquilo era coisa feia, claro! —, mas a especular sobre a razão de a mentira ter prosperado. Um raciocínio mazelento, constituído de valores escabrosos, só pode levar a uma conclusão repugnante. E ela veio: "Ora, se colou, então é porque o governo já estava com problema. Tivesse boa reputação e fizesse as coisas direito, a patranha de Nikolas e de sua corriola não teria vicejado".

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É um espanto. É um despropósito. É uma vergonha.

Se há problemas no governo, e há, que sejam apontados! Todos nós, felizmente, somos absolutamente livres para fazê-lo — liberdade, observe-se, que só foi preservada porque os golpistas das "fake news" perderam aquela batalha. Inverter o ônus da responsabilidade ou da culpa num caso assim é evidência de que também a imprensa foi atingida pela corrosão de valores que hoje vulnera democracias mundo afora.

NAUSEANTES
Insisto: trato aqui de um modo de pensar; da estrutura de um juízo de valor, de sua ossatura. Assim pensam aqueles que sustentam que, de algum modo, a culpada por um estupro é a vítima: "Estava de minissaia, bebeu demais, foi aonde não devia..." Nessa perspectiva, o estuprador, a exemplo dos mentirosos do Pix, é apenas um caçador de oportunidades. Se a mulher não der mole, sustenta o postulado sórdido, o ataque não acontece. Da mesma sorte, apontam o jornalismo e o colunismo borbulhosos, se o governo Lula não fosse, como dizem, incompetente, a falcatrua do Pix não teria se expandido.

Não me espanta, por óbvio — e tratarei do tema em outros textos a este relacionados —, que a insídia tenha se espalhado nas redes. Especialmente nauseante é o fato de a imprensa profissional — que deveria ser um dos radares da democracia liberal ao menos — se prestar a um papel que, tudo bem pensado, a reduz à condição de subalterna das redes.

De fato, a colonização do ambiente virtual pela extrema-direita chegou a essa imprensa profissional de que falo. Os "pensadores" da "pós-democracia" ganharam assento como teleologistas de um novo amanhecer das trevas reacionárias: "Se o povo quer linchar, fazer o quê?". E há aqueles e aquelas que, não sendo porta-vozes dessa alvorada do terror, deixam-se intimidar por ela. E, de súbito, lá estão eles e elas a endossar a metafísica do estupro. Se o fazem na política, por que agiriam de outro modo em outros campos da experiência?

Na raiz dessa descida da imprensa aos infernos, está a questão eleitoral e a inexistência, até agora, de um "extremista de centro" em condições de vencer Lula em 2026. Dá-se, desse modo, a aliança objetiva entre esse centrismo afascistado e os fascistoides eles próprios. Atentem, a propósito, para um novo vetor da depredação da política: o pesquisismo especulativo.

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Sim, o assunto não se esgota aqui.

Voltei.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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