Reinaldo Azevedo

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Opinião

Farsa do Pix 2: Extremismo de centro e cavaleiro sem nome que vem da poeira

Escrevi um primeiro texto sobre a farsa do Pix, em que tratei dos justificadores e justificadoras da lógica do estupro. Demonstrei que, em relação ao governo Lula e em matéria que diga respeito à política e ao confronto entre progressistas e reacionários, amplos setores da imprensa, com destaque para colunistas e "colunistos", não hesitam em justificar o crime, em passar a mão na cabeça dos delinquentes e, diante do malfeito evidente, constatar: "A vítima também não é inocente". Parece haver uma competição entre os lacradores da reação para saber quem leva a medalha da aberração.

Nesse primeiro texto, apelei a uma expressão que criei há bastante tempo já e que pretendo retomar aqui: o "extremismo de centro". Com variações dentro da margem de erro, a avaliação do governo aferida por institutos de pesquisa se divide em três terços: um aprova, outro reprova e outro acha mais ou menos. Ainda assim, nas simulações para 2026, Lula venceria todos os, por ora, possíveis adversários. E também bateria o oponente impossível: Jair Bolsonaro. Este não será candidato. Seu destino é uma inelegibilidade que vai muito além de 2030, com direito a uma cela de cadeia em que se respeitam os direitos humanos, depois de condenado em ações penais.

É evidente que o governo Lula está muito longe do desastre anunciado por seus adversários profissionais — os políticos de oposição — e pelos porta-vozes ou de interesses contrariados ou de aspirações que, dado o atual arranjo de poder, não se realizarão na dimensão pretendida. Em muitos aspectos, especialmente para estes a que chamo "uzmercáduz", o governo Bolsonaro era um parque de diversões.

Paulo Guedes se entendia com os donos do dinheiro, e o golpista-chefe podia brincar à vontade no seu trem fantasma. A evidente deterioração democrática do período não preocupava a rapaziada. Tanto é assim que Bolsonaro seguiu sendo o preferido da turma. Seria de novo em 2026 se disputasse. Esses bravos também têm uma queda irresistível por Pablo Marçal... O que tenho a lhes dizer? Que sigam o conselho do ET Bilu: "Busquem conhecimento".

Ocorre que essa gente domina o chamado "jornalismo econômico", expressão que me parece imprópria. Não há pluralidade nem de pontos de vista nem de interesses setoriais. Um exemplo banal? Quando o BC anuncia um choque de juros, os economistas que trabalham para a indústria ou os acadêmicos não são ouvidos com o mesmo interesse dispensando aos porta-vozes "duzmercáduz" — quando ouvidos. Aquilo que deveria ser uma cobertura jornalística se comporta como a expressão de um "lobby".

POLARIZAÇÃO?
O mau humor nessa área, com opinadores a anunciar um apocalipse por dia, contaminou também a cobertura política. Embalados pela tese picareta da "polarização" -- afinal, o governo centrista de Lula não é polo aposto à extrema-direita bolsonarista --, criou-se no jornalismo político a ânsia de uma era "pós-Lula e "pós-Bolsonaro", como se essas duas personagens tivessem sequestrado o destino do país e os políticos.

Ainda que eu considere que o lugar de Bolsonaro é a cadeia, é ele, por enquanto, a ditar os rumos da direita no país à medida que lidera, com a habilidade requerida para ser a referência dessa gente, a extrema-direita. Lula, por seu turno, não obteve a condução do campo progressista na base do chicote. Aliás, nessa seara ideológica, ele não se poupou de vários sacrifícios. A tentativa de destruí-lo resultou, por exemplo, numa prisão de 580 dias em razão de uma condenação sem provas, decidida por um juiz incompetente e suspeito.

Há uma espécie de frenesi — e algumas pesquisas malandras fazem um esforço danado, torturando os números para que confessem a tese da pós-polarização — para que se declare, então, um "Basta!". O Brasil teria, nessa perspectiva, de virar a página do lulismo e do bolsonarismo.

"Mas você quer ficar preso ao Dia da Marmota, Reinaldo?" Eu apelo a instrumentos de leitura política, não a feitiçarias e a esse papo-furado de "eras". Existe uma direita não golpista no Brasil, como costuma haver nas democracias. Goste eu dela ou não, a mim me basta que reconheça as regras do jogo, que atue dentro da esfera legal e que vença ou seja vencida no voto. E há uma extrema-direita fascistoide e criminosa, justamente a "cadela sempre no cio do fascismo", como escreveu Brecht. Entendo que seu lugar é a cadeia.

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Jornalistas, colunistas e a imprensa como um todo façam o que lhes parecer melhor. Obviamente não estou a propor uma disciplina das leituras e das percepções. Até compreendo que muitos sonhem com o Cavaleiro Centrista Ainda Sem Nome que vem das névoas do desejo ou que se vai revelando na poeira, como num filme de Sergio Leone, com trilha de Ennio Morricone...

Se os extremistas de centro começam a naturalizar o crime, no entanto, como aconteceu no caso das mentiras sobre o Pix, e passam a atacar a vítima, então é preciso convir: não sonham exatamente com um candidato centrista, não é mesmo? Para derrotar Lula e o PT, mostram-se dispostos a condescender também com os fascistoides, a exemplo daquela turma "duzmercáduz".

Trata-se de um acanalhamento do jornalismo político como ainda não vi depois da redemocratização. Isso, sim, lembra aquela imprensa que apoiou e deu suporte ao golpe em 1964. Sob o pretexto, é claro!, de preservar a democracia. Mas isso até o AI-5 trazia em seu preâmbulo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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