Farsa do Pix 3: Dias perigosos por aqui e além-fronteiras; o jogo se aclara

Nos dois primeiros textos em que tratei da farsa do pix (aqui e aqui), evidencio que vivemos dias bastante perigosos também nos terrenos da moral e da ética. Se o que nos aguarda é o caos, bem, isso não sei. Não me foi dado o dom da adivinhação. É inegável que autoritários e afascistados explícitos se movem com desenvoltura nas redes e as dominam. O que é relativamente novo, insisto, é a acolhida crescente que essa gente encontra na imprensa profissional — não apenas no Brasil, mas notadamente aqui.
Alguns analistas de esquerda podem contestar a afirmação e sustentar que tal imprensa sempre oscilou num orbital entre conservador e reacionário — reservando à cultura, quando muito, alguns rasgos de contestação ao "statu quo". A crítica é pertinente: ela, com efeito, apoiou, por exemplo, quase unanimemente, o golpe dito "saneador" de 1964. Mas também é verdade que, dos estertores da ditadura militar a esta data, abraçou os cânones da democracia liberal.
AS REDES
Ocorre que o Brasil existe no mundo, e os tempos andam... iliberais. Já se produziram livros à mancheia sobre as razões da guinada reacionária. Não faz tempo, ainda se especulava se as redes sociais -- que são o "serviço visível" das "big techs" -- tinham ou não um papel central nesse movimento. Depois que Mark Zuckerberg resolveu ser a segunda voz de Elon Musk, não há mais espaço nem para a dúvida razoável. A conversão, estrepitosa e até desajeitada, do dono da Meta ao governo Trump, oferecendo-se para ser seu estafeta, é um vexame inédito, além de reforçar uma ameaça civilizatória.
A genuflexão barulhenta, no entanto, tem um aspecto positivo: torna o jogo mais claro. Essa gente diz o que pretende e que tipo de sociedade quer construir. Ninguém mais pode alegar ignorância. Foi para o ralo, por exemplo, a tese da autorregulação das "big techs" como alternativa a uma decisão do Estado democrático. Os potentados deixam claro: o negócio deles é o vale-tudo à moda Dana White (conselheiro da Meta e de Trump) sobre qualquer assunto.
Com aparência bem pouco viril, destaque-se, "Zuck" disse no podcast do reaça Joe Rogan que o mundo precisa de mais energia masculina. Guerra Rússia-Ucrânia; massacres na Faixa de Gaza, no Líbano e no Iêmen; as rotas do terror na África subsaariana... Não bastam os corpos empilhados. O cara sente falta do suor e do chulé da impostura misturados ao sangue dos inocentes. Foi além: evocando seu aprendizado no MMA e no jiu-jítsu, disse gostar da sensação de que ele próprio poderia matar uma pessoa.
Não tem pinta de que enfrente uma barata sem a ajuda de seus seguranças. Suas redes, não obstante, já mataram crianças, razão por que ele se desculpou, em janeiro do ano passado, com os pais dos jovens mortos em pleno Congresso Americano. Tudo indica estar arrependido de ter simulado alguma decência...
RETOMANDO O FIO
Evoco a questão das redes e das "big techs", reitero, para caracterizar os dias que chamei "perigosos". Vejam a pancadaria a que foi submetido o STF nos mesmos setores da imprensa que flertam com "estupradores estruturais" porque o tribunal ousou deixar claro, apelando à metáfora já aqui exposta, que o "MMA político e ideológico" promovido por essas gigantes é incompatível com a Constituição. Dana White, Elon Musk e agora Zuckerberg não são nossos guias. A X e a Meta estão a evidenciar que o Artigo 19 do Marco Civil da Internet é uma corda no pescoço dos direitos fundamentais. Quanto podemos queimar de nossa institucionalidade para que o chefão da Meta e seus "parças" compensem a sua carência de energia masculina?
É evidente que isso tudo constitui uma camada de glacê intragável, fantasiada de guerra cultural, a recobrir embates que são de natureza econômica. Donald Trump toma posse nesta segunda e ninguém tem o direito de duvidar daquilo que ele próprio anuncia como desiderato de seu governo. O movimento "MAGA" (Make America Great Again) pressupõe que países abram mão de sua soberania — e isso é dito sem nenhum constrangimento — em benefício dos interesses dos Estados Unidos. Em vez da diplomacia, ameaças.
Zuckerberg, aliás, até de modo um tanto abobado, escancarou esse novo tempo. Naquele pronunciamento em que anunciou, na prática, a liberação dos discursos de ódio, afirmou:
"Os Estados Unidos possuem a mais forte proteção constitucional para liberdade de expressão do mundo. A Europa tem cada vez mais leis que institucionalizam a censura, tornando muito difícil a inovação lá. Países da América Latina têm 'tribunais secretos' que podem ordenar que empresas silenciosamente retirem conteúdos das plataformas".
Está claro: o rapaz que se ressente da falta de mais testosterona no mundo entende que a institucionalidade americana é a medida do bem universal. Mas, obviamente, ele não está disposto a vencer apenas com argumentos. Disse que vai apelar a Trump para que empresas americanas não sejam, como dizer?, "molestadas" por legislações locais. Em tempos de multipolaridade, Zuckerberg dá as mãos a Elon Musk, o que passou a apoiar abertamente um partido neonazista na Alemanha, para impor a vontade de uma só Roma às terras conquistadas... Bem, não será assim. Não existe mais um mundo unipolar. Mas, parece, haverá sortilégios.
ENCERRANDO
Tudo indica que dias turbulentos vêm por aí. A obsessão por um Brasil pós-Lula de alguns setores que se pretendem democráticos os impede de ver qualquer virtude no governo e os leva a ser condescendentes com práticas criminosas na ânsia de ver realizado o seu desejo -- na lei ou na marra.
Os ventos que chegam de fora, a partir deste dia 20, têm tudo para ser hostis e trazer más notícias. Sim, é bom que a gente se lembre que um golpista está voltando à Casa Branca e que a institucionalidade deficiente dos Estados Unidos foi incapaz de contê-lo. Várias áreas do Estado americano foram entregues, sem subterfúgios e receios, a negociantes. Trump lançou a sua própria criptomoeda para celebrar a retomada da Casa Branca... É claro que o Brasil será parte, então, do plano de negócios dessa nova e poderosíssima, no que concerne à captura do Estado, "República das Bananas".
A nossa resposta? O respeito à Constituição. À nossa, não à dos Estados Unidos. E que não se confunda a democracia com o inexistente direito de fraudar a democracia.
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