Reinaldo Azevedo

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Opinião

Há conciliação no Congresso, mas "polarização" no Brasil? Isso faz sentido?

O novo comando do Congresso está mais alinhado com o governo e com o campo progressista ou se tornou mais reacionário? Há leituras, chutes e desejos para todos os gostos. Hugo Motta (Republicanos-PB) parece uma figura menos autocrática nos modos do que Arthur Lira (PP-AL). Talvez seja mais caroável e mais econômico nos sinais exteriores de poder. Pouca coisa muda na Câmara, no entanto, no que respeita à representação de forças na composição da Mesa. Já o Senado se deslocou para a direita porque o PL e os bolsonaristas fizeram, do seu ponto de vista, a opção sensata, ainda que eu os preferisse alijados das comissões e da Mesa: fecharam com Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e terão o comando de áreas importantes. Desta vez, não bateram chapa com um nome apoiado pelo Planalto e pela esmagadora maioria do Centrão.

O conjunto anuncia o fim dos tempos para o governo, como se afirma aqui e ali? Fácil não será. Mas era antes? O fato é que a "conciliação nacional" e o "fim da polarização" (essa palavra besta...) poderiam, então, se traduzir agora no Parlamento: vejam lá que maravilha! PT e PL a endossar o mesmo arranjo, como se agora sobreviesse a paz perpétua. E isso é falso, certo?

O Legislativo divide com o Executivo os recursos da governança sem cuidar das entregas. O que fez, a propósito, o ministro Flávio Dino, do STF, em razão de ação impetrada pelo PSOL? Cobrou transparência apenas. Notem que ele nem exigiu que os gastos sejam eficazes, que estejam devidamente estruturados em programas, que façam sentido... Nada disso. Não pode fazê-lo. Ele só quis o "quem, quê, quando e onde". Os porquês ficaram longe de seus despachos porque isso, considera, é matéria para a política. Observo à margem: estou entre os que entendem como inconstitucionais as emendas impositivas. Digamos que a maioria da Corte pensasse o mesmo e pusesse fim ao expediente. Seria um terremoto político.

O fato é que as coisas não podem continuar como estão. E quero sair do conteúdo genérico e indignado da frase, própria dos que odeiam a política e os políticos — não é o meu caso; sem política, só resta a porrada — para o terreno da realidade. Por que muitos têm a ilusão de que o Congresso encarna hoje as virtudes da moderação, com lulistas e bolsonaristas votando nos mesmos nomes? Porque o Legislativo se transformou num ponto de ancoragem de todas as demandas e lobbies do país — até aí, é assim no mundo inteiro. Ocorre que nosso Parlamento é o único do mundo com muitos bilhões para gastar em ações executivas. Para que saibam: os regimes parlamentaristas separam a esfera da governança propriamente das ações legislativas.

Não ignoro que coisas importantes foram votadas pelas Casas no biênio passado: arcabouço, reforma tributária, um pouco mais de justiça fiscal, com o fim de algumas isenções pornográficas. É um avanço. Mas também se perpetraram barbaridades com a farra das emendas e, para isso, não se vê solução à vista ainda que venham a ser, o que duvido, exemplos de transparência. No que respeita à distribuição de recursos, o Legislativo não pode continuar a ser uma espécie de Executivo paralelo. É preciso ser muito distraído para não perceber que os antigos escândalos envolvendo empreiteiras e agências de publicidade, por exemplo, se deslocaram para as emendas. Sem prejuízo de que um tanto do dinheiro chegue na ponta, a verdade é que se tem um mecanismo perverso de financiamento da política e dos políticos — além da roubalheira.

Alguém tem esperança, ainda que remota, de que vai baixar o bom senso por lá nesse particular? "Ah, gente, não dá mais! Nós somos o Poder Legislativo. A gente decide e vota o Orçamento, mas não nos cabe executá-lo. Os recursos que passam por aqui são pulverizados ao arrepio de programas estruturados em benefício do povo brasileiro. Os melhores de nós se tornaram vereadores federais; os piores, sabem como é?, sempre dão um jeito de enviar dinheiro para uma ONG amiga, que só existe no papel, ou para empresas estranhas de gente esquisita, que, não raro, nem têm expertise para executar os programas que estão no papel".

Isso não vai acontecer. E não estou aqui a dizer que inexistam dezenas, talvez passem de centena, de parlamentares que reconhecem as aberrações em curso e gostariam de, sinceramente, mudar a escrita. Mas são uma minoria, sem poder ou influência para mudar a ordem das coisas. Ou por outra: as emendas impositivas seguirão impositivas. Mesmo as de comissão, que não têm essa característica, acabam sendo enfiadas goela abaixo do governo. Então fazer o quê?

Precisamos debater uma saída desse que é um sistema de governo impossível, talhado para dar errado. O Congresso tem de começar a responder pelas escolhas, também as orçamentárias, que faz. E hoje não responde. Querem um caso que nem tem a ver com emendas? Sem a absurda desoneração do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), o país teria feito superávit primário no ano passado...

Chegou a hora de debater o semipresidencialismo ou semiparlamentarismo, a depender do ângulo que se escolha. Se o Congresso quer o bônus das emendas, têm de ter o ônus das escolhas. Se lulismo e bolsonarismo são inconciliáveis no Executivo por justas razões, não parece razoável que se juntem para escolher o comando do Legislativo sem que isso nos provoque a inteligência: "Nesse caso, as diferenças não contam por quê?"

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Lula entre Hugo Motta (Republicanos) e Davi Alcolumbre (União Brasil), presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado. A promessa é de parceria
Lula entre Hugo Motta (Republicanos) e Davi Alcolumbre (União Brasil), presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado. A promessa é de parceria Imagem: Fábio Rodrigues/Agência Brasil

PARA PENSAR
Ainda se voltarei ao tema, mas vamos lá: progressistas tendem a recusar o semipresidencialismo porque entendem -- e Lula seria o próprio exemplo -- que um país pode eleger um presidente progressista, mesmo com um Congresso conservador. Avaliem até onde Lula não é a exceção provavelmente irrepetível. Lembre-se dos menos de dois pontos que o distanciaram de Bolsonaro em 2022...

Entendo que o pior regime que pode haver é o de um presidente fraco — refiro-me a cenários futuros —, subordinado a um Congresso com superpoderes, mas sem a obrigação de responder pelo eventual insucesso de políticas públicas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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