Reinaldo Azevedo

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Opinião

Dólar a R$ 5,75 com a retaliação da China? 'Uzmercáduz' erram ou especulam?

O dólar chegou a R$ 6,27 no dia 18 de janeiro. Na madrugada de 19, escrevi neste UOL uma coluna intitulada "2026 começou nesta 4ª com dólar a R$ 6,27. Ou: Bell'Antonio da delinquência". É claro que havia uma aposta, organizada ou não — isso é irrelevante — na desestabilização do governo Lula, com vistas à sua substituição, fosse pelas heterodoxias, para ser ameno, que derrubaram Dilma, fosse pela via da legalidade eleitoral em 2026. Se o governo chegar rastejando à eleição, triunfa um "Bell'Antonio" com o qual sonha o mercado: terá muita pose e pouca efetividade; se não governar e deixar a economia para um preposto, como já se viu, melhor! Até Gusttavo Lima já conta com lobby organizado. Imaginem um Bukele que rebola. O mundo está virando um lugar muito perigoso. E o Brasil também.

Paguei de ignorante neste UOL diante de tantos "sábios" neste Brasil, expressando meu inconformismo: não entendia a razão da disparada do dólar só porque "uzmercáduz" haviam considerado "tímido" o pacote de gastos, coisa de que discordei — e certamente concordarão comigo os que tiverem um reajuste do mínimo menor do que o previsto nas regras anteriores, por exemplo —, e porque Lula manifestara a intenção de isentar do IR quem recebe até R$ 5.000. Note bem: intenção!!! Não era uma medida do pacote. Sem compensação para neutralizar fiscalmente o efeito na arrecadação, nada de isenção.

Aconteceu de o dólar disparar. E não dava sinais de recuo. E o presidente era vergastado dia sim, dia também. No meio da algaravia, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, afirmou que o país cumpriria, sim, a meta fiscal. Foi ignorado e tratado como zero à esquerda e lunático. E a pancadaria comendo solta. Há uma urgência, que já identifiquei aqui, de o "extremismo de centro", "virar a página do Brasil", como se diz lá entre eles. Na cabeça dos bravos, o ideal é "nem Lula nem Bolsonaro; sem polarização!" É uma delinquência porque iguala democratas a defensores e militantes do golpe e da ditadura. Adiante.

Os sábios seguiam antevendo o fim dos tempos. E o motivo era arreganhado todos os dias por "analistas" de uma nota só: sem uma resposta imediata à trajetória da dívida, nada feito! E ponto. Importante deixar claro que as expectativas negativas sobre "as tarifas de Trump" elevaram o dólar mundo afora, não só no Brasil. Mas aqui a valorização foi maior.

Aí o Imperador Decadente do Norte, o tal Trump, assume. A imposição de tarifas começa a andar de lado. O dólar dá uma recuada no mundo, mas começa a cair no Brasil de forma mais evidente porque aquele movimento estúpido "duzmercáduz", de meados de dezembro a meados de janeiro, tinha de começar a recuar. Hoje é o 15º dia de mandato de Trump, e o dólar cai há 12. Fechou cotado a R$ 5,75... Um luminar de um bancão disse há menos de três semanas que esse valor só seria atingido se o governo anunciasse um outro corte grande de gastos... Ainda bem que essa gente não bate pênalti. Ou seria sete a zero todo dia!!!

Nunca ninguém conseguiu responder nem vai: se o dólar a estúpidos R$ 6,27 decorria dos riscos fiscais no Brasil, por que ele cai a R$ 5,75 porque Trump anda um tanto de lado nas tarifas??? E no dia em que a China anuncia um contra-ataque que compreende até limite a exportações? Que lógica tem isso? Qual o sentido? "Ah, não seja ignorante..." Ok. Não serei. Que os sábios que justificavam aquela sem-vergonhice então expliquem, ora... Mas não vão.

Trump? Ainda acho que a participação de André Esteves, fundador e presidente do conselho do BTG Pactual, em Davos impactou mais a queda do dólar do que Trump... Por quê? Afirmou o banqueiro no dia 21 de janeiro: "Não temos déficit relevante em conta-corrente, e temos reservas internacionais altas. Não vejo nenhum grande desequilíbrio macroeconômico; só precisamos ser um pouco mais disciplinados para abrir algum espaço para investimento público, que ainda é muito baixo." Lembrou ainda que o financiamento da dívida brasileira é quase todo doméstico. O início da queda coincide com a sua fala. "Ah, mas Trump havia assumido no dia anterior..." Bem, parece-me razoável que a serenidade ou a histeria de um grande player do mercado no Brasil possa interferir mais na opinião "duzmercáduz" do que essa conversa sobre tarifas e dólar.

Em suma: nada justificava aquela loucura de meados de dezembro a meados de janeiro. A maluquice em alguns nichos era tal — e, em certa medida, ainda é — que o dólar ameaçou um repique de alta em 30 de janeiro, dia seguinte à nova elevação de um ponto na Selic. E se sabe que haverá a terceira dose. No comunicado inicial, o Copom avisou que a jornada altista não acabou. Mas houve quem visse, sei lá por quê, certa leniência. A coisa não se sustentou, e a moeda americana acabou fechando em queda naquele dia. Mas os insanos tentaram emplacar a tese.

No dia 31, veio a evidência de que o governo cumpriu a meta fiscal, com déficit de apenas 0,09% do PIB. Sem as ações desavergonhadas de setores do Congresso em favor das desonerações relativas ao Perse e aos tais 17 setores, teria havido superávit. Sim, é preciso pensar na trajetória da dívida e coisa e tal. Mas cadê o abismo? Os que se manifestam como "especialistas" e anteveem o caos ou não sabem do que falam ou estão usando a imprensa para fazer negócios.

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RECONVERSA
Assistam à entrevista do economista Paulo Gala, professor da FGV, ao podcast "Reconversa". Não! Ele não flerta com a inflação. Não é um "heterodoxo". Mas reconhece também as virtudes da economia brasileira e, claro!, diz que a reação dos mercados ao pacote fiscal do governo não se justificava. Até porque havia uma elevação do dólar em todo o mundo.

Na coluna de Miriam Leitão no Globo online desta terça, encontro a opinião de André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online:
"O dólar se valorizou muito em relação ao real em dezembro. Uma parte importante era fiscal, mas uma parte também, que não é desprezível, também relevante, vinha de questões internacionais."

Ou seja: a valorização do dólar mundo afora em razão dos temores sobre ações de Trump também havia chegado ao Brasil, como nota Gala.

Miriam, parece, fez a ele pergunta semelhante à que faço aqui e no programa "O É da Coisa" todos os dias: se a moeda americana subia em razão de questões fiscais domésticas, o que mudou para que houvesse queda tão consistente?" E ele dá a seguinte resposta:

"Eu disse bastante ao longo do último trimestre de 2024 que a reação do mercado às questões fiscais era desproporcional. Era justificada, mas era desproporcional. E agora tem esse ajuste, muito maior do que nós esperávamos. Não imaginava o dólar abaixo de R$ 6 nesse primeiro trimestre, inclusive achava que essa largada, esse começo do governo Trump, seria muito ruim para as moedas [de países] em desenvolvimento, que acabou não acontecendo."

Segundo ele, a queda do dólar também tem a ver com a questão interna:
"Não é surpresa para mim, mas talvez para uma parte do mercado foi surpreendente chegar a 0,09% de déficit do PIB. Agora, o governo precisa se esforçar para enviar mensagens mais contundentes de que o arcabouço fiscal para em pé no longo prazo."

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É isso. Se o catastrofismo perde, ganha o Brasil.

Como num poema de Jacques Prévert, todos somos mercados: "o asno, o rei e eu". Mas a gente faz preço? Nem eu nem o asno. Aliás, numa monarquia constitucional, nem o rei.

Ah, sim: "E se o dólar voltar a subir"? As explicações que foram dadas continuarão erradas.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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