STJ rejeita a tese do 'racismo reverso'. Branco é discriminado no Brasil?
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A muitos parecerá coisa de menor importância nestes tempos estúpidos, mas não é. O STJ, por intermédio de um voto impecável do ministro Og Fernandes, rejeitou a tese do "racismo reverso" num caso em que um homem negro, sentindo-se lesado numa questão trabalhista, chamou o empregador de "escravista, cabeça branca europeia". O Ministério Público de Alagoas pediu a abertura do processo para investigar a "injúria racial" do negro contra o branco". Parece piada ou pegadinha, mas é verdade.
Fernandes, corretamente, observou que o crime de injúria racial protege grupos historicamente subalternizados:
"Não é possível acreditar que a população brasileira branca possa ser considerada como minoritária. Por conseguinte, não há como a situação narrada nos autos corresponder ao crime de injúria racial".

O ministro também lembrou que a interpretação da norma para crimes raciais refere-se a "qualquer atitude ou tratamento dado a pessoa ou a grupos minoritários que causem constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida — e que usualmente não se dispensaria a outros grupos — em razão da cor, etnia, religião ou procedência".
Não me diga, meu caro branco, que já olharam torto para você em razão do incômodo causado pela cor da sua pele. Ou que já o trataram, de algum modo, como inferior por isso. Ou que você se zanga quando ouve por aí que "branco, quando não caga na entrada, caga na saída". Ou que, num restaurante chique, um desavisado negro, até de boa alma, lhe passou a chave. Nem é culpa do distraído, né? Manobristas de casas assim costumam ser brancos servindo a uma maioria de negros, não é isso? Ora...
O Brasil tem uma maioria de negros (55,5%) — um conceito necessariamente político, além de necessário —, somando-se, nas categorias adotadas pelo IBGE, os pretos (10,2%) e os pardos (45,3%). Comparativamente, os brancos são minoria: 43,5%. O "minoritário" a que se refere o ministro e de que se cuida aqui não remete necessariamente à quantidade. As mulheres, no Brasil, embora maioria na sociedade, são uma minoria no Congresso Nacional, nos cargos públicos, na cúpula das empresas públicas e privadas e têm salários menores.
O crime inexistente de "racismo reverso" seria o correspondente, no que respeita às questões de gênero, à "misandria", que é a discriminação, repulsa e aversão a homens. É claro que até pode existir aqui e ali, detestável como todo preconceito. Mas indago: trata-se um de problema social ou político? Todos conhecem a resposta.
No caso que motivou a ação que chegou ao STJ, que se estudasse alguma outra imputação. Mas o MP de Alagoas houve por bem sustentar a tese absurda.
É evidente que há milhões de brancos pobres no Brasil. Mas o "ser branco" não representa qualquer risco adicional de agravo. Assim como a chance de um homem heterossexual ser especialmente molestado em razão de tal condição é remotíssima, na hipótese de que exista. "Mas tais pessoas não podem ser ofendidas?", dirá alguém. Bem, certamente há outas imputações fora dos tipos penais e das leis que protegem aqueles que tiveram "minorizados" os seus direitos. É disso que se cuida.
Nestes dias, a questão é importantíssima. Nos EUA, Trump promove uma verdadeira guerra às minorias e desmontou as políticas voltadas para "igualdade, equidade e diversidade" (IED). Esses critérios buscam incluir pessoas levando-se em conta etnia, gênero, deficiência e orientação sexual em razão do acumulado histórico de discriminação e injustiça. O discurso contra a inclusão mobiliza a extrema-direita também no Brasil. Se você é do tipo que não entende por que é injúria racial chamar um negro de macaco, mas não um outro de "branco azedo" ou de "barata descascada", bem, você ainda não compreendeu que os crimes de racismo ou de injúria racial — ou ainda misoginia ou transfobia — não se confundem com afrontas injuriosas, difamantes ou mesmo caluniosas, ainda estas que venham a merecer reparação.
Racismo, misoginia, homofobia, transfobia e afins são manifestações que despersonalizam o alvo da ofensa: ao se atacar um, atacam-se, na verdade, "todos os daquele tipo". E, no caso, nem mesmo eventuais qualidades excepcionais de um indivíduo são suficientes para distingui-lo dos de seu grupo — que é sempre o verdadeiro alvo das invectivas. Tomem o caso de Vini Jr: é um jogador excepcional em qualquer corte que se faça. E daí? Seu espetacular talento deixa especialmente enfurecidos os que gostariam de vê-lo humilhado em razão da cor da sua pele porque, racistas que são, entendem que deve ser tratado "como um negro". Dadas as suas virtudes técnicas, seria um herói se branco fosse, acima de outros brancos. Sendo quem é, então, torna-se um vilão e uma espécie de usurpador de privilégios descabidos. Sua expertise é entendida como arrogância e ofensa.
"Racismo reverso"? Isso é uma aberração, típico de gente que sai pregando por aí o "Dia do Orgulho Hétero"...
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