Falácias sobre a anistia aos golpistas. E a fala de Gilmar: 'Sem transigir'

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A conversa mole sobre a anistia aos golpistas ganhou mais tração com as declarações do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do ministro da Defesa, José Múcio. Ainda que com diferenças de assento, ambos resolveram deixar de lado a lei e se dedicar a um debate, vamos dizer, escolástico sobre o que seria um "golpe de Estado".
Que besteira! Poderiam ter recorrido ao Código Penal, aos fatos e aos protagonistas do 8 de janeiro, alguns deles já condenados. Houvesse dúvida razoável, ela desapareceria. Como não há, e ambos estão apenas fazendo política, cumpre ao analista observar: "Eles estão apenas... fazendo política". O deputado precisa fazer mesuras a um dos lados que o elegeram. O ministro, que fala por Lula junto aos militares, deve achar, numa avaliação despropositada, que, ao se mostrar um "moderado", contribui para distensionar a política.
Ocorre que aquele que prega, seja deputado ou ministro, condescendência com golpista, não é nem pacificador nem hábil. Está apenas dando piscadelas a práticas que vulneram a democracia e que procuram transformar ladrões do Estado de direito em atores legítimos do processo democrático.
É claro que vocês já sabem, mas me obrigo a lembrar. O que dispõe o Artigo 359-l do Código Penal? Vamos ver:
"Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência."
Ainda que se resolvesse abolir o contexto e os fatos antecedentes que resultaram no despropósito do 8 de janeiro, indague-se: os bravos queriam ou não "restringir o exercício dos poderes constitucionais"? Talvez Motta e Múcio não tenham se dado conta, mas o objetivo era depor o presidente da República, a cuja posse eles já se opunham — razão porque a maioria se concentrava ao lado do QG do Exército — e declarar a queda do Supremo, a quem atribuíam a responsabilidade pela posse de Lula. E, bem, senhores, os insurrectos do fascismo caboclo recorreram à violência e à grave ameaça.
A propósito: um, outro ou qualquer outro ousam me apresentar o "Manual do Golpe de Estado", dizendo, afinal, onde está escrito que uma TENTATIVA de rompimento do Estado de direito precisa de Forças Armadas?
Não custa, também, recorrer ao Artigo 359-M do mesmo código:
"Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência."
Havendo dúvida sobre o que queriam aqueles "patriotas", sempre resta a alternativa de perguntar aos próprios: "Mas vocês queriam ou não depor Lula?" Sei que não conseguiram. Mas a lei pune a tentativa... Até porque a punição ao um golpe bem-sucedido carrega aquela contradição para a qual não atentam os inimigos da lógica. Sim, sempre concedo que os contestadores iniciem agora seu esforço para mudar na história a expressão "Golpe da Cervejaria", por exemplo, que costuma vir com uma palavra em alemão: "Putsch". Diriam os "sommeliers" de golpe: "Não houve a adesão dos militares..." Pois é. Hitler e seus valentes foram anistiados...
Haverá "anistia"? Se o Congresso aprovar a aberração, será tornada sem efeito pelo Supremo. Na segunda, o ministro Gilmar Mendes, decano do tribunal, concedeu uma entrevista ao podcast "Reconversa", que foi ao ar ontem, ao meio-dia. Afirmou:
"A mim me parece que há um certo isolacionismo quando se diz: 'Tratava-se de uma manifestação popular, que descambou para a violência. Nós não estamos falando disso, não! Nós estamos falando de algo muito contextualizado. Essas pessoas, desde novembro, estavam acampadas em frente aos quartéis Brasil afora. E, então, a questão tem que ser vista nesse amplo contexto. É por isso que não me parece que a gente deva simplificar. E por isso foi tratado com severidade pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento, que agora vai continuar. Certamente a Procuradoria fará denúncia em relação, agora, aos responsáveis, aos que conceberam, por toda essa situação. Portanto, isso não está descasado. É preciso entender esse contexto. Do ponto de vista da política, também a gente pode fazer algum tipo de leitura: como o Congresso funciona com 513 deputados e 81 senadores, estabelecem-se algumas premissas no sentido de dizer: 'Bom, vamos tentar sair disto" E talvez minimizem o movimento que, de alguma forma, reflete facções congressuais. Há parlamentares que participaram daquilo (...) Então a gente tem de fazer uma leitura política desses fatos. Agora, não [dá para] transigir com isso. Não vejo [modo de resolver a questão sem punir os golpistas]. Agora, estamos nessa nova fase em que a polícia federal fez investigações muito sérias, e esse material está nas mãos do procurador-geral, e que sugere participação de pessoas não só para eventualmente dar golpe, mas para matar. Pensou-se em matar Alexandre de Moraes, o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin. Discutiam essas alternativas. Estamos falando de coisa muito grave, muito séria, que repugna a nossa tradição democrática. (...) É um debate muito estranho esse [da anistia], para crimes dessa gravidade. Eu acho que, ao contrário, nós devemos é procurar julgar esses casos, nos esforçar no sentido do julgamento desses casos; me parece que essa deve ser a determinação. E veja que as investigações andaram bastante. Justiça se faça, a própria Polícia Federal conseguiu trazer dados relevantíssimos da participação de pessoas também relevantes naquele contexto político e como que elas estavam articulando, inclusive para impedir a posse do presidente".
Eis aí. Múcio diz que pessoas que só estavam passando pela Praça dos Três Poderes não podem arcar com as penas pesadas de organizadores e tal. E parece não ver, contra os fatos e contra a definição da lei — em companhia do presidente da Câmara —, claramente caracterizados o intento de romper o Estado de direito e o de desfechar um golpe de Estado.
Todos têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos. As pessoas que lá estavam queriam restringir o exercício dos Poderes da República e a deposição do presidente. Queriam, organizaram-se para tento, vocalizaram o seu intento e agiram. E só estão sendo punidas porque, felizmente, o golpe deu errado. Tivesse dado certo, não haveria anistia para os democratas e para os defensores do Estado de direito, não é mesmo?
"Como você 'polariza', Reinaldo!" Huuummm... O polo oposto e robusto da democracia nas sociedades aberta têm sido os movimentos fascistoides, não é? Se forem fascistas líricos escrevendo bobagens, e os há, bem...., tolere-os os que tiverem gosto para tanto. Quero distância máxima. Se resolveram partir para a porrada contra a ordem democrática, aí é cana. Ou eles ainda nos mandarão para o calabouço um dia. Comigo não! Nada de anistia. Nem que fossem só arruaceiros de uma cervejaria tramando um golpe...
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