Reinaldo Azevedo

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Opinião

Queda na avaliação de Lula excita extrema-direita e extremistas de centro

Fim da linha para Lula. Jogo jogado. Acabou. Punido pela ousadia. Ele que amargue agora o coro de analistas a lhe esfregar na cara as verdades que, no seu terceiro mandato, não quis, até agora, reconhecer. Como ele ousa não aprender com seus críticos tão severos? Não que eles sejam exemplos de experiência administrativa ou outra qualquer, mas todos detêm arcanos que o ex-metalúrgico não consegue interpretar. Agora é saber de quem é aquela imagem pequena, ainda difusa, que chega na canoa, como num quadro de Monet, da terceira margem do rio.... Quem, meu Deus? Gusttavo Lima? Pablo Marçal? Romeu Zema agarrado fanaticamente a uma banana? Tarcísio de Freitas, com Guilherme Derrite levando um motoqueiro fatal em sua garupa? Esperem, talvez seja J. Pinto Fernandes, do poema "Quadrilha", de Drummond — aquele que ainda não entrou na história —, ou de uma outra quadrilha qualquer. Há tantas!

Vai aqui alguma melancolia? As coisas deste mundo nunca me deixam melancólico. A exemplo de Santo Agostinho, mas sem a sua vocação para o pé na jaca (na juventude ao menos), só me "entristeço do bem divino" — a tal da "acídia"... Com o resto, eu me divirto, sofrimentos humanos à parte. Vejam os números do Datafolha. O governo Lula tem a pior avaliação da história. E um monte de especialistas assevera: "Agora ele não se recupera mais".

Hora de convocar aquele rapazola da "fake news" do PIX, os golpistas que foram choramingar para o tal do Vaca, os estrategistas do inelegível e futuro presidiário... O que vai ser agora? Comícios contra a inflação? Em defesa do impeachment? Pela anistia a golpistas? Para mudar da lei da inelegibilidade? Contra o aumento real da aposentadoria e do salário mínimo? Para cortar despesas da Educação e da Saúde? Para pôr fim à ideologia de gênero? Para impedir o aborto das meninas estupradas? Para, como é mesmo?, "virar a página da polarização"? Para passar nos cobres, por um valor inferior ao de mercado, a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa e o amor verdadeiro?

O circo está armado. Querem ver? O dólar abriu esta sexta a R$ 5,770. Às 16h, imediatamente antes da divulgação do Datafolha, estava cotado a R$ 5,715. Logo, a moeda americana caía 0,95%. Fechou o dia a R$ 5,694: - 1,26%. Assim, 75% da queda se deram antes da divulgação da pesquisa. Vamos ao Ibovespa: 124.894 no início do pregão. Às 16h, 127.342 — alta de 1,996%. Pós-Datafolha, terminou em 128.849, com uma elevação de 2,7%. Assim, 74% do movimento altista tinham acontecido antes que se conhecessem os números. O destaque do dia era, e foi, a Petrobras. E todos fomos unanimemente "desinformados": a avaliação negativa de Lula teria feito o dólar despencar e a Bolsa disparar.

Obviamente, não alimento ilusões sobre os que fazem preços "nuzmércáduz", menos ainda nos que se oferecem como seus porta-vozes, na imprensa ou fora dela. Essa gente jurava por sua ciência que a trajetória da dívida elevara o dólar a R$ 6,27 em 18 de dezembro. Que se saiba, aquilo que apontavam como "UTI fiscal" não mudou, mas a moeda americana despencou. Segundo os mesmos valentes, a causa era Trump. E ontem? "Ah, a avaliação ruim do governo Lula é o motivo", embora três quartos do movimento para cima da Bolsa e para baixo do dólar tenham acontecido antes que os dados da pesquisa viessem a público.

A ECONOMIA, OS NÚMEROS, A POLÍTICA
Os números da economia justificam que o governo tenha apenas 24% de ótimo/bom e 41% de ruim/péssimo? Nem o adversário mais fanático de Lula diria que sim no silêncio de sua consciência. Mas é o que se tem. E certamente há fatores que explicam essa avaliação: inflação de alimentos, a mentira sobre o PIX, um governo que se comunica mal, a virulência da extrema-direita nas redes... Pensem aí.

Vamos ver como o governo vai se arrumar. Em 2005, na crise do mensalão, houve gente próxima a Lula que lhe recomendou que anunciasse que não seria candidato em 2006 para ao menos conseguir encerrar o mandato... Os tempos, por certo, são outros. Mas, é fato, às vezes os que se opõem ao governo exageram nas suas predições. Mas dias fáceis não virão. Com avaliação ruim, os "aliados" costumam cobrar mais caro por seu apoio, e as lealdades se tornam mais rarefeitas.

Mas política não é um jogo que se joga só, não é? Para que se possa usar a pesquisa como predição eleitoral — e a eleição não é amanhã —, seria preciso saber quem é o adversário. Mais: o bolsonarismo, por ora, hegemoniza o combate ao governo. Daqui a alguns dias, a PGR entrega a denúncia contra o ex-presidente, que terá de articular a defesa e tentar segurar a sua turma para não ser "bypassado". Ainda que o Congresso aprove anistia ou mudança na Lei da Inelegibilidade, ambas inconstitucionais, ele não escapará na condenação na esfera penal. Se Lula vai ou não se recuperar, não sei. Existe tempo para isso, apesar das condições adversas. De Bolsonaro se pode dizer com certeza: é irrecuperável. Poucos atentam para o fato de que os números do Datafolha podem dar uma chacoalhada no governo — pior se não derem — e, com certeza, antecipam a mobilização da direita e da extrema-direita. 3,2,1 para alguém escrever que Lula agora é um "pato manco" e tal. Bem, ele já morreu outras vezes, como se sabe.

A direita ficou excitada com os números, mas já tem de se ocupar da guerra interna. Eufórico mesmo está o "extremismo de centro" que pensa mais ou menos assim, ainda que desenvolva a tese com certa vergonha: "Já que Bolsonaro está fora da disputa, que Lula saia também, virando a página da polarização"... É claro que é uma burrice de desclassificados intelectuais e morais. Não é que estejam, obviamente, obrigados a gostar de Lula; inaceitável é que igualem um democrata, ainda que reprovem seu governo, a um fascistoide golpista.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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