Lula, pesquisas e ataque dos cães (de lá e de cá)
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Que coisa!
O filme "The Power of the Dog" — no Brasil, "Ataque dos Cães" —, de Jane Campion, levou para a tela um trecho do Salmo 22. Leio o tragável e o intragável sobre a queda da aprovação do governo Lula, segundo registra as pesquisas, e me ocorre convidar o presidente a se voltar para uma das mais famosas imprecações de Davi. Notaram como, quase sem exceção, não haveria mais esperanças para o presidente, segundo os analistas? Seu destino já estaria traçado. Há até quem diga que já não se cuida mais de saber se ele pode ser reeleito, mas se chega ao fim do mandato.
Há uma evidente incongruência, a despeito da inflação de alimentos maior do que a média, entre aprovação tão baixa registrada pelo Datafolha e os feitos do governo. Mas aí vêm alguns sábios tentando nos explicar que essa conversa de desemprego baixo, crescimento da economia, elevação do valor real dos salários, aumento dos investimentos, retomada dos programas sociais... Bem, tudo isso seria, sei lá, uma agenda velha. Até a violência estúpida que está nas ruas seria culpa de Lula, embora a segurança pública seja uma atribuição dos Estados, com boa parte dos governadores se negando a participar de uma articulação nacional contra o crime organizado.
Quando os "analistas" registram que Lula perdeu pontos importantes junto ao eleitorado mais pobre, o tom de alguns é quase se caçoada, como a dizer: "Veja aí. Nem mais os seus o querem". Está lá no Salmo:
"(...)
Eu não sou mais um ser humano;
sou um verme.
Todos zombam de mim e me desprezam.
Todos os que me veem caçoam de mim,
mostrando a língua
e balançando a cabeça.
Eles dizem:
"Você confiou em Deus, o Senhor;
então por que ele não o salva?
Se ele gosta de você,
por que não o ajuda?
(...)"
No começo de dezembro, a Quaest publicou uma pesquisa indicando que Lula venceria todos os seus possíveis adversários de direita; se não ele, Fernando Haddad. Dois meses depois, como se nota, a "túnica" do presidente está sendo sorteada. A turma "duzmercáduz" — que queria Bolsonaro e topa subir o morro ou rolar na lama com Pablo Marçal, Gusttavo Lima e exotismos vários — jura que assim é por causa de sua indisciplina fiscal, que teria gerado inflação. Sabem que a tese é ideológica e indemonstrável, mas e daí?
Nas análises, há uma espécie de competição para saber quem consegue transformar com mais destreza o ódio em simulacro de análise. Na raiz de boa parte das sentenças, está a tese de que o Brasil precisa superar Lula e Bolsonaro, como se fossem males equivalentes, mas de sinal trocado. Já apontei aqui várias vezes que esse procedimento corresponde a normalizar um golpista e a criminalizar um democrata. É asqueroso!
Esse massacre se dá no momento em que aquele que se comporta como o presidente "de facto" dos EUA, Elon Musk, convoca manifestações em favor do impeachment do presidente, em óbvia parceria com correntes do bolsonarismo. E, por aqui, segue o ataque dos cães, sem nem mesmo um muxoxo de desagrado contra o chefe de Donald Trump.
"Ah, o que você quer, Reinaldo? Que se diga que os números são bons para Lula?" Não são bons. Mas daí a se fazer uma competição para ver quem faz o réquiem mais agressivo e covarde, bem, vai uma diferença.
Davi:
(...)
Como touros, muitos inimigos
me cercam;
todos eles estão em volta de mim,
como fortes touros da terra de Basã.
Como leões, abrem a boca,
rugem e se atiram contra mim.
(...)
Um bando de marginais
está me cercando;
eles avançam contra mim
como cachorros
e rasgam as minhas mãos
e os meus pés.
Todos os meus ossos
podem ser contados.
Os meus inimigos me olham
e gostam do que veem.
Eles repartem entre si
as minhas roupas
e fazem sorteio da minha túnica."

O FUTURO
Vamos ver. Não tenho a bola de cristal que está a revelar o futuro a essa gente ousada. A prudência me pede para lembrar que uma disputa eleitoral -- e as pesquisas estão sendo vistas como preditoras de 2026 -- é um jogo que requer... adversários. Quais? Dirão ao povo brasileiro o quê? Que mensagem Lula está passando, muito especialmente ao eleitorado mais pobre, que os opositores se encarregarão de contrastar?
Por ora, a oposição segue refém de Jair Bolsonaro. Está empenhado em convocar manifestação pública em favor da anistia — na verdade, da própria anistia —, certo de que, desse modo, consegue emparedar o Supremo. Assim, galvanizaria as massas com a possiblidade de seu retorno, o que não vai acontecer, em parceria com Musk e Trump... contra os interesses do Brasil.
O ex-presidente, note-se, voltou a vociferar por aí teses conspiratórias sobre a eleição de 2022 e se julga empoderado para confrontar as instituições. Confia que Musk e Trump imporão tarifas aos brasileiros com uma das mãos e o ajudarão com a outra — hipótese em que conspirariam contra o país com as quatro...
As pitonisas já botaram tudo isso nas suas previsões — inclusive a sabujice dos oposicionistas a Trump, que não deram um pio de protesto contra Trump — ao decretarem que Lula está morto? É claro que isso está na esfera da torcida, não dos fatos. Mas agirão firmemente para que suas previsões se cumpram.
As pesquisas são péssimas para o governo Lula. A reação, no entanto, nas várias frentes de oposição ao governo, parecem desmesuradas e ignoram com solenidade os próprios erros.
E Lula? Bem, além de ajustar a governança, pode fazer um tantinho como Davi:
"(...)
Na reunião de todo o povo,
ó Senhor,
eu te louvarei pelo que tens feito.
Na presença de todos
os que te temem,
oferecerei os sacrifícios
que prometi.
Os pobres comerão
da carne dos sacrifícios
e ficarão satisfeitos;
aqueles que adoram o Senhor
o louvarão.
Que sejam sempre prósperos
e felizes!
(...)"
ENCERRO
Sim, daqui a pouco vêm as pesquisas indicando que Lula poderia ser derrotado por um nome ou nomes da oposição. E começará o esforço para dar uma escanteada em Bolsonaro em benefício do "anti-Lula" mais viável.
Como encerro este texto? Afirmando que essa precipitação, que esse desespero, que esse ataque dos cães podem vir a ser os grandes aliados de Lula. "Será assim, Reinaldo?" Não sei. Eles têm bola de cristal. Eu não.
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