Defesa de Bolsonaro tem de peticionar em tribunal que seu cliente despreza
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Vocês sabem o que penso sobre as petições apresentadas ou a apresentar pelos advogados de defesa de Jair Bolsonaro, Braga Netto, Mário Fernandes e Felipe Martins. Já escrevi a respeito e fiz comentários no rádio e na TV. De toda sorte, não é fácil a vida desses causídicos. Com um pouco de galhofa, digo: torço para que ganhem bem ao menos...
Bolsonaro concedeu uma entrevista a Leo Dias, transmitida ao vivo. O modo que encontrou de, digamos, colaborar com Celso Vilardi, que comanda a sua defesa, foi chamar a Primeira Turma do Supremo de "câmara de gás". Nestes termos: "Se você analisar uma Turma com a Outra, essa Turma [em] que eu estou, tem um apelido, né? Câmara de gás. Entrou ali..."
Pois é... Enquanto Vilardi luta para elaborar argumentos técnicos que levem o caso para o pleno, que justifiquem o pedido de impedimento de Flávio Dino e Cristiano Zanin e a anulação da delação de Mauro Cid — e já deixei claro aqui e em toda parte que considero tudo improcedente, mas a defesa tem o dever de tentar, não é? —, eis que Bolsonaro, o denunciado, decide cair no colo da galera, como a dizer: "Bem, pessoal, o que pretendemos mesmo é fugir da Primeira Turma porque ali não temos chance; queremos o pleno". E ocorrerá ao lógico perguntar: "Mas ele teria maioria entre os 11 ministros?" A resposta: também não. Está de olho na sua minoria, os 20% que considera seus: André Mendonça e Nunes Marques. E, pois, faz recair sobre eles uma espécie de encomenda prévia, mas não se realizará.
Há uma outra passagem notável, quando o interlocutor diz que ele poderá passar 40 anos preso. Nota: pelo topo, as condenações, dadas as imputações até agora -- há outros inquéritos --, somariam 43 anos. Dificilmente pegaria a pena máxima. Ademais, há progressão. Dadas as modificações de 2019 na Lei de Execução Penal, creio que o ex-presidente terá de cumprir, no mínimo, um quarto da pena em regime fechado. E o que disse o serelepe entrevistado? Isto:
"Quarenta anos, não. Morrer na cadeia. Eu não vou viver mais [do que isso] (...) Para algumas pessoas importantes, não interessa eu preso, interessa eu morto. Eu preso vou ser um problema também, vai haver uma comoção nacional."
Não custa lembrar que os golpistas tinham, sim, sede de sangue e queriam matar, mas os alvos eram Lula, o vice Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, ministro do STF e relator dos inquéritos relativos à tentativa de golpe e congêneres. Com o desassombro e o destemor conhecidos para a asneira, Bolsonaro tenta constranger o tribunal que vai julgá-lo: "Eu preso (...), vai haver uma comoção nacional". Bem, certamente não vai. Os golpistas contaram com o 8 de janeiro como uma "comoção"... O ex-presidente ainda não desistiu de jogar a suas milícias digitais contra o tribunal.
O entrevistador perguntou a Bolsonaro se ele acredita na Justiça. Depois de um breve silêncio, ele conseguiu elaborar isto:
"Olha, o que alguns magistrados têm falado ao meu respeito, eu responderia: 'Não!'. Primeiro, que o magistrado tem que falar nos autos, não pode ficar dando declaração por aí. O que eles querem, na verdade, alguns querem, é me tirar das eleições do ano que vem. Eles acham que essa inelegibilidade é ainda um pouco frágil, tem que ter uma condenação".
Os ministros do STF não vão condenar ou absolver Bolsonaro em razão dessa entrevista. Mas resta evidente, em mais essa resposta, que o único tribunal que ele respeita são as suas redes sociais, em que inexiste o contraditório. Como se pode notar, na cabeça deste senhor, as petições de seus advogados são e serão apresentadas a um antro de conspiradores. É certo que todos têm direito à defesa, o que vale também para Bolsonaro. O problema está em que ele não reconhece a legitimidade do tribunal no qual se defende.
Os ministros vão se ater os autos, mas não são nefelibatas ou selenitas. Habitam o nosso mundo. Também sobre eles se pode dizer que são quem são e suas circunstâncias. E os membros da Corte, a esta altura, terão visto ou ouvido esta fabulosa declaração:
"O 8 de janeiro foi programado pela esquerda, você tem imagens do pessoal quebrando lá dentro, mas não quando entrou a turma. Imprensa só mostrava imagem de um magrinho derrubando relógio e tentando derrubar câmera. O governo dizia que não tinha mais imagem, mas, pouco tempo depois, apareceram mais imagens. Foram 33 alertas da Abin para o GSI. Por isso que, no meu entender, era algo programado. Só pode ter sido pela esquerda."
Essa bobagem debochada já foi desmoralizada de maneira irrespondível.
Os defensores façam o seu trabalho. Ainda que recebam uma montanha de dinheiro por seu trabalho — não estou perguntando nem indiretamente e não acho que isso seja relevante; trata-se apenas de uma consideração sobre esforço e recompensa —, eu realmente não os invejo.
Quando um juiz toma uma decisão, se honesto, ele certamente reflete sobre os argumentos técnicos que lhe são apresentados e os coteja com a realidade. Depois de tudo o que se viu, de tudo o que se ouviu, de tudo o que se sabe, aquele que aparece nos autos como líder de uma organização criminosa que tentou dar um golpe de estado concede uma entrevista em que o próprio Supremo, cuja sede foi invadida e depredada no dia 8 de janeiro de 2023, aparece como partícipe de uma conspiração. Esse mesmo tribunal será um dos alvos de uma manifestação de protesto que o ex-mandatário está convoca para o mês que vem. Por meio de palavras, a Corte será depredada outra vez.
Deve ser muito difícil para a defesa de Bolsonaro ter de apresentar petições a uma instância que o próprio cliente despreza porque está certo de que só se pode vencer no berro, jamais no argumento. Na campanha eleitoral de 2018, o já deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o pensador da família, especulava sobre a prisão de ministros do Supremo e o fechamento do tribunal.
Os valentes tentaram, se deram mal e agora têm de responder por suas escolhas.
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