STF: Bolsonaro, Tarcísio e Eduardo em ritmo de barbárie. Houve até ameaças
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O STF realiza hoje a primeira sessão para decidir se recebe a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República contra Jair Bolsonaro e um lote de sete outras pessoas, todas acusadas de organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do estado democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A votação da admissibilidade, por si, já pode ser considerada histórica. Nos 40 anos de democracia, é a primeira vez que o tribunal decide se pessoas se tornam rés por crimes dessa natureza. Vivemos dias complexos. A ida de Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas a um podcast, com participação remota de Eduardo Bolsonaro, traz notícias de um abismo. Como as palavras fazem sentido, pode-se afirmar: houve até ameaças. Vamos ver.
Nesta segunda, véspera do início desse juízo de admissibilidade da denúncia, o ex-presidente e o governador de São Paulo compareceram ao podcast "Inteligência Ltda.", conduzido por Rogério Vilela. O evento foi utilíssimo para dar conta do hospício ideológico em que vive a extrema direita e para evidenciar para onde pode caminhar o país caso se cumpra o projeto de parte da elite brasileira: eleger Tarcísio. Vamos ver.
Depois de virar alvo dos bolsonaristas por ter feito uma defesa enfática da segurança das urnas eleitorais num evento na quinta à noite, Tarcísio teve que falar para desdizer o dito, tentando não passar muito vexame. Afirmou:
"Não tem de esconder. Eu acho que a gente tem que agir sempre com transparência. Estávamos numa reunião com o colégio de presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais. Esse colégio é presidido pelo presidente do Tribunal Regional de São Paulo. Então ele me convidou. É uma pessoa que que tem atuado aqui na Justiça Eleitoral de São Paulo. O que eu falei foi da Justiça Eleitoral, instituição Justiça Eleitoral. Eu acho que a gente tem de separar as coisas, né? Então eu disse que a Justiça Eleitoral tem tido uma missão de garantias eleições em todo o país. E aí tem um esforço de logística muito grande; tem conseguido apresentar resultados com oportunidade. E isso é interessante. Agora, isso não quer dizer que aquilo que é falado, que se busca, que é aumentar a segurança do pleito ou dirimir determinadas dúvidas, que isso não tenha que ser pensado ou visto. Entendeu? Então uma coisa não exclui a outra".
Que coisa? Vamos ler o que ele disse na quinta?
"O Brasil veio se tornando referência no que diz respeito... em termos de velocidade de apuração, de tecnologia, ou seja: muitos países têm que olhar para o Brasil e ver o que está sendo feito aqui. E o Brasil, então, se tornou, de fato, uma grande referência. A gente tem que olhar toda essa preparação que acontece, todo esse empenho, todo esse trabalho, toda essa logística. E, em pouco tempo, os dados são contabilizados, a gente tem a proclamação de um resultado, a diplomação é e isso, de fato, que garante a representatividade. E a gente tem hoje então que fazer o agradecimento eleitoral por todo esse trabalho, por todo esse empenho, né?, como garantidora da democracia brasileira"
Diga aí, leitor: você acha que Tarcísio elogiou ou não as urnas? Afinal de contas, que é o dono das suas opiniões?
ABERRAÇÕES
O mero juízo de admissibilidade das denúncias, que começa hoje, insisto, já nasce histórico. Mas não se esqueçam do buraco sem fundo que também nos espreita. Tarcísio e Bolsonaro passaram quase quatro horas no programa. E a pretensão óbvia de ambos era negar que tenha havido uma urdidura golpista. A propósito: chega a ser cômico ouvir o governador a afirmar que jamais fora convidado para uma aventura de ruptura da ordem, como se pudesse dizer outra coisa e como se esse testemunho competisse com as provas. Mas vá lá...
De toda sorte, estavam ali para excitar as ruas bolsonaristas, mas também, parece-me, para abrir um diálogo, ainda que remoto, com o Supremo, E eis que Eduardo Bolsonaro, o fugitivo, entra no programa, lá do Texas. E afirma:
"Eu já não acredito mais que exista saída, não só para Jair Bolsonaro, mas para todas as pessoas simples que estão sendo condenadas a até 17 anos de cadeia por conta do 8 de janeiro. Você pode botar o Rui Barbosa para advogar a favor do Bolsonaro que ele não vai se livrar de uma condenação. Então, com tudo isso aí em mente, né?, o que é que a gente faz? Eu, pelo menos, sigo o exemplo do Trump: o Trump já sabia desse jogo de cartas marcadas. Então ele apostou tudo na política, que é o quê? Levar a voz dele ao maior número de pessoas possível. Se o Bolsonaro perder o capital político dele, já era! O Alexandre de Moraes vai trancafiar ele na cadeia e vai jogar a chave fora. Ou, quando não, ele próprio sabe, ele pode ser vítima de um assassinato. E vão falar: "Whoops, mais um assassinato numa cadeia latino-americana'... Uma narrativa fácil de você vender mundo afora. Então, isso aí acontecendo, o meu principal objetivo, enquanto deputado parlamentar, que ainda sou, né? -- deputado federal, tou licenciado --, é acabar com essa injustiça. A pauta número um é brecar um psicopata chamado Alexandre de Moraes (...). E a gente tem, sim, que constranger todos aqueles que apoiam esse tipo de regime".
Noto que Eduardo logo terá de criar uma versão de extrema direita da Carmen Miranda e, com bananas na cabeça, cantar: "Andam dizendo que estou americanizada...". Ele já não diz "opa!", mas "Whoops", e a América Latina, para ele, começa a se parecer com aquela terra ignota, hostil. A gente já sabe que ele apoia, é claro!, o projeto contra imigrantes, especialmente os que não são sócios de uma "holding"...
O pré-presidenciável Tarcísio, que tinha ido ao podcast para, sei lá, ajudar talvez a amenizar os contornos do golpista, ouviu o filho do presidente a dizer que o esforço da dupla ali era inútil, que o ministro-relator é um psicopata e que a única saída é o confronto. Observem que a fala do "ainda deputado" não deixa margem para interpretações alternativas: se houver condenação, não se pode aceitar o resultado. E, como ele diz, será preciso "constranger todos aqueles que apoiam esse tipo de regime". O que isso quer dizer? Luta armada? E Tarcísio teve de ficar calado.
TARCÍSIO OUVE EM SILÊNCIO UMA CASCATA DE DESINFORMAÇÃO
O governador ouviu, em silêncio, Eduardo a afirmar que o deputado Filipe Barros (PL-PR), novo presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, pretende convocar o ativista de extrema direita Mike Benz, um ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, que nuca teve acesso a informação qualificada, para prestar depoimento. Nas palavras do deputado "asilado":
1: A USAID fez parceria com o TSE e interferiu nas eleições de 2022, o que Bolsonaro endossou;
2: milhões de dólares teriam sido enviados ao tribunal para manipular a eleição de 2022;
3: nas palavras de Eduardo, o dinheiro do "pagador de impostos americano" (ele já fala como um "deputado parlamentar dos EUA") que serviu para "doutrinação da imprensa, reforma do Poder Judiciário, conversas de 'soft power' junto a juízes";
4: e aí Eduardo é matador: "O próprio Mike Benz conclui em seu tuíte que, se a USAID não existisse, Jair Bolsonaro ainda seria presidente do Brasil;
E, então, entrou o próprio Bolsonaro, citando Benz, para afirmar: "A China teria procurado o governo Biden para tirar o Bolsonaro daqui porque eles teriam muito mais facilidade em transações com outro governo do que comigo".
Sempre com o silêncio cúmplice de Tarcísio, Eduardo começou a atacar o principal parceiro comercial do Brasil:
6: o deputado licenciado afirmou que a China teria conspirado para retirá-lo da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara;
7: Alexandre de Moraes e Paulo Gonet, procurador-geral da República, seriam, pois, instrumentos do governo chinês;
8: Eduardo insinuou que a comissão vai criar dificuldades para os 37 acordos comerciais e memorandos de entendimento que o Brasil assinou com a China no âmbito G20;
9: o deputado americanizado citou as áreas de interesse da China: comunicação via satélite, reservas de urânio, parceria com o China Media Group para doutrinar as pessoas... Tudo isso estaria ameaçando a segurança nacional...
Para registro: Benz é só um pistoleiro de extrema direita e, além da X, usou o podcast "War Room" para espalhar seu lixo conspiratório, sem ter prova nenhuma, é claro! Trata-se canal de Steve Bannon, o ex-estrategista de Trump que saudou numa reunião a Alternativa para a Alemanha fazendo uma saudação nazista. Eduardo estava presente.
CAMINHANDO PARA O ENCERRAMENTO
Tarcísio é o sonho de consumo de pedaços da elite brasileira que, dizendo-se cansada da polarização, fala da necessidade de um Brasil centrista, como se o país fosse governado pela extrema esquerda.
O governador ouviu essas barbaridades todas sem um pio de contrariedade. Até porque não teria autonomia para fazê-lo. Tanto é assim que foi obrigado a desdizer o dito sobre as urnas eletrônicas.
Como se pode notar, radical e extremista é o Supremo, não é mesmo? Bolsonaro não arrastou Tarcísio para a entrevista por acaso. É claro que o "Mito" não vai recuperar a sua elegibilidade, e a pletora de provas evidencia por que será condenado. Mas o governador estava ali. Seu lugar nos Bandeirantes já começa a ser ambicionado por aliados, na certeza de que a Presidência vai lhe cair no colo.
O universo em que transita é esse que vemos. "Ah, ele tem de prestar esses serviços. Na Presidência, ele vai trair o seu mestre".
Bem, meus caros, não serei eu a acrescentar a Tarcísio a mácula da traição. Convenham, ele não precisa dessa, não é?
ENCERRO
Sim, a disputa continua a ser entre democracia e delírio fascistoide.