Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

O que explica o desdém de Bolsonaro por Tarcísio? 'Azelites' e 'uzmercáduz'

O que está por trás de um certo desdém de Jair Bolsonaro pela pré-candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, à Presidência da República?

Na entrevista concedida à Folha, afirmou, depois de repetir que seu plano B é "Bolsonaro":
"Tarcísio é uma excelente pessoa, fenomenal gestor e um muito bom, bom, não vou falar excepcional, um bom político, assim como tem outros nomes pelo Brasil. O Zema tem uma pessoa que fez uma boa gestão lá, o Caiado, o Jorginho Mello, outras pessoas que não estão no cargo executivo, mas despontam. Bons parlamentares por aí. Agora, dentro do PL, devidamente autorizado pelo Valdemar Costa Neto, o candidato sou eu. Até porque uma injustiça é negar a democracia, eu não poder disputar eleições, dado (sic) essas duas acusações".

Bem, nem vou entrar no mérito se cabe ao condenado decidir sobre a condenação... Vamos ao ponto: o que está por trás desse relativo desprezo? Bem, falta de apoio das elites a Tarcísio é que não é, certo?

Claro que não! Aí está justamente o problema.

O ex-presidente não suporta o fato de que sua criatura tem muito mais o apreço das elites brasileiras do que ele próprio. Se o governador de São Paulo depende da sua anuência para não ser abatido antes de alçar voo — e, hoje, depende —, ele sabe que parte considerável do establishment econômico respiraria aliviado porque teria atendidas muitas de suas demandas, sem ter de lidar com os aspectos mais grotescos de uma figura como o dito "Mito".

O próprio Bolsonaro já percebeu que seu aliado é capaz de dar saltos triplos carpados, em piruetas impressionantes. Rasga elogios às urnas eletrônicas em evento da Justiça Eleitoral e, dois dias depois, na presença do próprio Bolsonaro, diz que se referia à instituição, não ao sistema de votação. Nem o "capitão" engoliu.

Em recente evento com o mercado financeiro, Tarcísio acenou com reforma da Previdência, oposição à isenção do IR para quem recebe até R$ 5.000 e à taxação de dividendos e corte — ainda que tenha sido muito genérico — com gastos de saúde e educação. Cantou as glórias de Javier Milei e chegou a dizer: "Se ele pode fazer, por que a gente não pode?" O governador não precisa de Bolsonaro para adoçar a boca de parte da elite que sabe que o ex-presidente é um problema.

Mais: fingindo referir-se a Lula, afirmou no tal evento que um político precisa saber a hora de sair de cena. Isso não quer dizer que não esteja empenhando em montar o palanque em favor da anistia aos golpistas. Precisa disso. Se o "Mito" abre o flanco, seu aliado, ora incômodo, assume a condição de alternativa anti-Lula, e sua elegibilidade, que sabe impossível — não é besta nem nada — é chancelada.

Encoste a cabeça ao peito de Bolsonaro, para lembrar Ivan Lessa, e se vai ouvir o que diz seu coração: se Tarcísio se torna presidente, vai buscar a "conciliação" à sua maneira. O governador tem dito coisas do arco da velha sobre o Supremo, por exemplo, e deve repeti-las no ato em São Paulo. Se disputar, terá de ser nesse ambiente que chamam "polarização" — essa palavra estúpida —, mas parece que não teria como alimentar o cenário de crispação ideológica que confere identidade a seu "mestre".

Continua após a publicidade

Não parece, por exemplo, que seria capaz de dizer coisas como "eu sempre fui contra uma vacina que até hoje ainda é um experimento, E eu li o contrato da Pfizer, tá? E mais ainda agora: em cima do relator do Congresso americano, foi desnudado o que foi a Covid de verdade e a vacina e seus efeitos colaterais".

Tarcísio, o "não excepcional", tem de ficar colado a seu criador porque esse é seu passaporte, mas as circunstâncias imporiam, depois, se eleito, o distanciamento. O fato de o governador transitar por lugares onde ele, Bolsonaro, não transita lhe passa a impressão, que não é destituída de sentido, de que o outro buscaria, se chegasse à Presidência, construir o seu próprio legado.

Bolsonaro não parece disposto a facilitar a sua própria obsolescência no campo da direita e da extrema-direita. E também já percebeu que essa vertigem "pesquisista" que anda por aí busca transformar o seu aliado, ao arrepio de sua, digamos, bênção em fato consumado.

O seu grande esforço hoje consiste em não correr o risco de que a criatura deixe de depender do criador. Não se conforma que "azelites" e "uzmercáduz" tenham adotado o seu rebento sem a sua expressa autorização.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.