Reinaldo Azevedo

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Opinião

Tarifas: o governo Lula negocia, e conta fica barata; hospício reaça ferve

Ninguém sabe exatamente os efeitos, no mundo, do tarifaço global imposto por Donald Trump. O consenso por aqui, exceção feita ao hospício ideológico da extrema direita, é que a fatura acabou sendo barata. O Brasil integra o grupo dos países submetidos à menor tarifa reciproca — 10% —, ainda que, dado o conjunto da obra das relações comerciais bilaterais Brasil-EUA, isso não faça sentido porque o déficit está do lado de cá, não de lá. Mas, é fato, esperava-se o pior, e, felizmente, ele não veio.

Convém notar que a boa notícia, dada a insanidade geral, não caiu do céu, não é fruto de milagre. O Itamaraty atuou ativamente junto às autoridades americanas. Também o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, do vice Geraldo Alckmin, manteve conversações intensas com os representantes do governo dos EUA. A Argentina do trumpista Milei, que buscou costurar um acordo por fora — deixando claro, mais uma vez, que, se preciso rifaria o Mercosul —, mereceu o mesmo tratamento dispensado ao Brasil.

Por princípio, a taxação não é boa. Onde havia a ordem econômica global, já com as suas assimetrias, geralmente contra os pobres, Trump decidiu instituir a desordem. Mas se podem divisar, numa primeira mirada, eventuais sinais auspiciosos. Há setores da indústria brasileira, por exemplo, que podem, com 10% de taxa, ser mais competitivos nos EUA do que a concorrência chinesa, com 34%. A União Europeia (20%) e a própria China prometem retaliações. Mais: o agro americano, sobretaxado por esses dois compradores à guisa da retaliação, também pode abrir uma oportunidade de negócios para o Brasil. Bem, com dados objetivos ainda precários, como todo mundo, observo: antes de o Planalto pensar em retaliação, parece ser o caso de estudar as oportunidades que se abrem para ganhar mercado.

SERENIDADE
Até aqui, o presidente Lula e as pessoas escaladas para tratar da questão, cada uma na sua área, se comportaram com muita serenidade, especialmente Fernando Haddad (Fazenda), Alckmin e Mauro Vieira, o chanceler. Assim tem de continuar. Uma perspectiva simplesmente retaliatória teria o efeito de causar uma elevação de preços por aqui. E, como se sabe, é preciso atuar para baixar a inflação, não o contrário. E, nesse caso, convém esfriar o ânimo de alguns setores.

Como lembrou um amigo, se ressuscitado e sem estar informado dos fatos em curso, apresentar-se-iam a Ronald Reagan os atuais presidentes do Brasil e dos EUA, com uma breve identificação: "Este é republicano, presidente do seu país; o outro governa o Brasil e pertence a um partido de esquerda. Diga-nos, Ronald: quem você acha que está impondo tarifas de importação para proteger a indústria nacional e quem está a defender o livre comércio e a globalização?" A gente sabe que resposta ele daria, não é mesmo? Há muita coisa de ponta-cabeça no mundo.

A INSANIDADE TAMBÉM AQUI
Esses eventos nos EUA colhem o Brasil num momento singular de sua história. Jair Bolsonaro, o líder inconteste da extrema-direita e que fagocitou a direita, foi para as redes sociais para defender o tarifaço de Trump. Escreveu este singularíssimo pensamento:
"A única resposta razoável à tarifação recíproca dos EUA é o governo Lula extinguir a mentalidade socialista que impõe grandes tarifas aos produtos americanos, inviabilizando o povo brasileiro de ter acesso a produtos de qualidade mais baratos"

A coisa é de tal sorte absurda que nem burra consegue ser. As tarifas nas trocas com os EUA são as mesmas que vigiam no governo do "Mito", que, obviamente, esquerdista não é... Ocorre que o biltre esperava que o americano impusesse uma taxa cavalar ao Brasil como um sinal de desaprovação a Lula e de desagravo a ele, Bolsonaro. Não aconteceu desse modo. Contou ainda mentiras desbragadas sobre a tarifação do aço no passado e se ofereceu como negociador do setor junto a Trump. Melhor não! Nos últimos meses do seu primeiro governo, em outubro de 2020, o "amigão" do inelegível elevou as tarifas sobre as chapas de alumínio importadas do Brasil de 15% para 145%.

A voragem trumpista vem num momento de surto bolsonariano em favor da impunidade para os golpistas, mal chamada de anistia. E os valentes seguidores do defensor das tarifas de Trump resolveram obstruir a votação do projeto que dota o governo brasileiro de instrumentos para, a depender do caso, retaliar e impor tarifas também aos EUA. Já escrevi aqui: é preciso contar com tal instrumento, e melhor ainda se não for preciso empregá-lo.

Pois bem: num apelo aos colegas reacionários do PL, Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, pediu que a legenda suspendesse a obstrução e votasse o projeto, mas, em troca, fez juras de amor à proposta de anistia aos golpistas. Ora, ora... O deputado defende que invasão de terra seja enquadrada como crime de terrorismo, mas quer assegurar a impunidade aos que invadiram e depredaram as respectivas sedes dos Três Poderes e àqueles que articularam um golpe de estado.

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Mais: boa parte dessa bancada ruralista, que certamente vai cobrar de Lula "medidas duras" contra os EUA, tem em Bolsonaro o seu ídolo inigualável e, em Tarcísio de Freitas, seu ídolo possível. Circunstancialmente, uniu-se ao Planalto em defesa do projeto da reciprocidade, mas lá estava Lupion a fazer juras de fidelidade ao cara que tinha, havia pouco, saudado a tarifação geral como um dos meios de combater as esquerdas...

ENCERRO
Trump, o capitalista de direita, impõe tarifas, em vez do livre comércio. Lula, que pertence a um partido de esquerda, quer livre comércio, em vez de tarifas. Lula, demonizado por boa parte da bancada ruralista, atuou, na prática, para defender também seus interesses; Bolsonaro, ídolo desses valentes, aplaude a sanha trumpista contra o mundo, o Brasil e os ruralistas, mas arranca do chefão da patota a defesa da impunidade para os invasores e depredadores das instituições.

Trata-se de um embate entre a racionalidade e a barbárie. Escolha o seu sonho, como escreveu a poeta.

A propósito: Tarcísio vai continuar em silêncio?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.