Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Pró-tarifas, Bolsonaros usam PCC e CV para fazer do país o quintal de Trump

Um debate perigoso está posto na praça. As consequências podem ser muito ruins para o Brasil. A extrema direita já começou a fazer o serviço porco de sempre. Imaginem um país em que terroristas controlassem áreas de algumas cidades, determinassem a rotina de presídios e contassem com a mão de obra barata de milhares de jovens e adolescentes... Mais: atuariam também no comércio de combustíveis, investiriam no setor imobiliário e contariam até com fintechs... Quem quer investir nesse lugar? Do que falo? Vamos ver.

A comitiva do Departamento de Estado dos EUA que veio ao Brasil, já sabemos, não tem como alvo o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, nem está aí para cuidar da... Como é mesmo que os extremistas de direita chamam a tentativa de golpe de Estado? Ah, lembrei: "nossa liberdade". No caso, a dita-cuja consistiria em lhes facultar a licença e os meios para que, em nome dos seus valores, eles destruíssem os nossos. É estúpido assim. Eduardo Bolsonaro, aquele deputado republicano do Texas, alardeou que era esse o intuito do grupo chefiado por David Gamble, razão por que se reuniria com seu irmão senador, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e com seu pai, Jair. A embaixada americana no Brasil desmentiu: o intuito da viagem é tratar dos esforços conjuntos dos dois países no combate ao narcotráfico e ao terrorismo.

Gamble não viu nenhum dos dois, mas um integrante da turma, com efeito, esteve com o senador e com o ex-presidente. Trata-se de Ricardo Pita, conselheiro sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado dos EUA. Flávio reiterou que só falou sobre questões de segurança. Eduardo, no entanto, como uma espécie de porta-voz do pai escreveu: "Ontem, o conselheiro sênior Sr. Pita se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro em sua casa, onde ele se recupera de uma cirurgia. Bolsonaro destacou as ameaças urgentes à democracia brasileira e aos interesses dos EUA na região. Pita manifestou apoio ao presidente Bolsonaro e prometeu levar sua mensagem de volta para Washington DC, capital dos EUA". A linguagem de altiva subserviência desse rapaz é digna de estudo — no caso, no campo da psicologia.

Esse papo de Eduardo é besteira. Não me atrevo a antever nada sobre um governo cujo presidente passou a usar o Salão Oval da Casa Branca para fazer "bullying" e "reality show" com chefes de governo estrangeiros. O que tenho de absolutamente certo é que supostas pressões vindas de fora não interferem nas decisões de ministros do STF. O ponto preocupante é outro.

ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS E A LEI QUE TEMOS
Há, sim, uma pressão da gestão Trump para que o governo brasileiro passe a considerar que organizações criminosas como PCC, Comando Vermelho e congêneres são, na verdade, "terroristas". Flávio defendeu essa tese na conversa com o tal Pita, e esse assunto está posto na praça -- tratado, infelizmente, com certo menoscabo pela imprensa. Gamble debateu o assunto com funcionários do Ministério da Justiça. Mário Sarrubo, secretário nacional de Segurança Pública, manifestou-se publicamente sobre a questão:
"Não consideramos as facções organizações terroristas. Em primeiro lugar, porque isso não se adequa ao nosso sistema legal, sendo que nossas facções não atuam em defesa de uma causa ou ideologia. Elas buscam o lucro através dos mais variados ilícitos".

Ele está certo. Descaracterizar que sejam terroristas não torna a sua ação menos repugnante ou deletéria, eu sei. Mas estamos falando de outros crimes. O país aprovou, diga-se, uma lei contra o terrorismo em 2016: a 13.260. Lá está escrito, no Artigo 2º:
"Art. 2º - O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública."

As penas vão de 12 a 30 anos.

Com efeito, os chamados "partidos do crime" provocam terror social, expõem pessoas a perigo e ameaçam a paz pública, mas não atuam "por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião".

E olhem que não acho a lei uma maravilha, não. Ela desconsidera uma obviedade: também é possível cometer atos terroristas por razões políticas. Para lembrar: os envolvidos no caso da bomba colocada em caminhão de combustível próximo ao Aeroporto de Brasília, no dia 24 de dezembro de 2022 — George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues —, foram condenados a penas de nove anos e quatro e de cinco anos e quatro meses, respectivamente. E não se falou de terrorismo porque, afinal, a motivação era política, não prevista na lei, o que escancara a sua falha.

Continua após a publicidade

Responderam — ridiculamente, mas é a lei — por expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outro; por causar incêndio em combustível ou inflamável, além de, no caso de George, por porte ilegal de arma de fogo e artefato explosivo ou incendiário. É correto que se excluam do crime de terrorismo atos reivindicatórios, como se faz. Mas é uma estupidez descartar que se possa cometer ato terrorista por motivação política. Dito isso, avancemos.

PEC DA SEGURANÇA
O governo apresentou a PEC da Segurança Pública, que aumenta a presença dos entes federais no combate ao crime organizado e que busca um trabalho coordenado com os Estados. Já enfrenta a sabotagem da extrema direita e a clara resistência dos governadores. A grande contribuição recente desse campo ideológico ao debate foi a liberação das armas, levada a efeito por Bolsonaro. A "Bancada da Bala" é hoje um dos lobbies mais fortes no Congresso. E, como resta evidente no esgoto das redes, o roubo de celulares, que hoje mata, passou a ser um... problema federal! Um pouco de bom senso deixaria de lado essas dissensões em benefício da população. Mas não! No dia 29, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, assistiu a um espetáculo grotesco na Comissão de Segurança Pública da Câmara. O único saldo positivo foi ter resultado na suspensão por três meses do tal Gilvan da Federal (PL-ES).

É claro que a segurança pública e as organizações criminosas são, e há muitos anos, um problema grave no país. Dispomos de leis, e outras têm de ser votadas, que metam os chefões na cadeia por 40 anos. Mas indago: trata-se de terrorismo?

PERIGO
Sim, o crime organizado -- nas suas várias modalidades, especialmente o tráfico de drogas, com suas consequências nefastas, como o domínio de territórios -- ameaça a paz e a democracia. Cada ramo criminoso tem a sua expertise, mas celebram "joint ventures": o traficante de droga atua em parceria com o de armas, que pode se juntar, a depender da região, com os setores imobiliário ou financeiro ou com o garimpo e o desmatamento ilegais. E todos, cada um de acordo com o seu contato, podem financiar, e financiam, campanhas eleitorais. Tudo junto e misturado. Também o "mercado de Deus" lava o seu dinheiro no sangue dos inocentes e na degradação da democracia.

PCC, Comando Vermelho e coisas do gênero se tornaram "marcas" que abrigam cadeias criminosas, a exemplo das máfias mundo afora, muitas vezes sem vínculo hierárquico. Querem ganhar dinheiro e buscam, sim, influenciar o poder, a exemplo das milícias, cujos valores e linguagem são, infelizmente, com alguma frequência, vocalizados até no Parlamento brasileiro.

Assim, não duvido um só minuto de que tratar do assunto é uma prioridade: com mais inteligência e com menos violência. Ou, daqui a pouco, haverá um desses seres trevosos que pode propor, sei lá, que se trate o Complexo da Maré ou o Complexo do Alemão como Netanyahu trata a Faixa de Gaza: "Como? Há terroristas escondidos lá? Bem, acabaremos com eles. Mataremos quantos para isso? Não importa! Estamos caçando terroristas. Se eles estão escondidos lá, então não existem inocentes". É assim?

Continua após a publicidade

CASO ACONTEÇA, VEM O QUÊ?
Se o Brasil cede à pressão dos EUA e à tese abraçada pela família Bolsonaro, a que conclusão teremos de chegar? Que os "terroristas" do PCC ditam o andamento de uma certa "pax" paulista? Que os do Comando Vermelho dominam áreas relevantes no Rio? Que grupos rivais, em nome do terrorismo, promovem os confrontos da Bahia? Que há milhares de jovens e adolescentes pobres de tão pretos e pretos de tão pobres que já não são aviões do narcotráfico, mas membros do terror?

A propósito: no que respeita ao combate interno a esses grupos, essa nova categorização mudaria exatamente o quê? No que respeita, no entanto, à relação do Brasil com o mundo, as consequências poderiam ser nefastas. O "terrorismo" que incomoda os EUA, como resta evidente, é um só: aquele que julgam ameaçar a sua segurança. Ora, se aceitarmos que o crime comum seja confundido com o terror, é evidente que isso elevará exponencialmente o número de... terroristas por aqui, não?

Na verdade, como se desconhece ação organizada dessa natureza na "pátria mãe gentil", o salto de zero para um já implicaria uma multiplicação ao infinito de agentes do terror. E se estivemos falando de milhares? Não especulasse o titular da Casa Branca sobre a ocupação até militar do Panamá, da Groenlândia e do Canadá, eu, por meu turno, não especularia sobre a sua tentação de ignorar a nossa soberania para, afinal, "combater o terrorismo" e garantir a segurança dos EUA.

Mais: nosso país, então, infestados de "terroristas" seria considerado um lugar seguro para investimentos? Há grandes fundos de investimento que têm regras severas a respeito. "Ah, mas se o país se mostrasse disposto a combater o terror..." Essa disposição significaria exatamente o quê?

CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
A rosa, como indagou o poeta, não teria igual perfume se tivesse outro nome? É certo que sim. Chame-se o que fazem o PCC, o Comando Vermelho e afins "terrorismo" ou outra coisa, e os infortúnios de suas vítimas serão os mesmos. Qualquer que seja a designação, é preciso que se organize o enfrentamento.

Mas isso faz, sim, uma enorme diferença na relação do Brasil com os demais países, especialmente os EUA — e não pensem que a sujeição a seus desígnios nos pouparia de alguma coisa. Muito pelo contrário. "Estaria eu querendo pegar leve com chefões?" Não! Por mim, que ficassem trancafiados pra sempre se pudesse. Mas que cada crime seja chamado pelo seu nome para que, sob o pretexto de se combatê-lo, não se tente vulnerar a soberania do país. Até porque, convenha, se "terroristas" do PCC foram flagrados operando em solo americano, cumpre indagar: estavam a fazer negócios com os traficantes de lá ou com os "terroristas"?

Continua após a publicidade

Que gente nefasta! Os Bolsonaros sabotam a PEC da Segurança Pública, acusando uma suposta tentativa do governo Lula de tirar a autonomia dos Estados, mas se mostram dispostos, mais uma vez, a render aos pés de Trump a soberania do país. Não querem combater o crime organizado coisa nenhuma. Viram mais uma oportunidade para fazer a vontade de Trump, que prometeu: "Vamos recuperar nosso quintal".

Não por acaso, defendem a imposição das tarifas contra o seu próprio povo. Verdadeiros patriotas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.