Reinaldo Azevedo

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Opinião

Militares não querem papo com os golpistas. Que o civil Motta faça o mesmo!

O Brasil anda de tal sorte da pá virada que, ora vejam!, a cúpula das Forças Armadas não quer saber de anistia, perdão ou qualquer coisa do gênero, embora nada menos de 23 dos 34 denunciados pela PGR por envolvimento com os planos golpistas sejam militares. Sete deles são oficiais-generais. Dois foram comandantes de Forças: Almir Garnier (Marinha) e Paulo Sergio Nogueira (Exército), também ex-titular da Defesa. Na lista, estão os generais de Exército (quatro estrelas) da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete da Segurança Institucional; Braga Netto, ex-chefe do Estado-Maior e ministro da Defesa e da Casa Civil no governo Bolsonaro, e Estevam Teóphilo, que integrava o Alto Comando até 2023 e dirigiu o Comando de Operações Terrestres. Completam a lista dois generais de brigada (duas estrelas): Mário Fernandes e Nilton Dinis Rodrigues. Há ainda 13 coronéis ou tenentes-coronéis do Exército, além de um capitão, um major e um subtenente. À época da tramoia, 13 eram da ativa. Hoje, são 12.

E por que as Forças Armadas não querem se meter com a patuscada da impunidade? Porque, é evidente, pela porta por onde ela entrasse, sairia a disciplina. E aí só a tensão permanente contemplaria os fardados. Não custa lembrar que, com efeito, muitos agiram ao arrepio de seus superiores. E já está demonstrado que, em certas circunstâncias, a hierarquia teve de engolir batráquio golpista, enquanto durasse o governo do insano, para que não sobreviesse o risco de desordem nos quartéis. Esse parece ser o caso, por exemplo, do então comandante do Exército Freire Gomes. Assistiu à insuflação de fardados da ativa, suportou o assédio do próprio presidente da República, mas deixou claro que, por suas mãos, a ordem não seria rompida. Segundo o inquérito da Polícia Federal, Batista Júnior, no comando da Aeronáutica à época, também repudiou o rompimento da legalidade.

Ocorre que os golpistas não ameaçaram apenas a democracia e a ordem civil. Eles também feriram a hierarquia e desrespeitaram seus superiores. E inexiste força armada sem disciplina, ou o que se tem é desordem armada. Alguns dos militares denunciados atacavam duramente a própria cúpula das Forças, acusada de ser frouxa. E, sim, também os militares terão de acertar as contas, no âmbito que lhes cabe, com aqueles que resolveram escolher o caminho da desordem.

AVANÇO E RETROCESSO
Podemos celebrar um avanço, não? A cúpula militar não está fazendo lobby nenhum em favor "dos seus". Porque, de fato, "seus" não são. Aqueles que se meteram com uma tentativa de golpe desonraram o seu uniforme e violaram a Constituição. Logo, têm de ficar longe dos quarteis. Mais: houve o claro incentivo à desordem. Segundo os autos, Braga Netto, por exemplo, estimulou ataques nas redes aos oficiais-generais que não aderiram à intentona.

Onde é que se concentra hoje o desvario? Por ora, na Câmara dos Deputados. A tentativa de forjar a impunidade a Alexandre Ramagem e aos outros 33 denunciados pela PGR só nos diz que parte considerável desses valentes poderia promover ou tolerar novos ataques à ordem democrática.

Quem propõe um golpe propõe todos caso não seja punido ou não emita sinais de arrependimento. Quem condescende com um golpe condescende com todos caso não faça um "mea culpa".

Os militares, felizmente, estão dizendo: "Aqui não! Os que escolheram a desordem não têm lugar entre nós".

Já os que, na Câmara, resolveram forjar a impunidade estão dispostos a flertar com os golpistas do passado, que ainda é presente, e do futuro.

Resta torcer para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), faça a escolha sensata. Precisa decidir se quer ser refém da Constituição — e duvido que ele tenha alguma dúvida sobre a literalidade do Parágrafo 3º do Artigo 53 da Constituição — ou daqueles que resolveram se insurgir contra o resultado das urnas e contra a própria Carta que rege a democracia.

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Ah, sim: vocês podem não lembrar de cabeça o que diz o tal Parágrafo 3º do Artigo 53:
"§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado,
por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação."

Que trecho aí dá azo a que se sustem ações penais por crimes anteriores à diplomação ou permite que aqueles que parlamentares não são se abriguem à sua sombra?

Trata-se, apenas, de uma escolha entre a ordem e a desordem; entre a democracia e o golpismo exercido por outros meios.

Com a responsabilidade de quem comanda Armas, os militares sabem disso. Que Motta veja a questão com os mesmos olhos responsáveis de quem representa o poder civil.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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