Reinaldo Azevedo

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Opinião

Eduardo 'pensador' e Marina agredida: 'Cría cuervos y te sacarán los ojos'

Há uma "metafísica influente" — a expressão é de Umberto Eco — a unir o espetáculo de cafajestagem, misoginia e racismo que colheu ontem a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) na Comissão de Infraestrutura do Senado e as manifestações insanas do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, tornado queridinho em certos ex-setores da imprensa — ou setores da ex-imprensa, sei lá. Como essa estupidez a que chamam "polarização" tomou conta do debate, a defesa de fundamentos elementares da civilização e da boa educação logo se confundem com extensões do lulismo, e, como a tarefa de alguns "gigantes" do pensamento é praticar a "isenção", então se flerta abertamente com a barbárie, abrem-se os microfones para seus representantes e arautos, sob o pretexto de praticar a pluralidade. É um troço assombroso.

Escolham o assunto: julgamento dos golpistas, PEC da Segurança Pública, isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil, alguma forma de regulação das redes, preservação do meio ambiente... Ainda que um "progressista" esteja dizendo apenas o óbvio — como no caso da PEC da Segurança —, há que se garantir, de maneira acrítica, a versão do edificante pensamento dos hunos — com as vênias aos hunos, hein?, que emprego como clichê, já que não eram tão "hunos" assim... Não por acaso, adivinhem se Eduardo não saiu em defesa dos agressores de Marina...

O que se viu no Senado, especialmente nas figuras abjetas de Maros Rogério (PL-RO) e Plínio Valério (PSDB-AM), é, creiam, uma espécie de anúncio do colapso do Senado. É evidente que ninguém está obrigado a concordar com os postulados de Marina, ainda que ela esteja entre as maiores ambientalistas do mundo e seja uma referência técnica obrigatória na área. Se há reservas e críticas à atuação da ministra, isso pode ser exposto dentro dos parâmetros do Código de Ética do Senado. Mas o tal Valério anunciou a disposição de desrespeitá-la, tentando fazer uma dissociação entre a figura da ministra e a da mulher. Alguém antes, por ali, partiu um homem ao meio?

E notem que ele está por aí, falando pelos cotovelos mesmo depois da cafajestada. Já exaltou em circunstância anterior a própria paciência, dizendo ter conseguido ouvi-la sem enforcá-la, o que teria despertado até certa inveja em sua mulher, com quem ele não teria tanta paciência. Como as palavras fazem sentido, deve-se supor que já deixou claro em sua própria casa a disposição de enforcá-la.

Marcos Rogério preside a comissão. Assistiu calado à escalada de agressões à ministra até o momento em esta reagiu. E, então, a sua fúria de voltou contra a vítima. E, então, espancou o decoro e a língua: "Se ponha no teu lugar". Não que surpreenda: este senhor atuou como um dos maiores sabotadores da CPMI da Covid. Estão por aí, depois de tudo, com microfones à disposição, a fazer praça de seu feito heroico.

EDUARDO
Falei aqui da tal "metafísica influente" em que essa gente deixou de ser a escória da civilização para ser referência e ponto de ancoragem respeitável de expectativas. Ora, não está Eduardo em toda parte um hortelão bem-sucedido em determinados nichos do ex-jornalismo, a vomitar as suas noções particularíssimas do estado de direito e do devido processo legal? Quando Marco Rubio, secretário de Estado daquele presidente que pune universidades, condescendeu com a possibilidade de punir o ministro Alexandre de Moraes -- e o deputado licenciado a se jactar de sua empreitada bem-sucedida --, houve por aqui algumas reputações que preferiram criticar o ministro. "Ah, então ele não é criticável, Reinaldo?" Todo mundo é. Eu já fiz apostrofes atrevidas até com o Deus do Velho Testamento: intolerante, iracundo, sem critério a distinguir peixinhos de tubarões. O ponto não é esse. É que existe uma diferença nada ligeira entre reportar o que fazem e pensam os afascistados e alcá-los a condição de uma das vozes respeitáveis da democracia. A razão é simples: atuam para destruí-la.

O "pensador" Eduardo -- agora alvo de inquérito aberto pela PF, a pedido da PGR, com autorização do Supremo -- foi para as redes para anunciar o seu particularíssimo entendimento do devido processo legal. Como passou a ser tratado como um cara batuta, empolgou-se. Nas redes, escreveu:
"1- Gonet afirma que a PGR (por ele comandada) foi incluída, por mim, no pacote de sanções dos EUA contra 'autoridades' brasileiras. Sendo o Gonet uma delas, o PGR é impedido de atuar no caso.

2- O ministério público e a magistratura têm o dever legal de se declararem suspeitos ou impedidos. É óbvio o impedimento de um procurador e juiz que se dizem 'alvo' das medidas pretendidas pelo 'investigado'."

Observem que está a dizer que alcançou a notável posição de quem está acima do Poder Judiciário e do Ministério Público. Logo, o estado brasileiro passa agora a ser formado pelos Três Poderes, pelo Ministério Público e pela Família Bolsonaro, que, assim, torna-se o Poder dos Poderes.

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Ele prossegue:
"3- Não existe ameaça de objeto lícito. Se busco punições internacionais, baseadas em leis e jurisdições externas, é meio óbvio que o crime de coação é mais um crime impossível, inventado pelos tiranetes que estão sendo legalmente denunciados."

Na condição, pois, de representante do Suprapoder, ele decide o que é lícito e o que não é. Assim, nada há que lhe possa ser considerado ilícito porque não pode haver impropriedade se ele é a única fonte que legitima as próprias escolhas.

Foi além:
"4- Todos meus atos foram praticados na jurisdição americana, solicitando medidas legais sob essa jurisdição. Mais uma vez a trupe de Moraes invade essa jurisdição e avoca para si o direito de punir pessoas que agem sob sua proteção e regulação."

Observem que já não reconhece a legislação brasileira e seus óbices. Como se fosse um parlamentar dos EUA, diz: meus parâmetros não estão no Brasil.

Mais um pouco:
"5- Ao tentar me intimidar, ameaçando meu pai de prisão preventiva e coagindo a ser ouvido por atos que eu pratiquei, a trupe dos aloprados alexandrinos mostra que não há qualquer respeito a individualidade das condutas, como já ficou mais do que claro nesses últimos anos."

Intimidação uma ova! Eduardo está nos EUA para tentar cavar uma punição a Alexandre na esperança de que isso assuste os outros ministros, de modo a haver um recuo do tribunal, o que impediria a punição a Bolsonaro pai, que recuperaria a sua elegibilidade. O ex-presidente já deixou claro o intento, como se precisasse, e disse ser ele a sustentar o filho do exterior. O deputado licenciado, de resto, ameaça todos os ministros, dizendo que tentará deixar fora da lista apenas três: André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux.

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É claro que se trata de coação no curso do processo; é claro que se trata de um esforço para obstruir a investigação; é claro quer se trata de interferência na instrução criminal. E notem que pretende ir muito além de uma eventual intimidação de testemunhas ou condução de seus respectivos depoimentos. O objetivo declarado é intimidar o próprio Poder Judiciário e o Ministério Público — afinal, diz, são "suspeitos" no seu caso.

A afirmação vem da mesma extração daqueles que defenderam abertamente, em vomitórios disfarçados de colunas, que Moraes deveria ter se declarado impedido para relatar o inquérito do golpe porque, afinal, ele era um dos ameaçados de morte e, pois, interessado na causa, como se o próprio Código de Processo Penal não trouxesse uma vacina no Artigo 256: "A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la."

Eduardo pegou balda, não é?, com aqueles que lhe deram trela e agora resolveu desenvolver a tese notável da suspeição de todo o Judiciário e do próprio Ministério Público.

FLERTE COM A BARBÁRIE
Mais do que o flerte, a cópula mesmo com o reacionarismo mais abjeto produz os seus rebentos. O que vimos ontem no Senado, com o ataque covarde à ministra Marina Silva, que reagiu com firmeza, pode ser apenas o prenúncio do Senado que está por vir.

Os microfones e textos generosamente cedidos aos golpistas — sob o pretexto de que "tudo é polarização, de sorte que ou se é Lula ou se é Bolsonaro" — acabam por espancar muitas vezes a razão, sob a justificativa da pluralidade (é o caso da PEC da Segurança) e por alçar à categoria de coisa respeitável as teses que destroem a democracia.

Curiosamente, esse comportamento tem uma premissa silenciosa, de que nem seus próprios arautos se dão conta: a de que é impossível haver uma direita civilizada, que respeita a Constituição e as regras do jogo, porque toda ela estáa subordinada aos ditames e às loucuras do bolsonarismo.

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Há nisso tudo uma esperança igualmente silenciosa: a de que Tarcísio de Freitas acabe por ser o nome que vai "romper a polarização", ainda que sua disposição de se opor à sandice de seus padrinho político não seja nada além de mera torcida. Esses nefelibatas da "antipolarização" podem dormir sonhando com Tarcísio e acabar acordando ao lado de Michelle, com o Senado colonizado por pelos Plínios Valérios e pelos Marcos Rogérios...

Aí, sim, vai ser bacana debater liberdade de expressão e devido processo legal, não é mesmo, com essa gente? Além, claro!, de liberalismo e outras mumunhas. Como tem sido nos EUA...

"Cría cuervos, prensa, y te sacarán los ojos".

A barbárie pode estar apenas no começo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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