Moraes e Bolsonaro de frente; defesas miram virada política pró-impunidade

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Começa hoje, às 14h, a fase dos depoimentos dos réus do primeiro grupo de pessoas acusadas de tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Essa é a turma dos graúdos, a que pertence Jair Bolsonaro. Além dele, integram a patota Mauro Cid, que se tornou delator; os generais da reserva Augusto Heleno, Paulo Sergio Nogueira e Walter Braga Netto; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, e o almirante Almir Garnier, também da reserva. O ex-presidente prometeu que nada será como antes depois de sua fala. Será?
Cid abre os trabalhos justamente porque fez a delação. Como há a possibilidade de comprometer os demais, estes serão interrogados depois. É parte do correto sistema de garantias que há no Brasil. Os depoimentos estão previstos em cinco sessões, até sexta. Se necessário, outras serão marcadas. Os réus falarão em ordem alfabética. Jair será o sexto. Não é permitido que conversem entre si, mas as respectivas defesas podem dirigir perguntas a qualquer depoente.
Na sexta, em reunião do PL Mulher, Bolsonaro discursou e convocou seus apoiadores a assistirem a seu depoimento, que, na melhor das hipóteses, não deve ocorrer antes de quarta-feira. Como é de seu feitio, o "Mito" bateu no peito e anteviu o próprio triunfo, agradecendo a Deus a oportunidade de falar. E disse que assim é porque, afinal, tem a verdade...
É bravata, claro! Se tivesse a pedra filosofal, apta a transformar as evidências de culpa em atestados de boa conduta, é de se supor que seus advogados já a teriam apresentado. Ele sabe que as provas contra ele são esmagadoras. O mais provável é que apresente mais do mesmo: os encontros com os comandantes militares para debater a minuta golpista teriam tratado de remédios que estão na Constituição; um golpe requer mobilização de tropas; ele nem mesmo estava no Brasil no 8 de janeiro de 2023... Conhecemos essa ladainha. Uma indagação e uma resposta servem para quebrar essa linha de zaga.
OS CRIMES E A LINHA DE DEFESA
Quando o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou a minuta do golpe a Carlos de Almeida Batista Jr., que era comandante da Aeronáutica, este perguntou ao interlocutor se o que ia no documento previa "a não assunção do eleito em 1º de janeiro", e ouviu que "sim". O nome que isso teria? Golpe. Era o que se tentava? Sim. E o Código Penal pune as tentativas de golpe de Estado e de abolição do estado de direito. Para que tal objetivo pudesse ser alcançado, estruturou-se uma organização criminosa. Como há liames causais entre a conspirata e o ataque às respectivas sedes dos três poderes, os réus respondem, também e apropriadamente, por dois outros crimes ligados ao ataque ao patrimônio. São, pois, cinco as imputações.
São tantas e tão evidentes as provas de que se tentou romper a legalidade para impedir a posse do eleito que, numa perspectiva que fosse puramente técnica, o mais sensato seria que as defesas investissem numa estratégia de redução de danos, buscando amansar os contornos das acusações, sem, no entanto, negá-las integralmente e de forma tão peremptória. Mas, como é sabido, não é isso o que está em curso.
Desde o início, tenta-se pespegar no processo a pecha da ilegalidade e do cerceamento do direito de defesa, o que se evidencia pelos vários pedidos de suspeição, pelas manobras protelatórias, pelas invectivas contra o andamento da ação, que estaria sujeita a uma celeridade excepcional. Nada procede. Mas essas são sementes que se lançam apostando num terreno mais fértil no futuro.
IMPUNIDADE FUTURA
Bolsonaro investe na conversa mole de que será candidato em 2026. Não será. Vende caro o seu apoio porque, na hipótese de vitória de um aliado na disputa presidencial, pretende criar as condições para garantir a impunidade a si mesmo e a outros golpistas, seja por meio de uma anistia aprovada pelo Congresso, seja por intermédio da graça, que pode ser concedida pelo chefe do Executivo. Uma coisa e outra, se feitas com mero intuito de desautorizar o STF, seriam inconstitucionais. As acusações infundadas contra o andamento do processo buscam apenas criar falsas evidências que justifiquem posteriormente uma eventual virada de mesa (i)legal. Trata-se, desde já, de um esforço de intimidação da Corte.
E o ex-presidente não esconde. No tal evento do PL, falou sobre a necessidade de controlar o Senado porque, disse, isso significaria ter mais poder do que o próprio presidente da República. Vale dizer: o sujeito continua golpista, mas agora por outros meios. Se tiver um número de senadores que lhe permita ameaçar um ministro do tribunal (adivinhem quem) com o impeachment, acredita poder virar o jogo.
Lembro, não com o propósito de chatear tão notável pensador, que inexistem atos da vida pública que estejam imunes à apreciação do Judiciário. Um eventual processo de impeachment de ministro do STF, o que nunca aconteceu, passaria necessariamente pelo crivo do... STF. Mas o golpista ainda assim delira.
Ele avisou ainda, ao convocar seus fiéis, que não pretende "lacrar" durante o interrogatório. Melhor não. Ou sai de lá diretamente para o xilindró. Convém lembrar que o terrível "Xandão" até que está sendo bem "Xandinho" com ele. Depois que confessou que financia pessoalmente a campanha que seu filho move nos EUA para intimidar o Supremo, o ministro não decreta a sua prisão preventiva porque não quer. Motivo escancarado para isso há. Se Bolsonaro resolver ter um chilique durante a sessão, antecipa a sua temporada na Papuda.
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