Reinaldo Azevedo

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Opinião

Cid expõe digitais de Bolsonaro no golpe. E quando questão da defesa acusa

O depoimento de Mauro Cid foi devastador para Jair Bolsonaro, embora alguns fanáticos estejam a comemorar. Cada maníaco com suas... manias. Três momentos merecem destaque. O primeiro dispensa explicações. O ex-ajudante de ordens confirmou que o então presidente alterou pessoalmente a primeira versão da minuta do golpe, retirando outras autoridades da lista de prisões, mantendo apenas o nome de Alexandre de Moraes. E esboçou um fragmento de frase: "O resto..." Moraes emendou com ironia: "Ao resto, foi concedido habeas corpus".

Mais tarde, Cid se refere ao general Estevam Teophilo, que chefiava o Comando das Forças Terrestres. Reproduzo o trecho. O depoente e Moraes estão a falar sobre a atuação de Teophilo:

CID - É que por, mais que os militares, Alguns do Alto Comando, concordassem ou tivessem uma ideia da maneira como foi conduzido o processo eleitoral, alguma coisa [está informando que tais militares eram críticos ao processo eleitoral], eles não fariam nada que quebrasse um elo de legalidade, né? Então, para que alguma coisa fosse feita, teria que ter uma ordem, e essa ordem tinha que vir com o presidente, com o comandante do Exército, e chegava a ordem para os escalões subordinados. Então era nesse sentido que ele falava: "Ó, se assinar, o Exército vai cumprir, mas não que ele fosse cumprir ou ele que fosse tomar a iniciativa.

MORAES - O general, então, Teophilo disse que... O senhor disse isso: 'que, se o presidente assinasse a minuta e transformasse em decreto, ele cumpriria as ordens do decreto...

CID: é, o Exército iria cumprir.

MORAES: Ele disse isso?

CID: É, o Exército iria cumprir.

MORAES: Como o senhor ficou sabendo que ele disse isso?

CID: Isso foi num bate-papo informal, entre a entrada dele e a saída dele no Alvorada.

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MORAES: Então ele chegou a conversar com o senhor e afirmou isso?

CID: Isso! É.

RETOMO
E não é que há quem esteja por aí a boquejar que o diálogo só evidenciaria que, afinal de contas, Bolsonaro não assinou o tal decreto, o que o livraria da imputação da tentativa de golpe de estado? Que a defesa o faça, vá lá. À parte os que estão numa empreitada profissional em favor do réu, leitura parecida incide ou em burrice ou em má-fé. Alguém mais com um mínimo de informação a respeito do caso, além de Luiz Fux (ainda falarei a respeito), ignorava que o então presidente, afinal, não havia assinado o tal decreto?

A propósito: como é que um comandante de tropa mantém um diálogo como esse com o ajudante de ordens, no Palácio da Alvorada, aonde foi para falar com o presidente? Falar sobre o quê? Bem, o papinho com Cid deixa claro, não?

E Bolsonaro nada assinou justamente porque havia uma divisão no Alto Comando. O próprio Cid chegou a comentar com interlocutores no WhatsApp que o então recluso do Alvorada — mas não inerte — não confiava no "AC" (Alto Comando), razão por que hesitava. O que o depoente revela aí, isto sim, é quão perto do golpe o país chegou. Muito mais do que todos imaginávamos. A hipótese parecia tão tresloucada que muitos nos negávamos a acreditar que a insanidade pudesse ir tão longe.

E foi. Vejam aí: um general quatro estrelas, comandante de tropa, a dizer: "Se assinar o decreto, o Exército cumpre", tal era o estado de agitação que ia pela cúpula das Forças, estimulada por um fanfarrão violento, que ousava apresentar minutas de golpe aos comandantes militares. Ter-se acovardado na reta final, evitando colocar as próprias digitais na intentona — apostando que o caos se daria na sua ausência — não o livra das imputações. Muito pelo contrário. O episódio sobre Teophilo só evidencia como se tangenciou o caos.

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Parece que, mais uma vez, robustece-se o papel do general Freire Gomes. A agitação era tal, revelou Mauro Cid, que Freire Gomes pedia para ser informado de qualquer movimentação excepcional. Temia que algo pudesse eclodir nas Forças à sua revelia. E, note-se à margem, o delator confirmou a atuação em favor do golpe de Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, e de Walter Braga Netto. Battista Jr., que comandava a Aeronáutica, aparece uma vez mais como um legalista.

A INTERVENÇÃO DA DEFESA
Celso Villardi, um dos defensores de Bolsonaro, também teve o seu momento, em trecho bastante reproduzido pelos bolsonaristas nas suas redes, como se precisassem convencer a si mesmos. Não precisam. Essa gente chama até minuta de golpe de "remédio constitucional". Os juízes precisam ser convencidos, e as provas reunidas é que têm de ser desmoralizadas por fatos. Vamos lá. Villardi pediu para que se colocasse um áudio no ar. Reproduzo o diálogo entre o advogado e Moraes:

VILLARDI - Ministro, à luz da resposta dele, tenho um áudio aqui do telefone dele que está nos autos. Posso colocar?

MORAES - Por favor.

(ENTRA A VOZ DE MAURO CID)
"General, bom dia! Ontem, o presidente, eu senti que ele já, praticamente, acho que desistiu de qualquer coisa ou de qualquer ação mais contundente. Ontem, por várias vezes, ele comentou que o governo Lula, um possível governo Lula, como ele sempre fala, não daria certo... Ele vai meter o pé pelas mãos; ele [Lula] vai botar os servidores todos contra ele [o próprio Lula]. Tanto que ontem ele comentou e pediu para deixar tudo andar em termos de relatório; não quer que ninguém fique pressionando nada. Ele conversou bastante tempo com Valdemar também, ontem, no começo da tarde. Ontem, o general Pazuello esteve com ele, dando sugestões, ideias de como ele podia, de alguma forma, tocar o Artigo 142, né?, alguma coisa assim... Ele desconversou, não quis nem saber..."

(VILLARDI RETOMA)
VILLARDI: Então, presidente, eu queria perguntar...

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MORAES: O sr. vai pedir aditamento da denúncia? Em relação aos empresários e ao Pazuello?.

VILLARDI: Não, não, presidente, é que...

MORAES: Fiquei na dúvida.

NOVIDADE ZERO
Epa! O questionamento da defesa então confirma as vinculações de Bolsonaro com a tramoia, em vez de negá-las, ainda que a fala esteja na boca de Mauro Cid. Flagra-se um eventual momento de abulia do golpista, mas não uma desistência. Verão por quê.

Sabem o que há de novidade no que vai acima? Absolutamente nada. A visita se deu no dia 7 de dezembro. Transcrevo trecho do relatório da Polícia Federal de 2024 enviado a Moraes sobre o acordo de delação de Cid:
"O diálogo já demonstra uma atuação do deputado federal Eduardo Pazuello no sentido de propor uma ruptura constitucional, com fundamento em uma interpretação anômala do artigo 142 da Constituição. Nesse sentido, o colaborador Mauro Cid afirmou, em acordo de colaboração, que o general Pazuello integraria o grupo de radicais que queriam reverter o resultado das eleições"

Sigamos com o relatório. Naquele momento, de acordo com Cid, "Jair Bolsonaro desconversou e não quis nem saber". O delator também cita empresários, como Meyer Nigri e Luciano Hang, que teriam pressionado Bolsonaro para que ele obrigasse o Ministério da Defesa a fazer um relatório "mais duro" sobre as eleições com o "objetivo de virar o jogo".

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Entenderam por que Moraes pergunta, em tom irônico, se o advogado quer aditamento na denúncia para incluir Pazuello e os empresários?

Tanto um episódio como outro só colocam Bolsonaro no centro da conspiração, ainda que hesitasse. E não! Bolsonaro não havia desistido do golpe no dia 7 de dezembro. Acho que Villardi contribuiu para evidenciar os vínculos de seu cliente com a conspiração, ainda que não confiasse em Pazuello. Bem, eu também não confiaria. Ele nunca foi muito bom de logística, não é mesmo?

NÃO HAVIA DESISTIDO
Tanto Bolsonaro não havia desistido, como tenta fazer crer a defesa, que temos um outro diálogo importante entre Moraes e Cid, que traz trechos do depoimento do ex-ajudante de ordens à PF. Vamos lá.

MORAES: "Que, no dia 8 de dezembro, o general Mário Fernandes indicou que conversou pessoalmente com o presidente Jair Bolsonaro, e há comprovação de que esteve no Palácio. O senhor sabe se ele efetivamente conversou nesse dia com o presidente?

CID: Sim, senhor. Ele esteve no palácio. A data... Não me lembro da data. Mas que ele conversou em algum dia desses aí com o presidente, sim.

MORAES: O senhor confirma ter recebido a mensagem do general Mário Fernandes, que também é réu num outro núcleo? Duas mensagens, mas uma que me parece mais importante.

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MORAES PASSA A LER A MENSAGEM DE FERNANDES A CID

'Boa noite, meu amigo! Antes de mais nada, me desculpe estar incomodando. São duas coisas. A primeira: durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12 [de dezembro], pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição; que isso pode; que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo...'

MORAES: O senhor confirma essa mensagem?

CID: Sim, senhor. Confirmo."

RETOMO
Cid não lembra a data, mas eu lembro. No dia seguinte à visita de Mário Fernandes, o homem do "Punhal Verde Amarelo", Bolsonaro rompe o longo silêncio e recebe manifestantes golpistas nos Jardins do Palácio da Alvorada, o que fez também em 12 de dezembro, data da diplomação de Lula, quando a sede da PF em Brasília foi invadida, com quebra-quebra e ônibus incendiados. No dia 9, depois do papo com Fernandes, o então presidente deixa claro que algo iria acontecer. E justamente no âmbito das Forças Armadas. Transcrevo:

"Quantas vezes eu disse ao longo desses quatro anos? Temos algo mais importante do que a própria vida, que é a nossa liberdade. As decisões, quando são exclusivamente nossas, são menos difíceis e menos dolorosas, mas, quando elas passam por outros setores da sociedade, elas são mais difíceis e devem ser trabalhadas. Se algo der errado, é porque eu perdi a minha liderança. Eu me responsabilizo pelos meus erros, mas peço a vocês: não critiquem sem ter certeza absoluta do que está acontecendo".

Em mensagem a Cid, Fernandes saudou a fala do então presidente, exultante porque este teria decidido agir. Acho que nem o dr. Villardi conseguiria afirmar que seu cliente está ali a falar sobre a transmissão do cargo ao sucessor e a posse de Lula...

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ENCERRO
A situação de Bolsonaro, depois do depoimento de Cid, só não ficou pior em relação ao status anterior do que a de Braga Netto. O tenente-coronel reiterou as digitais do então mandatário na minuta golpista. As duas situações que supostamente limpariam um tantinho a barra -- a do general Teophilo e a de Pazuello -- só evidenciam as suas vinculações com a conspiração.

Bolsonaro se meteu de tal sorte no rolo que as tentativas de defendê-lo acabam por incriminá-lo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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