Moraes e Gonet brilhantes, Bolsonaro moído e democracia vitoriosa até aqui

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O golpista Jair Bolsonaro foi triturado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal sobre a intentona golpista, e por Paulo Gonet, procurador-geral da República. E, como todos viram, seria impossível haver autoridades mais serenas, mais técnicas, mais amigáveis com os réus e com os advogados presentes. Não houve, no curso das duas sessões, nenhum momento de estridência, de crispação, de comportamento que pudesse, em alguma medida, ser acusado de heterodoxo. E assim foi com todos os depoentes.
E olhem que a causa é sabidamente difícil, complexa, com o Supremo — com a devida vênia às defesas, e lhes reconheço a faculdade de tentar o melhor para seus constituídos — levando algumas caneladas, o que hoje encontra, sim, acolhida em certos nichos da imprensa. Refiro-me às várias petições arguindo suspeições descabidas e acusações de interferência indevida no curso do processo, de sonegação de provas, de celeridade indevida etc. Nada disso se sustenta. Mas me parece que se planta agora em solo que se imagina fértil no futuro: uma eventual "virada" no jogo político, quem sabe com a eleição de um aliado Bolsonaro, seria o gatilho para atualizar esse certo manto de ilegitimidade com que tentam cobrir um processo exemplar. Mas isso o futuro dirá. Voltemos ao ponto.
MERGULHADO NO GOLPE
Bolsonaro não conseguiu, obviamente, se descolar das articulações para a tentativa de golpe de estado -- o que, parece, é muito provável, o ministro Luiz Fux não considera crime, ainda que o Código Penal que serve ao resto do país assim o entenda. A justificativa do ex-mandatário não poderia ser mais estupidamente singela: como o TSE multou o PL em razão de sua petição malandra questionando o resultado da eleição -- pedia, com argumentos fraudulentos, a anulação de urnas apenas para a Presidência, mas não para os demais cargos --, Bolsonaro alegou que, vendo-se, então, sem outro modo de contestar o resultado, passou a discutir estado de sítio, estado de defesa, GLO. Mas a coisa logo foi abandonada, garantiu. Bem, não é o que dizem os fatos. Não é o que diz a apuração da PF. Não é o que diz a denúncia da PGR, ancorada numa penca de provas.
O que já se tem claro a esta altura, por depoimentos como o de Batista Jr., ex-comandante da Aeronáutica, e de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator, devidamente corroborados por provas, é que o país ficou, sim, à beira do golpe. E este só não aconteceu, está cada vez mais claro, porque o comandante do Exército de então, Freire Gomes, resistiu, o que lhe rendeu comprovada campanha de difamação, levada adiante por golpistas. Ressoou com clareza inédita no depoimento de Cid a consideração que ele atribui ao general Estevam Teophilo: se Bolsonaro tivesse assinado o decreto, o Exército teria cumprido a decisão. E por que não assinava? Porque o comandante o advertia para os riscos.
FIASCO
Bolsonaro convocou os seus seguidores para assistir a seu fiasco, simulando ter algo de definitivo a dizer, a dirimir toda dúvida sobre o que se deu. Não passa de um poltrão. Confrontado com as acusações que fez de que os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso haviam levado US$ 20 milhões para cavar a sua derrota e o próprio Alexandre, outros US$ 50 milhões, não lhe ocorreu nada a não ser confessar que estava mentindo. E, por isso, se desculpou. Para tentar demonstrar que nada havia de pessoal na invectiva, teve o desplante de dizer que teria afirmado a mesma coisa se os ministros fossem outros. E talvez considere que isso evidencia a sua pureza de alma.
Exposto às acusações infundadas que fez ao sistema eleitoral em encontro com embaixadores, na reunião com a cúpula do governo no dia 5 de julho de 2022 ou num evento de 7 de Setembro, algumas delas acompanhadas de ameaças explícitas, restou-lhe responder o quê? Disse que todos conhecem o seu temperamento explosivo; que ele é mesmo desse jeito... Vale dizer: alimenta uma máquina de boataria, de difamações, de injúrias, de calúnias porque entende ser este o seu modo de fazer política. Insistiu, por exemplo, que o Inquérito 1361, sobre uma invasão ao sistema do TSE, teria alguma relação com eleição. Restou a Moraes pedir que consultasse seus advogados para saber que se tratava apenas de mais uma mentira.
ANJOS DE CANDURA
Toda aquela gente antes tão valente, que batia no peito e ameaçava as instituições, a imprensa, os adversários... Bem, todas elas se tornaram anjos de candura no interrogatório, diante dos fatos e da inquirição conduzida por um juiz que não estava interessado em evidenciar a sua afeição ou desafeição pelos réus para lacrar nas redes -- lembrei-me das grosserias de Sergio Moro e Gabriela Hardt com Lula, por exemplo --, mas em fazer perguntas sobre a sua atuação em feitos que estavam na denúncia da PGR, que, por sua vez, estava calcada no inquérito da Polícia Federal.
DEMOCRACIA VITORIOSA ATÉ AQUI
Assistimos a um procedimento só possível porque os golpistas perderam. Porque perderam, estavam ali a depor sobre a tentativa de golpe de Estado, a tentativa de abolição do Estado de direito, a organização criminosa que foi estruturada para tal intento e dois crimes contra o patrimônio decorrentes do 8 de janeiro, resultado extensivo evidente da arquitetura criminosa. Podiam fazer uso do direito ao silêncio -- a exemplo de Augusto Heleno; estavam protegidos pela sapiência dos seus advogados; tinham e têm todas as garantias da democracia e do estado de direito, que não foram abolidos. E, em larga medida, o regime democrático aí está porque o tribunal que realizava as audiências resistiu.
Tivessem vencido, os que resistiram ao golpe não estariam agora num tribunal, mas num pau de arara. Porque, afinal, ou bem punimos tentativa de golpe de estado, ministro Luiz Fux, ou bem não se punirá golpe de estado depois, não é mesmo? Afinal, em matéria de golpe, a tentativa é a fato consumado. Ou só restará lamentar no exílio ou ser torturado nos porões.
As sessões desta segunda e terça, com atuações de gala jurídica de Moraes e Gonet, provam que a democracia venceu. Mas também evidenciam como ela pode ser facilmente ameaçada por delinquentes e irresponsáveis se a gente flertar com o autoritarismo sob o pretexto de garantir a pluralidade. Nunca foi tão necessário debater de novo o paradoxo da tolerância.
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