Reinaldo Azevedo

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Opinião

Perguntas absurdas de Fux a Cid provocam frêmitos gozosos nos bolsonaristas

Os bolsonaristas nas redes tiveram frêmitos verdadeiramente gozosos ontem com o desempenho do ministro Luiz Fux no depoimento de Mauro Cid. Não era obrigatório, mas ele decidiu participar. Deu-se o seguinte diálogo:

FUX - E aqui consta que, em várias ocasiões, o senhor falou que, na qualidade de anteparo, o senhor tinha a função de pressionar o presidente para assinar a minuta do estado de defesa, do estado de sítio etc e tal. Esse documento foi assinado?

CID - Não, senhor! Não foi assinado. Em nenhum momento. Não foi assinado. Inclusive era a grande preocupação do comandante do Exército [Freire Gomes]. É por isso que ele me chamava várias vezes: [a preocupação era] que o presidente assinasse alguma coisa sem consultar e sem falar com ele antes. Porque, de certa forma, todo aquele imbróglio ali de pessoas, desses grupos que eu dividi, ele [Freire Gomes] acabava sendo a voz mais lúcida, que queria conversar, que dava um entendimento maior do que estava acontecendo".

Nem que Jair Bolsonaro tivesse contratado a soldo um elemento provocador para atuar no julgamento, o trabalho teria sido tão eficaz para alimentar as redes de extrema direita. A pergunta é inaceitável, estúpida mesmo. Qualquer pessoa informada sobre o inquérito sabe que a minuta não virou decreto e, portanto, não foi assinada.

Fux estava desavisado? Seus auxiliares não lhe fizeram um resumo do inquérito e da denúncia? Ora...Não era ignorância, mas cálculo. Convenham: parece tratar-se menos de uma pergunta do que de uma tese a ser desenvolvida: se não teve o ato de ofício, o carimbo, a assinatura, então nada teria acontecido.

Quando se julgou a aceitação da denúncia contra os golpistas, convém lembrar, o ministro aproveitou para debater o que não estava em pauta: o caso da dita "cabeleireira Débora" e os tipos penais "tentativa de golpe de Estado" e "tentativa de abolição do Estado de direito". Afirmou:
"Tenho absoluta certeza de que, se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como crime consumado. Não tenho a menor dúvida disso."

E prosseguiu sobre esses outros tempos, que não disse quais: haveria arguições de inconstitucionalidade em razão da violação da Constituição, do princípio da reserva legal, da individualização das condutas, e jamais se admitiria que a tentativa fosse considerada crime consumado.

Entendido. Nesses outros tempos de Fux, só se consideraria consumado o golpe propriamente, hipótese, então, em que os golpistas, que certamente não puniriam a si mesmos, aproveitariam para caçar e cassar os golpeados.

No mesmo dia, no entanto, afirmou:
"Mas dura lex, sed lex. A lei prevê. Está cumprido o princípio da legalidade."

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Será mesmo? Sinto um certo cheirinho de que, para o ministro, golpe tentado não é crime consumado. Por isso as milícias ficaram eufóricas. Parecem dizer elas também: "In Fux We trust", para lembrar um tempo funesto.

FUX E A DELAÇÃO
Não foi o único momento do Fux. Ele já havia implicado antes com a delação de Cid. Voltou à carga ontem, tentando farejar irregularidades. Vamos ao diálogo:

FUX: Nessas várias colaborações, umas eram relativas a uns fatos, outras relativas a outros... No conjunto dessas várias colaborações, o mesmo assunto foi tratado em outras colaborações também? Quer dizer: teve uma colaboração só para esse assunto, teve uma colaboração para outro assunto, depois para outro assunto...

CID: sim, senhor, vários...

FUX: Eu sei que foram vários. Mas eu quero saber: com relação a essa questão da decretação de estado de sítio, da tentativa de golpe, essas suas inquirições foram sendo complementadas?

CID: Basicamente, foi uma vez. Eu fiz o geralzão, né?, um grande depoimento, maior. Depois eu fui chamado, creio, que mais uma vez, né?, com relação à identificação de pessoas, né?, para confirmar se era aquela pessoa que estava lá. E depois eu fui chamado outra vez, que foi, se eu não estou enganado, para falar sobre uma outra reunião dos militares, forças especiais, num bloco de Brasília, num salão de festas de um bloco de Brasília, né?, e, depois da prisão, eu fui chamado para falar desse Plano Verde-Amarelo, ou Punhal Verde-Amarelo aí... Então foi basicamente isso. Mas teve um grande depoimento, e depois os outros foram esses pingados, para complementar, não complementar, mas confirmar ou ratificar outras informações: presença de pessoas, se eu lembrava, não lembrava desse fato, sobre isso aí.

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RETOMO
É claro que Fux, mais uma vez, está tentando pôr em dúvida a delação de Cid, como se isso fosse cabível agora. Para começo de conversa, vamos corrigir o vocabulário técnico do ministro. Não houve "várias colaborações", mas apenas uma. E, dentro dela, há vários depoimentos, o que é absolutamente regular.

Isso é parte do processo de delação premiada. Como, segundo a lei, a fala do delator não é prova, é preciso que se proceda à devida investigação e que as dúvidas sejam dirimidas. Até para que possa haver ou não a homologação. Ou o doutor tem alguma outra ideia a respeito? De resto, o colaborador sempre se fez acompanhar de seu advogado. Cid não caiu na armadilha.

Aquele ministro que se mostrou sempre implacável em outros julgamentos parece estar, desta feita, com o coração mais mole.

Com todas as vênias, as duas questões são despropositadas, além de oblíquas.

Por isso os bolsonaristas foram para as redes para declarar: "In Fux We trust".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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