'Big techs' e impunidade civil: depois do STF, nada será como antes amanhã

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Como cantou Milton, o Nascimento das origens, em parceria com Ronaldo Bastos, haverá limites paras as redes sociais, e "sei que nada será como antes amanhã". A farra como a conhecemos acabou, ainda que venhamos a ficar longe do ideal. Mas lhes conto uma coisa que não é novidade: já me acostumei a ficar longe do que se deve. Estando na trilha certa e olhando para frente, atentos aos barulhos que nos cercam, está bem, desde que possamos caminhar. Cristãos como eu são renitentes e nunca se cansam. Sempre esteve claro que demorará até que, como em Coríntios 13:12, "nos vejamos face a face". Paulo sabia das coisas.
Já são sete votos em favor da responsabilidade civil das "big techs", conforme querem a Constituição e o Código Civil Brasileiro, nos Artigos 186, 187 e 927. A aberração do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que excepciona apenas as "big techs" da responsabilidade civil, já é letra morta. São sete votos inequívocos a reconhecer a primazia do nosso arcabouço legal sobre a fantasia de nefelibatas, alguns de aluguel, e de reacionários: Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Há diferenças de entendimento entre eles, e será preciso construir uma tese. Edson Fachin pediu mais tempo e deve apresentar seu voto no dia 25. Torço para entender o que ele quer. Nem sempre acontece. Às vezes, tropeço na sua sintaxe. Mas lá vou eu: tenho a esperança de um dia entender até o Espírito Santo a falar línguas estranhas. Mesmo sabendo que não acontecerá.
Mas cantarolo com Nascimento e Bastos: "Sei que nada será como antes amanhã". Além do de Fachin, não conhecemos ainda os votos de Carmen Lúcia e Nunes Marques. André Mendonça cedeu ao canto da serei reacionária, para surpresa de ninguém, e se lançou ao mar. Qualquer regulação das redes representaria, entende ele, uma ameaça à liberdade de expressão. Eu adoraria ter tido a oportunidade de lhe pedir que pusesse cera nos ouvidos e se atrelasse ao mastro para não se deixar encantar. Mas também já vivi o bastante para saber que há no mundo os que se permitem atrair pelos pélagos profundos. Dino já disse melhor do que eu: não se estimula o empreendedorismo aéreo, sem nenhuma regulação, em nome do direito de ir e vir.
Os idiotas — e Umberto Eco nos advertiu para o bueiro do capeta destes tempos — dirão que o Supremo toma o lugar do Congresso. Pois é... Há gente que, com seu alegado liberalismo, jura dormir com Burke e acorda inebriado pelos miasmas exalados por, deixem-me ver, Nikolas Ferreira, Carlos Jordy e Bia Kicis.... Empostam a voz, como um trovão de traque, e sentenciam: "Não decidir também é decidir; se o Congresso não vota, nada há a fazer". Não é o que dispõem os Artigos 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito. Quando a lei é omissa, decide o juiz com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais, levando em conta o bem da sociedade.
Continua a caber ao Congresso a necessária regulação das redes, desde que não viole os limites constitucionais e que atenda a seus primados. Ouçam Milton e Bastos: "Nada será como antes amanhã".
Moraes votou nesta quinta. Fez picadinho de uns tontos que apelam, com seu liberalismo de meia-tigela, a John Stuart Mill para alegar que qualquer regra viola a liberdade de expressão. Imaginam viver numa caverna colonizada pelos pares, em que os "outros" são objetos de seus caprichos e até de suas piadas. O ministro afirmou:
"Stuart Mill jamais defendeu a liberdade de expressão absoluta. Na sua célebre obra 'Da Liberdade', de 1859, e Stuart Mill, grande filósofo e escritor foi parlamentar, foi membro do Parlamento Inglês, nessa célebre obra "Da Liberdade', que consagrou a ideia e a defesa [da liberdade] -- ele, como um grande liberal, e não acredito, ministro Zanin, que alguém chamará Stuart Mill de comunista --, lá no século 19, já previa a possibilidade excepcional de restrição a esse direito caso acarretasse o chamado 'dano injusto'; é o princípio do 'dano injusto', criado por John Stuart Mill: 'A única liberdade que merece esse nome é a de buscar nosso próprio bem; da nossa própria maneira, contanto que não tentemos privar os outros do seu próprio bem ou impedir seus esforços para obtê-los. A humanidade -- e sempre em defesa da liberdade de expressão, como todos aqui no Supremo Tribunal Federal o são -- ganha mais tolerando que cada um viva como lhe pareça bom do que os forçando a viver como parece bom aos demais. Segue a liberdade dentro dos mesmos limites de combinação entre indivíduos. Liberdade para se unir para algum propósito, não envolvendo dano aos outros'. E conclui: 'Tão logo qualquer parte da conduta de alguém influencie de modo prejudicial os interesses de outros, a sociedade adquire jurisdição sobre tal conduta. E é questão de saber se essa interferência favorecerá ou não o bem-estar'. Repito essa última parte: 'Tão logo qualquer parte da conduta de alguém influencie de modo prejudicial o interesse dos outros, a sociedade adquire jurisdição sobre tal conduta'".
Está dito.
O problema é que alguns dos nossos "pensadores liberais" citam Stuart Mill, mas aplicam Elon Musk e outros delinquentes.
Estaremos longe ainda do que tem de ser feito. Essa é a condição humana. Mas aquela farra vai acabar.
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