Flávio diz haver um contrato de gaveta para golpe em 27. E agora, imprensa?

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O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) — vocês sabem quem é porque, no caso, nome é destino — concedeu uma entrevista à Folha e pregou um golpe de Estado. Não se refere às barbaridades investigadas na ação penal em curso no Supremo. Obviamente, nesse caso, ele sustenta que nada de grave aconteceu; seria tudo uma invenção de adversários. O filho mais velho de Jair Bolsonaro defendeu que o presidente ou presidenta da República, em 2027, se pertencente a seu grupo e no caso de ser contrariado (a) pelo STF, mande que os militares passem com os tanques sobre o tribunal. Mais grave: ele informa que a conspiração já está em curso, que a unção de seu pai passa pelo compromisso com uma futura intentona e que isso não será dito às claras agora. Logo, já sabemos que o ungido pelo "Mito" terá necessariamente um contrato de gaveta que prevê rasgar a Constituição.
E tudo foi dito, assim, com tranquilidade, como se estivesse a fazer digressões sobre a coisa mais inofensiva do mundo. Talvez o bate-papo tenha sido mediado por educados cafezinho e água. Não tivesse vendido a fantástica loja de chocolates, a mais lucrativa da Terra em moeda sonante, poderia ter oferecido alguns bombons recheados de truculência, mas recobertos de substância adocicada. Eis aí mais uma advertência àqueles que avaliam que esses ditos "patriotas" se dedicam a uma forma um tanto particular do jogo democrático.
Será que exagero? Não peço que acreditem em mim. Creiam, para revelar o pensamento do entrevistado, nas suas palavras. E as palavras, como sabem, fazem sentido. Há circunstâncias em que o contexto pode emprestar aos vocábulos um alcance que o dicionário não oferece. No caso de Flávio, a tessitura do discurso só reforça a pregação golpista e revela o avesso de sua cordialidade — que, de fato, se manifesta como ameaça.
No título da entrevista, a Folha evitou usar a palavra "golpe". Preferiu: "Flávio diz que candidato de Bolsonaro terá de garantir que STF não derrube indulto, mesmo à força". Indagação meramente retórica: como é que tal pessoa imporia uma decisão "forçada" ao ente que simboliza e encarna o Poder Judiciário? Não sendo ela própria a invadir a corte e a estapear os ministros, então é certo que as tropas, de que o presidente da República é a "autoridade suprema", o fariam. Flávio, assim, reincide na interpretação fraudulenta do Artigo 142 da Constituição, que vê as Forças Armadas como o Poder Moderador, tese que até Luiz Fux reconhece como mentirosa. Isso nos remete ao cerne do argumento vigarista de que Bolsonaro buscava impedir a posse de Lula com instrumentos... constitucionais.
Não impressiona nem surpreende que um Bolsonaro pregue que se desfira em 2027, a depender das circunstâncias, o golpe que malogrou em 2022. E olhem que Flávio é visto por alguns como o lado "ponderado" da família. Houvesse alguém de boa-fé a duvidar de que o chefe do clã tentou virar a mesa, bem..., o senador está a dizer, ainda que não empregue estas palavras: "Não só tentamos como poderemos fazê-lo novamente, e aí com mais chance de sucesso. Afinal, até setores da imprensa passaram a achar que, sendo como somos, fazemos parte do espectro democrático. Nós integramos, como dispõe certo clichê hoje em dia, o novo normal". Não se expressaria desse modo por razões distintas e combinadas, mas o sentido seria esse.
QUAIS SÃO AS ASPAS?
Mas, afinal, o que disse Flávio em sua conversa amena com a Folha? Acompanhem esta pergunta e esta resposta, em vermelho.
Um indulto a Bolsonaro seria uma condição para o apoio dele ao candidato da direita?
Muito além disso. Por isso que eu estou falando que a anistia é o remédio. Porque, vamos supor, aconteceu essa maluquice de condenar Bolsonaro. Ele está inelegível, vai ter que apoiar alguém. Não só vai querer apoiar alguém que banque a anistia ou o indulto, mas que seja cumprido. Porque a gente tem que fazer uma análise de cenário também de que, na hipótese de o presidente dar um indulto para Bolsonaro, o PT vai entrar com um habeas corpus no STF. [Vão declarar que] é inconstitucional esse indulto. Então vai ter que ser alguém na Presidência que tenha o comprometimento, não sei de que forma, de que isso seja cumprido.
RETOMO
Vamos lá. De saída, note-se que o instrumento não seria um "habeas corpus". O advogado Flávio perdeu essa aula. Estava ocupado demais sendo o Willy Wonka dos vários negócios da família. Mas isso é o de menos agora. Notem ali: ele dá como certo, não importa a natureza do recurso, que o STF consideraria inconstitucional, porque é, um indulto. Aí ameaça: o presidente terá de fazer com que "isso seja cumprido". Afirma não saber como... Ora, só existe uma maneira. Sigamos.
Mas como?
É uma hipótese muito ruim, porque a gente está falando de possibilidade e de uso da força. A gente está falando da possibilidade de interferência direta entre os Poderes. Tudo que ninguém quer. E eu não estou falando aqui, pelo amor de Deus, no tom de ameaça, estou fazendo uma análise de cenário. É algo real que pode acontecer. Bolsonaro apoia alguém, esse candidato se elege, dá um indulto ou faz a composição com o Congresso para aprovar a anistia, em três meses isso está concretizado, aí vem o Supremo e fala: é inconstitucional, volta todo mundo para a cadeia. Isso não dá. Certamente o candidato que o presidente Bolsonaro vai apoiar vai ter que ter esse compromisso, sim.
RETOMO
"Uso da força"??? Então, bem, isso é golpe. Mas atentem para o seu bombom recheado de truculência e pasta doce símil a cacau: "E eu não estou falando aqui, pelo amor de Deus, no tom de ameaça, estou fazendo uma análise de cenário." Sei... A família Bolsonaro desenvolveu o sestro de elaborar minutas golpistas e propor que as Forças Armadas atropelem o resultado das eleições sem que, com isso, esteja querendo rasgar a Constituição... E de pregar que o presidente da República esmague o STF sem que isso caracterize... golpe.
Não se pronuncia tal palavra na conversa publicada, não em relação à ameaça do senador. Reproduzo outra passagem notável em que evidencia que quem sai aos seus também pode indicar o curso de uma degeneração. Prestem atenção!
Mas qual seria a alternativa? Vamos supor que isso aconteça.
Aí não tem mais remédio que exista para você fazer uma pessoa insana como o Alexandre Moraes voltar à normalidade, não achar que é o dono do Brasil, que tem a própria Constituição. Obviamente, o presidente, na hora de escolher um candidato, vai levar em consideração isso. Agora, [o candidato] se compromete em fazer o quê? Não sei. Mas alguém que tenha disposição, de alguma forma, de fazer com que o STF respeite os demais Poderes. Fazer com que o Alexandre de Moraes não continue sendo o dono dos votos de outros ministros, como parece.
A pergunta não deixa de ignorar que o entrevistado já disse qual é a alternativa, como ele mesmo explicita: não tem remédio que não seja aquilo cujo nome não se pronuncia: golpe. E quem seria o culpado? Alexandre de Moraes! A exemplo de todo golpista, o senador pede que se busque a responsabilidade entre os golpeados.
Foi precisamente o que fez seu pai ao responder a uma indagação de Paulo Gonet no interrogatório. O procurador-geral da República perguntou ao ex-presidente se medidas como anulação de eleições e prisões de autoridades se enquadravam na normalidade constitucional. Resposta: como o PL foi multado pelo TSE em razão de sua trapaça — não empregou esse termo — ao tentar anular milhares de urnas só para o cargo de presidente, então ele apelou às tropas. Culpa de quem? De Alexandre de Moraes! Sempre! Eis uma manifestação de degeneração moral e ética hereditária.
CONSPIRAÇÃO EM CURSO
Que fique claro, e é o senador a dizê-lo: a conspiração já está em curso. Os entrevistadores quiseram saber que aliado de Bolsonaro estaria disposto a assumir o compromisso golpista -- na conversa, nunca se ousa dizer o nome do que tem nome. Leiam:
Quem teria esse perfil hoje?
Ninguém vai assumir "sou o candidato que vai fazer isso ou aquilo". Não adianta a gente ficar especulando nomes. Vai ter que ter uma habilidade para evitar que isso aconteça e, ao mesmo tempo, fazer com que as coisas voltem à normalidade. Mais uma vez: estou disposto a ser um canal aberto para pensar junto o que fazer e insistindo que o caminho honroso é a anistia.
Entenderam? Flávio aclara sem reservas que a disposição de dar um golpe é a precondição para ter o apoio de Bolsonaro. Devemos, pois, supor que quem quer que venha a contar com a sua chancela terá selado tal pacto. As urnas podem, pois, vir a sagrar um nome que já tenha firmado com Bolsonaro o compromisso secreto de rasgar a Constituição se seus interesses forem contrariados.
ENCERRO
A imprensa, como existiu um dia, que colaborou ativamente com o processo de redemocratização -- sim, apoiou o golpe de 1964, não se pode esquecer --, fixar-se-ia nesta questão como uma missão civilizatória ao entrevistar pré-candidatos e líderes da direita e da extrema-direita: "O senhor ou a senhora se comprometeu com Bolsonaro a conceder indulto aos condenados e a dar um golpe caso o Supremo venha a considerar o procedimento inconstitucional? O senador Flávio Bolsonaro informou que essa é uma exigência para contar com o apoio do ex-presidente. O senhor ou a senhora passaria por cima do STF em 2027 ou apoiaria alguém com tal disposição?"
Temo, no entanto, que assim não se faça porque muitos podem avaliar que a simples defesa da democracia se confunda com a adesão ao governismo e à postulação de Lula. Em muitos aspectos, certa imprensa, hoje em dia, lembra muito mais aquela dos primórdios de 1964 do que a que aderiu, para valer, à redemocratização.
Flávio já disse o que o bolsonarismo pretende e já anunciou que a conspiração está em curso. Com a palavra todos aqueles que postulam o seu apoio e as lideranças que com ele se alinham. Ignorar, doravante, a questão que vai acima corresponde a flertar com um golpe em 2027.
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