Reinaldo Azevedo

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Opinião

Líderes que deveriam estar presos são 'risco existencial' para a humanidade

Dois políticos que deveriam estar na cadeia representam, neste momento, um "risco existencial" para a humanidade, não é mesmo? Benjamin Netanyahu precisa do conflito permanente para não ter de enfrentar na Justiça a sua própria biografia. E, como se sabe, a responsabilidade do governo no ataque terrorista praticado pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023 está sob investigação e não tem explicação aceitável. A Inteligência israelense consegue mapear pés de chinelo que saem do Brasil para se encontrar com supostos intermediários do Hezbollah, mas se mostra incapaz de antever e impedir um atentado daquela magnitude. Netanyahu segue o mesmo. Seu governo, neste momento, mantém um acordo operacional com facínoras do ISIS — sim, do Estado Islâmico — na Faixa de Gaza para que ajudem a combater o Hamas. Alguns verão aí a lógica da guerra. É só a delinquência travestida de pragmatismo. Como "pragmático" ele foi durante todo o tempo em que desmoralizou Mahmoud Abbas, demoliu casas de palestinos na Cisjordânia, ergueu novos assentamentos e apoiou ações terroristas de colonos judeus contra a população local.

O outro, de que falo, obviamente é Donald Trump, o sedicioso, aquele que prometia em debates e em entrevistas:
"Eu acabarei com todas as crises internacionais que o atual governo criou, incluindo a horrível guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a guerra causada pelo ataque a Israel; ambas nunca teriam acontecido se eu fosse presidente".

Ao concluir o quinto mês de governo, atacou o Irã à revelia do Congresso, o que é ilegal. Mas e daí? Nessas horas sempre vem a conversa mole, essencialmente ilógica, sobre se é aceitável que o Irã tenha a bomba atômica. O dado curioso é que esse país integra o Tratado de Não Proliferação Nuclear e, objetivamente, não a tem. Israel está fora do acordo e a tem. Assim, duas potências nucleares bombardeiam um país não nuclear, acusando-o de tentar enriquecer urânio para obter a arma — e é bem provável que isso estivesse ou esteja a caminho, a ver —, afirmando que, caso a obtivesse, representaria um risco para os dois. Ambos estão, então, a dizer que, no Irã, estavam certos, ao menos no que concerne à razão prática, os que afirmavam que ter as ogivas era mesmo um bom modo de não se submeter ao arbítrio dos inimigos. Ora, ainda no campo do óbvio, deve-se indagar: se o arsenal da Ucrânia não tivesse sido transferido para a Rússia quando a União Soviética ruiu, alguém acha que Putin teria se lançado contra o país que considera o seu quintal? Entendem para onde isso nos leva?

É preciso que vislumbremos o "findomundistão" com que nos ameaçam esses arautos do apocalipse. E, nessas horas — e estamos a falar do risco de colapso global, se alguém não entendeu —, as questões laterais sempre são evocadas por diversionistas como se fossem o centro do debate. "Ah, então o Irã é um regime admirável? Não. Mas quem disse que é? "Ah, mas então Israel não tem o direito de se defender?" É claro que tem. Mas quem disse que não? "Ah, então os EUA não deveriam se colocar em socorro de seu aliado?" Mas não está desde sempre, e não é esse, afinal, um pressuposto para Israel, daí o desassombro de Netanyahu?

Notem que, quando me refiro a "questões laterais", tenho em mente a escala em que esses dois atores, Netanyahu e Trump, passaram a operar. O presidente norte-americano já botou a economia mundial e a de seu próprio país numa sinuca com a sua insanidade tarifária. O risco de uma escalada do preço do petróleo é real, e tudo vai depender da capacidade do Irã, caso leve adiante o intento, de bloquear o Estreito de Ormuz.

Netanyahu, Deus da guerra e do tribunal da história, defendeu o assassinato de Ali Khamenei. Consta que Washington segurou a sua mão. A história é, quando menos, verossímil. O aiatolá não tem razão para se sentir seguro, até porque parece que os agentes israelenses têm mais domínio da Inteligência iraniana do que tinham sobre a fronteira de Israel com Gaza naquele 7 de outubro de 2023. Trump, o Senhor dos Exércitos, acenou com uma mudança de regime em Teerã. Sejamos práticos: duvido que boa parte dos mais de 90 milhões de iranianos não quisesse o mesmo. A questão, como sempre, é saber como e a que custo. Infiro que a maioria dos palestinos de Gaza teria gostado de se ver livre do Hamas. Dado o genocídio em curso — e se chame a coisa pelo nome que tem —, por que os remanescentes haveriam de ter simpatia por seus algozes?

A população iraniana já arca com o custo das sanções econômicas impostas por aqueles que se dizem seus potenciais libertadores. Se o regime dos aiatolás caísse amanhã, poderia até ser uma bênção para a população — o que, note-se, à margem, não mudaria a política de Netanyahu para os palestinos —, mas, até onde se sabe, isso não está num horizonte próximo, salvo um improvável golpe de estado, que teria de contar com a colaboração das Forças Armadas e da Guarda Revolucionária. Até onde se sabe, não sobrou no país uma elite dirigente fora do establishment constituído pelos aiatolás nos quase 50 anos de triunfo da revolução islâmica.

A questão, assim, pode estar no tamanho do horror que Israel e os EUA estão dispostos a infligir a uma população de quase 100 milhões de pessoas. Netanyahu salvou a própria cabeça em Israel promovendo o massacre em Gaza e atacando todos os inimigos ao mesmo tempo, brandindo sempre a "ameaça existencial", como a dizer: "Ou é assim, a meu modo, ou corremos o risco de desaparecer", o que obviamente nunca mais esteve no horizonte desde 1973. Esse é, na verdade, o mote da extrema direita para levar adiante a sua política de inviabilizar a criação do Estado palestino, sempre com a sangrenta colaboração dos terroristas "do outro lado" — que, na prática, se tornam seus aliados objetivos.

Netanyahu se segura no poder — e fora da cadeia — enquanto durar a guerra. Se for longa, tanto melhor para a sua própria "segurança existencial". O que vai acontecer com o resto do mundo? Aí, meus caros, estará mal-informado qualquer um que diga saber. Se o regime de Teerã se sustenta e se milhares começam a morrer, o risco é Oriente Médio virar, com o perdão do clichê, um barril de pólvora.

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Há mais: ataques massivos ao Irã necessariamente convocam a Rússia e a China a entrar no tabuleiro. Ontem, Vasily Alekseyevich Nebenzya, embaixador da Rússia na ONU, acusou os EUA se estarem "jogando com a segurança da humanidade". Condenou os ataques ao Irã e disse que os americanos "não só fecham os olhos para os crimes em Gaza, mas jogam com a segurança da humanidade", como informa Jamil Chade. Mais contida, a China disse o óbvio: os ataques "violam a carta da ONU, assim como a soberania do Irã, e ampliam a tensão na região".

Khamenei pode fazer as contas e chegar à conclusão de que é melhor submeter seu programa nuclear ao controle "dos inimigos", aceitando, por ora ao menos, a paz forçada. Mas ninguém acredita nisso. Trump tampouco. Que coisa! Não só este senhor não acabou com as outras guerras como pode ter metido os EUA em mais uma enrascada, com riscos globais.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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