Reinaldo Azevedo

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Opinião

Acordo sobre PDL? Ao arrepio da Carta? STF não tem o direito de não decidir

É claro que é ruim que seja eventualmente o Supremo a resolver a patuscada protagonizada por lideranças do Congresso no caso do IOF. Mas eis a pergunta inevitável: qual é a alternativa? Notem: digo ser ruim não porque exista alguma dúvida sobre se cabe ou não ao tribunal decidir, mas porque isso, a rigor, não seria necessário se Câmara e Senado não tivessem decidido rasgar a Constituição nesse particular — e, observo à margem, em muitos outros.

Os analistas enfezados com o governo Lula tonitruam: "Olhem aí, falta articulação política; vejam como o diálogo é ruim..." Esperem. Não nesse caso. No dia 8 de junho, cada passo, incluindo o novo decreto do IOF, foi combinado entre o ministro Fernando Haddad (Fazenda), Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, e David Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado. Concederam depois uma entrevista coletiva. E foi Motta, hoje o mais estridente no ataque ao governo, a dizer:
"Pessoal, primeiramente, dizer que hoje foi uma noite histórica, onde tivemos, acredito que pela primeira vez, pelo menos nesses últimos anos, uma reunião conjunta entre os líderes da Câmara e os líderes do Senado Federal, com a presença do ministro da Fazenda, toda a sua equipe, da ministra na Secretaria de Relações Institucionais (...) E o governo, atendendo essa posição do presidente do Senado e do presidente da Câmara, representando as duas Casas, hoje trouxe essa alternativa. Importante registrar aqui: só foi possível graças a esse trabalho que nós fizemos junto ao Ministério da fazenda".

Não só demonstrou que estava de acordo com as medidas como puxou os louros da "noite histórica" para o Congresso. Registre-se que se tratava de uma revisão de decreto anterior. Então, nesse particular, por menos que esse ou aquele gostem do governo, é preciso reconhecer o óbvio: houve, sim, recuo da Fazenda de sua posição inicial, embora atuasse dentro de suas prerrogativas. Deu-se a negociação, e esta, pela voz do próprio Motta, tinha sido bem-sucedida. E por que se roeu a corda? Ninguém sabe. Ou sabemos: 2026 já está no radar, e Ciro Nogueira, presidente do Progressistas, a mais estridente voz da oposição, já deu a palavra de ordem: nada do governo Lula pode passar no Congresso. Se o país for à breca junto, fazer o quê?

Aqui e ali leio que haveria descontentamento no STF porque, afinal, mais uma confusão vai estourar no tribunal. Agradável, reitero, não é, mas cumpre indagar: o tribunal tem o direito de não decidir diante de uma flagrante agressão à Constituição? Aí não se trata de fazer um juízo de conveniência, mas de cumprir um mandamento, até porque há um visível clima de intimidação do tribunal: "Será que vai se meter em mais essa?"

A AGU, recorrendo em nome do Executivo, pede, por meio de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que se conceda uma liminar tornando imediatamente sem efeito o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) que anulou o do Executivo sobre o IOF. Bem, fazer o quê? Inconstitucional, obviamente, a medida do Congresso é. Ou existe alguma contestação possível? O PDL serve para sustar atos do governo que usurpem prerrogativas congressuais. Nesse caso, tem-se o oposto: o Legislativo resolveu atropelar uma competência do Executivo. E não há caminho que não aponte para a declaração de constitucionalidade do que é obviamente... constitucional.

Leio na Folha que um ministro teria falado em "off" em alguma forma de negociação, talvez um "chamamento do feito à ordem". Pesquisem a respeito. Mas resumo assim: o juiz pode, digamos, pisar no freio para efeito de arrumação em razão de vícios processuais, irregularidades etc. Nada está dado nesse caso.

Objetivamente: o PDL é inconstitucional? É. Então não pode prosperar. O decreto do governo é constitucional? É. Então assim tem de ser declarado. "Ah, mas isso vai provocar um conflito..." Entre quem e quem? Então se vai permitir que prospere uma agressão clara à Constituição por receio de confronto político?

Insisto: o ideal seria que esse absurdo não chegasse ao Supremo. Mas como se negocia com quem não quer negociar, impõe-se pelo fato consumado, ignora os diplomas legais e ainda promete retaliar caso a parte que foi esbulhada de seus direitos recorra à Justiça?

Pois é... Quiseram as circunstâncias que isso ficasse, de novo, com Alexandre de Moraes, como se já lhe pesasse pouca responsabilidade nos ombros. Não sei quais caminhos percorrerá o ministro, mas não vejo muita saída que não seja dizer sobre a Carta: "cumpra-se". O rolo que isso vai dar entre o Executivo e o Legislativo, convenham, não tem de ser administrado por ele. Só faltava mais essa.

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Notem que está em curso uma impressionante sem-vergonhice: os que defendem o PDL o fazem argumentando ser "a vontade do Congresso". Ocorre que a dita-cuja deve ser exercitada nos limites da lei. "Ah, vamos para a briga e apostar no quanto pior, melhor".

Pergunta óbvia de resposta idem: não é o que já tem feito boa parte do Congresso? Hoje, temos uma vanguarda do retrocesso no Poder Legislativo que acredita que pode impor PDL ao arrepio da Constituição, que pode tomar para si a execução do Orçamento e que ambiciona ser até corte revisora do próprio STF.

Na democracia, inexiste poder soberano. De toda sorte, como reza velho adágio, em matéria constitucional, o STF tem a prerrogativa até de errar por último. No caso em tela, não há erro possível. O PDL é inconstitucional, e o decreto do IOF é constitucional.

E o Supremo não tem o direito de não decidir.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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