Reinaldo Azevedo

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Opinião

Os que querem quebrar os ovos dos pobres têm queixo de vidro para a crítica

Mesmo com o establishment da mídia majoritariamente contra o governo, sei lá se por ideologia, conveniência ou ambos, descobrimos existir uma elite do Congresso que não é apenas reacionária e autoritária: também tem o queixo de vidro, incapaz de sustentar o embate que ela própria provocou sem gritar "falta!" quando encontra resistência.

Bom é se esconder atrás de parte considerável de uma cobertura jornalística preguiçosa e antipobre, que se limita a tonitruar: "Cortem gastos!", sem nunca dizer, afinal de contas, onde se deve operar a amputação. No salário mínimo? Na aposentadoria? Na Saúde? Na Educação? Cortar, afinal de contas, o quê? Sem contar as pesquisas amigas, sempre prontas a antecipar o resultado da eleição de 2026, com candidato já escolhido. Só falta encomendar o terno da posse e combinar com Jair Bolsonaro...

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chamou ou não de "histórica" a reunião do domingo de 8 de junho entre a cúpula do Congresso e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Gleisi Hoffmann (Secretaria das Relações Institucionais)? E o que se acertou ali senão um novo decreto do IOF e as demais medidas, com formato então a ser definido, para o cumprimento do arcabouço fiscal? Na terça, dia 10, tudo havia mudado, até culminar com a ursada do dia 24, quando, às 23h40, o presidente da Câmara pautou o inconstitucional PDL para ser votado no dia seguinte. Isso não é matéria de gosto, mas de fato. Às 23h42, o senador Ciro Nogueira, pré-candidato a vice do pré-eleito Tarcísio de Freitas, retransmitiu o anúncio a seus contatos. Sim, há setores da elite brasileira tão singulares que deram à luz o pré-eleito e o pré-presidente... É uma espécie de versão turbinada, para tempos digitais, do "Collor caçador de marajás"...

Também é matéria de fato que, no mesmo dia 25, enquanto se arquitetava a aprovação do PDL, Motta discursou na reunião da federação oposicionista formada pelo Solidariedade e pelo PRD, com discurso mirando não a democracia ou outra virtuosa generalidade institucional. Preferiu falar de eleição. Nestes termos:

"Eu sei que essa federação vem para engrandecer o debate nacional acerca de uma agenda que tem o povo brasileiro em primeiro lugar; que possamos com racionalidade, com sensatez, enfrentar os problemas que a nossa sociedade tem. E, aqui na Câmara dos Deputados, pela qualidade dos parlamentares aqui representados, eu não tenho a menor dúvida de que essa federação, ela já nasce muito forte. Ela terá, sem dúvida alguma, muita responsabilidade de agora por diante, pelo valor que os seus membros têm, mas para mais do que isso: nós precisamos discutir o que nós queremos para o país a partir de agora, já vislumbrando as eleições do ano que vem. O momento é de trabalho, o momento é de entrega, o momento é de tratar os temas de que o Brasil precisa. E eu não tenho a menor dúvida de que, pelas falas que aqui escutei, essa federação nasce com esse sentimento muito forte de discutir o Brasil e de fazer as entregas que a população espera de cada um de nós".

Claro...

QUEBRANDO OS OVOS
Então vamos discutir o Brasil. Não existe mágica. Eu louvo os economistas desassombradamente hostis aos pobres, não por sua moral intrínseca, mas por sua coragem amoral disfarçada de técnica.... O problema, como se depreende de sua racionalidade impecável, está na vida nababesca dos desgraçados. São todos pensadores da mesma gema do tal Rei do Ovo. Passe-se o facão no Brasil dos pobretões pidões e vivaldinos, e o futuro sorrirá. E se ignorem, por ora, os gastos tributários de quase R$ 1 trilhão, porque, afinal, sabem como é, não se pode fazer omelete sem quebrar, lá vamos nós, os ovos -- frase que não é de Stálin, já fiz tal correção há muito tempo, mas de Nadezhda Mandelstam, viúva do poeta russo Ossip Mandelstam, perseguido pelo bigodudo.

Que pena não ter havido, não é?, um décimo da indignação desses vetustos e realistas senhores — com seus atentos colunistas e comentadores a lhes servir de ilustração — quando se prolongaram, por exemplo, o tal Perse e a desoneração dos 17 setores "empregadores de mão de obra", entre outras mamatas. Sabem como é... São todos contra a "gastança", mas a favor da "entregança" dos cofres a quem tem seus lobbies muito bem organizados em Brasília e em toda parte.

Motta ainda encontrou tempo, no dia 26, de fazer um vídeo engraçadinho, vestindo a camisa do Flamengo, tirando uma onda dos críticos. Ah, claro! Naquele mesmo 25 em que se aprovou o inconstitucional PDL, o Senado referendou votação da Câmara e elevou — deve ser em nome da moralidade pública — o número de deputados de 513 para 531. Sabem como é... Em matéria de gastos públicos, podemos enforcar o último recebedor do salário mínimo com a tripa do último aposentado, mas não podemos deixar desguarnecida a representação popular...

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Imediatamente após a votação, começaram as advertências com ameaças, que atingiram até o tribunal: "Que o governo não ouse recorrer ao Supremo; será muito pior".

OS PATRIOTAS
Há, sim, uma questão fiscal importante a ser equacionada no Brasil, mas a economia do país, ora vejam!, vai bem, à diferença do que disseram dois terços dos 203 deputados ouvidos pela Quaest numa pesquisa que começou em 7 de maio e se estendeu até 30 de junho. Não entendi, noto à margem, por que, em quase dois meses, não se ouviram os 513. Mas também já desisti de procurar explicação nova para o que já sei. E sei, por exemplo, que essa gente acha que é errado ter o menor desemprego da série histórica; uma elevação de renda dos mais pobres de 19% e dos brasileiros no geral de 10%; a menor desigualdade da história; a maior renda per capita domiciliar desde 2012; uma elevação de 30,3% no trimestre do lucro líquido das 387 companhias abertas não financeiras, atingindo R$ 57 bilhões, com as receitas crescendo 13,9%, para R$ 976,7 bilhões, entre outas ruindades, como apontou Pedro Cafardo em artigo impecável. Tudo isso está, como se sabe, supinamente errado. Precisamos, como defende o pré-presidente, já pré-eleito, Tarcísio de Freitas, implementar no Brasil o modelo Milei. Sem isso, o país não consegue ter a moeda e a Bolsa mais desvalorizadas do mundo em nome do equilíbrio das contas...

Voltemos ao começo. Parte desse debate ganhou as redes. Parece que tem até gente do governo que anda meio assustada. Obviamente não endosso — eu estou entre os que defendem responsabilidade nas e das redes, lembram-se? — ataques e agressões pessoais. Mas sou favorável ao debate franco. E eis que começou o chororô da turma do queixo de vidro: "Olhem aí, estão falando mal de nós..." Não! Estão cobrando que se diga onde devem ser operados os famosos cortes e cobrando não exatamente justiça tributária, que isso seria excesso de rigor, mas um tanto mais de decência.

SUPREMO
Também acho que Executivo e Legislativo devem, sempre que possível, resolver suas questões por intermédio da negociação política. No caso de haver uma controvérsia que é de natureza constitucional, recorra-se, afinal, a quem tem a última palavra, nem que seja para errar por último, sobre a interpretação da dita Carta Magna, não é mesmo?

Essa conversa de que o governo só pode editar decretos sobre IOF se este for apenas regulatório, mas não arrecadatório, é justificativa de quem pretende enfiar goela abaixo do Executivo um PDL obviamente inconstitucional. Se há alguma forma de entendimento entre governo e Congresso nessa matéria, que se faça, mas não rasgando a Constituição, não é mesmo? Ou alguém pretende que se firme alguma jurisprudência no país contra o texto constitucional em nome da harmonia?

ENCERRANDO
Reitero meu repúdio a baixarias e agressões no debate público, a exemplo das pusilanimidades que se assacaram, de novo, nesta quarta, na Câmara, contra a ministra Marina Silva (Meio Ambiente). A propósito: Motta e Alcolumbre demonstram ter baixa tolerância para a contestação nas redes, mas têm permitido toda sorte de baixarias nas respectivas Casas que presidem.

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Fica aqui o meu convite para que a turma "do corte", incluindo o colunismo, faça, para usar um clichê em que essa gente é viciada, a "lição de casa": como fazer cortes sem começar pelos que nada têm? "Ah, mas aí fica difícil..." Pois é...

Chegou a hora de um debate mais claro. Como diria Virgínia Fonseca, aquela das bets, que também não querem pagar mais imposto, "bora pra cima".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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