Reinaldo Azevedo

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Opinião

O 'Projeto Tarcísio' traduz a ambição de ter um bolsonarismo sem Bolsonaro

Se a maior parte das apurações, ou que nome tenham, e de um grupo considerável de pesquisas, ou que nome tenham, estiver certa, o presidente Lula se prepare para aposentar as chuteiras — com o perdão do clichê, mas sigo, nesse caso, a metafísica influente —, e o PT se prepare para se reinventar. Se bem que, nesse segundo caso, acho que o tempo urge, qualquer que seja o resultado. Sendo como dizem, a direita já ganhou a eleição, só resta saber com quem... Não acho que as coisas sejam assim, mas esse não é o objeto deste artigo. Há tanta gente fazendo previsões erradas que não pretendo acrescentar o meu próprio erro à coleção. Prefiro o caminho da análise. Atenho-me a tentar entender a natureza do jogo. E há o risco de até Jair Bolsonaro concordar comigo em certos aspectos, ainda que por seus motivos, não pelos meus. Quando tive de escolher um nome para o meu programa na BandNews FM e na BandNews TV, em 2017, apelei a Clarice Lispector de "Água Viva" e mandei ver: "O É da Coisa". É isto. "Quero apossar-me do é da coisa". E digo sem temor de errar: o único que tem condições de destruir Bolsonaro, mas não o bolsonarismo, é Tarcísio de Freitas. Antes que os petistas fiquem bravos, convém que leiam o artigo até o fim.

Lula (PT) é candidato à reeleição. Sim, segue competitivo hoje. Os que escrevem "A História do Futuro" com mais ambições do que Padre Vieira, mesmo espancando a língua que foi um dia do imperador de batina, dizem que não. Fato: não há um outro competidor no campo moderado, progressista ou de esquerda — eu chamo a tudo isso de "centro democrático". Todos os outros que se apresentam estão à direita e, fazendo justiça aos fatos e a tudo que ensinam os manuais comezinhos de política, são, em verdade, de "extrema direita", posto que ou caudatários do ex-presidente ou reverentes à sua visão de mundo. Logo, veem-no como seu suserano ideológico. Ou alguém enxerga um dos nomes que despontam nos partidos do centrão a dizer algo como: "O quê? Aquele cara? Não quero saber dele!"? Isso não existe. Não se esqueçam desta verdade para que sigam entendendo a análise: ser o chefe da oposição, ainda que numa vila, é mais recompensador, do ponto de vista psicológico e prático, do que ser o segundo em Roma, tendendo ao desaparecimento. Se preciso, releiam o que vai em negrito.

DUAS SUCESSÕES
Há dois processos de sucessão em curso: um no país e outro no território da direita -- que é, hoje, hegemonizada pelo "Mito". Como? "Não é assim?" Querem um exemplo? Gilberto Kassab, presidente do PSD -- que era um modelo de centro-direita para muita gente --, recebeu das mãos do marido de Michelle a "Medalha dos Três Is": Imorrível, Imbrochável e Incomível"... Desculpo-me se a ordem não for essa, mas não vou interromper o fluxo de raciocínio para pesquisar. Há coisas de que a gente pode se dispensar.

Qual é o conservador que não está disposto hoje a pagar o custo da vassalagem a Bolsonaro? Talha, corveia, banalidade e até "formariage" — não há no dicionário —, os vassalos aceitam arcar com qualquer custo e prometem a seu senhor, cuja decadência anteveem, o que este pedir. E assim é porque o feudo da direita e da extrema direita ainda tem um senhor — e apenas um. Sim, seu ato na Paulista micou, mas, na sua seara ideológica, quem reúne mais do que aquilo? Se ele exercer o seu poder de veto — ou de voto interno —, quem se lança contra a sua vontade do lado de lá da linha? Dos que estão aí postos, a resposta é uma só: ninguém.

E aqui a questão começa a se adensar e a se tornar mais complexa.

UM PRÉ-PRESIDENTE?
Pela primeira vez no Brasil -- se alguém tem memoria de fato similar pretérito que me aponte --, convivemos com um pré-presidente. Já tratei do assunto no rádio, na TV, no meu programa neste UOL e também nesta coluna. A assunção midiática de Fernando Collor como "caçador de marajás" era uma torrente, não esse eflúvio em que vem Tarcísio de Freitas, como uma determinação irresistível, caída da "árvore dos acontecimentos" (Karl Marx). Ele aparece, convenham, em certos nichos, como uma espécie de resposta fatal para o futuro do Brasil. Ocorre que, voltem algumas linhas, não está em curso apenas a sucessão presidencial, mas também a eventual troca de comando no território da direita.

Voltemos à última linha do primeiro parágrafo. Tendo a achar — e não fingirei, a exemplo do que fazem alguns, que tenho bola de cristal — que o "senhor" não está disposto a entregar a sua, como vou definir?, herança a quem, à diferença dele, tem um trânsito bem mais largo nas elites brasileiras. No ato da Paulista, do dia 29 do mês passado, o governador de São Paulo houve por bem ignorar o Supremo — e não nos esqueçamos de que o ato era para exorcizar as "forças malignas" do tribunal — e voltou sua artilharia contra o PT e contra Lula, ainda que prestasse todas as homenagens típicas de um servo fiel a seu senhor.

Bolsonaro, ele mesmo, seguiu outro caminho:
"Se vocês me derem, por ocasião das eleições do ano que vem, 50% da Câmara e 50% do Senado, eu mudo o destino do Brasil. Tarcísio, quando eu falo isso, tem outros 50% para o Republicanos, para o PSD, pro PP, MDB, União Brasil... Se vocês me derem isso, não interessa onde eu esteja, aqui ou no além, quem assumir a liderança vai mandar mais do que o presidente da República. Com essa maioria, nós elegeremos o nosso presidente da Câmara, o nosso presidente do Senado, o nosso presidente do Congresso Nacional, a maioria das comissões de peso no Senado e na Câmara. Lá no Senado, nas sabatinas, nós decidiremos quem prosseguirá nessa missão ou não. Nós indicaremos os integrantes das agências, nós escolheremos, e não o presidente [da República], o presidente do Banco Central e todo o seu secretariado. Nós seremos os responsáveis pelo destino do Brasil. Então o recado: não quero isso para perseguir quem quer que seja; não quero isso para revanchismo; eu quero isso pelo futuro do meu Brasil. E digo mais: nem eu preciso ser presidente. O Valdemar [Costa Neto] me mantendo como presidente de honra do Partido Liberal, nós faremos isso por vocês".

Como se percebe, dado o que vai acima, ele não se mostra disposto a sair de cena, ainda que seja por intermédio da sobrevivência da sua mitologia. Vejam a sua trajetória e o modo como conquistou parte do eleitorado com o seu sobrenome. Convenham: não é preciso fazer um raciocínio estrambótico para concluir que inexistem razões categóricas para que transfira a sua herança política a um Freitas.

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O SUBSTITUTO?
E não é um Freitas qualquer. Nos expoentes da elite conservadora brasileira, são poucos os que não o veem como mais preparado do que Bolsonaro, mais tolerante do que Bolsonaro, mas inclusivo do que Bolsonaro, mais inteligente do que Bolsonaro, mais capaz do que Bolsonaro, mais hábil do que Bolsonaro, mais o que quiserem de bom do que o próprio... Bolsonaro. Fica aí uma lição ancestral da política, que tem ditado antigo: cuidado com o que você cria e com os instrumentos e aparelhos que lhe franqueia. Há o risco de que lhe fure os olhos.

E não! Não estou a dizer que Tarcísio está pronto para trair seu criador. Não tenho bola de cristal, lembrem-se. Não duvido de que, se candidato — e é visível que a direita cerca o "chefe" para lhe impor a solução; leiam as colunas de notas —, Tarcísio vai lhe fazer todas as mesuras, prometendo, se necessário, conceder-lhe o indulto. Restaria a questão já proposta pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ): e se o STF disser que é inconstitucional? O Tarcísio presidente recorreria à força e ao golpe de estado? Mas vou deixar o raciocínio apocalíptico de lado para me situar na seara da razão.

SUCESSÃO TAMBÉM NA DIREITA
Neste texto, alertei, eu trataria da "natureza do jogo". E a natureza do jogo da política nos informa que Bolsonaro sobreviveria, é evidente, se alguém do clã vencesse a eleição. Ninguém tem o direito de duvidar de que considero essa hipótese desastrosa. Mas voltemos a um aspecto já aqui expresso: a oposição também é um lugar de poder. E o capitão, preso ou não, ele próprio ou um herdeiro, seguiria galvanizado o que chamaria de "resistência".

Uma eventual vitória de Tarcísio — e pouco importa quantas juras de reacionarismo pudesse fazer na campanha — traz consigo necessariamente a troca de guarda na direita. Com reeleição e depois de eventuais oito anos, percebe-se a ambição de um bolsonarismo sem Bolsonaro para atrapalhar. Assim, a morte política do "capitão" pode se dar por intermédio daquele que é a sua mais vistosa criatura política.

Este é um texto sobre a natureza do jogo, não sobre adesões e escolhas. Digam-me qualquer um que não renegue o credo bolsonarista e o que ele significa, e eu estarei do outro lado. Este texto vale quase como um guia para que vocês aprendam a ler colunas de notas. Renego de maneira absoluta tudo o que o ex-presidente é e pensa, mas nunca escrevi que é burro — não há idiotas ali onde ele chegou. Deve saber o que realmente ameaça o seu "legado".

ENCERRO
Não quero chocar ninguém, mas o fato é que, havendo um Lula eventualmente vitorioso contra um Bolsonaro, o clã seguirá liderando a oposição. No caso do triunfo de Tarcísio contra o petista, o capitão será apenas o segundo em Roma. Depois de algum tempo, isso valerá muito menos do que ser o primeiro numa vila.

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Essa é a natureza do jogo. O que vai ser? Não tenho bola de cristal.

PS: Mas e uma chapa "Tarcísio-Eduardo"? Bem, esse seria outro texto. Mas digo: se o arranjo triunfasse, haveria fortes elementos para apostar que não se teria escolhido um presidente, mas uma crise.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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